Trens superlotados se tornam ambientes propícios para abusos e constrangimentos sofridos pelas mulheres. Apesar da existência dos vagões exclusivos, a empresa reconhece a necessidade de campanhas educativas
Nos horários de maior movimento, o aperto dentro dos vagões do metrô sintetiza uma disputa que vai além de um lugar confortável. Ali, também se trava uma batalha pelo direito das mulheres de ocuparem espaço sem sofrerem abusos e constrangimentos. Sob os cínicos pretextos de superlotação ou distração, passageiras de todas as idades são invadidas por toques indesejados ou esbarrões mal-intencionados. Não bastasse a agressão, as vítimas ainda são silenciadas pelo medo da incompreensão e pela falta de apoio de quem está logo ao lado, na mesma composição. Esquivar-se ou procurar outro lugar são as táticas da balconista Maria Luzia dos Santos Cavalcante, 35 anos. “Não grito porque vira barraco dentro do vagão. Já está todo mundo ali apertado e, se eu reclamar, vão falar que eu estou querendo chamar a atenção. Para mim, é mais fácil tentar sair de perto”, conta. A intimidação que ela descreve — a de ser hostilizada por denunciar o assédio — é o que faz com que o crime ainda seja pouco relatado aos órgãos responsáveis, de acordo com o promotor e coordenador do Núcleo de Gênero Pró-Mulher do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), Thiago Pierobom. “Não é comum o MPDFT receber denúncias, muito provavelmente em razão do descrédito por parte das mulheres de que a medida vá surtir efeito”, avalia. O desamparo à vítima se apoia na sordidez que naturaliza a violência, como se a tal mão boba fosse algo inofensivo. “É um problema cotidiano, uma situação que afeta todas as mulheres”, afirma a pequisadora da ONG SOS Corpo — Instituto Feminista para a Democracia e da Articulação de Mulheres Brasileiras Verônica Ferreira. A gênese do problema é profunda e atinge aquelas de nacionalidades diversas. Por isso, grupos ao redor do mundo organizam campanhas de combate ao assédio no transporte público. “São fruto de uma sociedade machista, sexista e patriarcal, que quer se apropriar do corpo das mulheres, como se fosse um papel que se espera do homem”, continua Verônica. O assédio provoca um misto de sentimentos, de acordo com a estudante Sandra Martins, 21 anos. “Sinto raiva e nojo. É um desrespeito muito grande. Como pode alguém achar isso divertido? É como se a pessoa tivesse sido assaltada, fica aquela sensação de impotência”, compara. Depois de sofrer o abuso, ela diz que permanece mais atenta no metrô. “Se está cheio, procuro ficar perto de outras mulheres ou no vagão rosa, em horários de pico. A gente tem de se preocupar com os pertences, com o trajeto e com o corpo”, afirma. A preocupação da jovem expõe a vulnerabilidade das mulheres nesse tipo de ambiente. “O problema passa pela falta de qualidade do transporte. A superlotação nos deixa mais vulneráveis às agressões. Somos nós, por exemplo, as primeiras a serem empurradas para dentro do vagão, a serem agredidas na hora de entrar no trem em horário de pico. Precisamos pensar em serviços na segurança dos meios de transporte”, destaca. Conscientização Criado há um ano e meio, no Metrô-DF, o vagão exclusivo para mulheres e deficientes físicos é tido como controverso. Se, por um lado, ele dá uma ideia de privilégio, por outro, não atinge o problema real — a baixa qualidade do transporte público no país — , na avaliação da assessora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), Leila Rebouças. “É uma medida segregacionista. O que queremos é que o transporte público seja melhor e mais seguro. O vagão exclusivo reforça a ideia de que as mulheres são as culpadas pela violência que sofrem. O culpado é o agressor”, pontua. A medida também é tida como superficial pelo coordenador do Núcleo de Gênero Pró-Mulher do MPDFT, Thiago Pierobom. “Ela não resolve totalmente o problema. Visa diminuir o desconforto das mulheres, mas pode criar outros constrangimentos. Mulheres acompanhadas de filhos adolescentes não podem frequentá-lo, por exemplo”, comenta. Na visão do Metrô-DF, a iniciativa é positiva. “A medida é exclusiva para o transporte e, até o momento, tem se mostrado eficiente”, afirma o chefe da Divisão de Segurança do Metrô-DF, Luiz Renato Antunes. Ainda assim, Antunes reconhece a necessidade de investir em campanhas de conscientização para usuários do sistema. “Esta nova filosofia tem de ser compartilhada pela população. A gente precisa de colaboração. Além disso, precisamos ter fiscais presentes para que a pessoa que desrespeita o vagão e assedia mulheres se sinta inibida”, defende. O trabalho deve ser no sentido de desconstruir raciocínios arraigados na cultura. “É importante realizar campanhas que mostrem que o problema existe e que as mulheres não gostam de uma abordagem agressiva”, explica o promotor Pierobom. “Não grito porque vira barraco dentro do vagão. Já está todo mundo ali apertado e, se eu reclamar, vão falar que eu estou querendo chamar a atenção” Maria Luiza Cavalcante, balconista “Sinto raiva e nojo. É um desrespeito muito grande. Como pode alguém achar isso divertido? É como se a pessoa tivesse sido assaltada, fica aquela sensação de impotência” Sandra Martins, estudante Mobilização O coletivo francês #stopharcelementdesrues encabeça uma iniciativa contra o assédio e a abordagem agressiva de homens nas vias e no transporte público. Em vigor desde abril, a campanha tem o objetivo de sensibilizar a população para que atitudes de desrespeito às mulheres acabem. Além disso, orienta as vítimas de cantadas, beliscões e demais abusos procurarem ajuda e denunciarem 140 mil Maryana Lacerda |
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Fonte: Correio Braziliense
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