“Me sentia suja cada vez que ele me tocava. Vivia com medo de que ele me batesse novamente, mas tinha mais medo ainda de fazer a denúncia e me expor diante dos amigos e da família.” A frase é de uma empresária de 47 anos que reside no Vale do Sinos. Sob o nome fictício de Ana, ela conta que sofreu violência durante os 15 anos em que foi casada. As ofensas verbais, que hoje não consegue repetir sem chorar, marcaram o começo de tudo, pouco antes de o casal completar as Bodas de Papel (um ano de matrimônio). “Ele me chamava de mulherzinha, de coitadinha, dizia que eu não sabia fazer nada, que outras mulheres eram sempre melhores do que eu. Isso me machucava muito”, lembra.Julgando estar errada, absorvia as críticas até que, em uma noite fria de junho, o álcool revelou no marido uma face desconhecida. A violência, antes exercida em palavras, ganhou força física com o punho cerrado vindo em sua direção. “Ele me deu socos e me obrigou a fazer sexo. Eu não consegui me defender”, conta. A violência se seguiu desta forma por cinco anos, sem que Ana desabafasse sequer uma palavra sobre o assunto. Quando entrou em depressão e se viu tomando cinco tipos diferentes de medicamentos, entendeu que aquela agonia precisava ter fim. Procurou ajuda psicológica, entrou com o pedido de divórcio, sofreu agressões por outras duas vezes durante a disputa judicial, e, há três anos, conseguiu sua liberdade. “Não podemos ser reféns, temos que engolir o orgulho e denunciar”, afirma. A situação vivida por ela demonstra que a violência pode ocorrer em qualquer lar e que mais do que nunca, a mulher precisa de auxílio para fugir disso. Em uma análise dos dados de apenas algumas cidades da região, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) aponta o registro de 2.665 casos somente até julho deste ano. Os comparativos de crescimento ou queda com relação a períodos anteriores não são necessários aqui, pois ter mais casos registrados, significa que mais mulheres estão conseguindo fazer as denúncias, o que é positivo. “Eu acredito que somente 10% das formas de violência são denunciadas”, afirma a psicóloga e professora da Feevale Denise Quaresma da Silva. Além disso, para combater a violência é preciso antes compreender que se trata de um problema social. Desde que existe, a mulher ocupa um papel secundário na sociedade, sendo objetificada e considerada um ser de menor importância. “As mulheres estão conseguindo se superar, mas ainda assim são vistas como algo que não precisaria estar ali. Temos que procurar mudar isso”, destaca a titular da Coordenadoria de Políticas Públicas para as Mulheres (CMulher) de Novo Hamburgo, Anita Lucas de Oliveira. Opressão em forma de lei A cientista política Jussara Reis Prá lembra que no momento em que se cria o Estado moderno, se estabelece o contrato sexual, no qual a mulher passa a ser propriedade de seu marido após o casamento. “Quando casava, ela deixava de ser uma pessoa e virava um objeto de seu marido. Só podia fazer aquilo que ele mandasse ou autorizasse”, afirma. Além disso, ela destaca que até o ano de 2002, o Código Civil brasileiro previa que era permitido ao homem devolver a esposa se ela não fosse virgem. Assim também a filha considerada desonesta por dormir fora de casa podia ser, por lei, deserdada de seu pai. Outro dado importante que comprova como as conquistas das mulheres tardaram muito a acontecer é uma norma prevista no Código Penal até 2005. Nela, era garantida a legítima defesa da honra, ou seja, se o homem fosse traído, podia matar a esposa e não seria punido pelo crime. “Com a necessidade de implantação da Lei Maria da Penha, essas normas precisaram ser retiradas. Mas muda-se a lei dizendo que a violência é crime, e continua a construção cultural da nossa sociedade de que o homem é dono da mulher”, comenta Jussara. A criação dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, excluía as mulheres. Somente em 1948 é que surge a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que inclui as mulheres nas mesmas possibilidades que os homens. História de inferioridade Há séculos, a mulher é considerada inferior ao homem. Desde que surge, é dado a ela o papel de submissa, não sendo permitido que apareça e faça parte da sociedade. Conforme explica a socióloga Margarete Panerai de Araújo, a luta feminina por reconhecimento começa efetivamente no século 20, embora pouco antes, em 1893, a Nova Zelândia tenha concedido o direito ao voto, no chamado sufrágio feminino. “O século 19 foi marcado por correntes de estudo feminino. Em 1932, no governo de Getúlio Vargas, as mulheres são autorizadas a votar no Brasil, mas isso só ocorre efetivamente nos anos 1950”, detalha. A partir dos anos 1960, o movimento de igualitarismo, que buscava educação, trabalho e participação política para as mulheres passa a ganhar força. Na década seguinte, surgem correntes de feminismo radical e nos anos 1980, o destaque fica por conta da busca pela revalorização da mulher. Com os tantos movimentos realizados em todo o mundo, a mulher conseguiu chegar aos dias de hoje ocupando cargos na política, estudando e trabalhando em todas as profissões. Mas ainda há muito o que ser feito, pois o espaço ocupado por homens e mulheres ainda não é igualitário. “Temos em nossa história o mito da mulher ausente, que representa que a mulher sempre esteve presente na história mas era omitida, ficava escondida nas cozinhas. Ela controlava o cotidiano, mas de uma forma invisível”, explica Margarete. Onde buscar ajuda Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher, que funciona 24 horas por dia com ligação gratuita e orienta quanto aos locais mais próximos onde buscar ajuda. Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) – Rua Graça Aranha, 55, bairro Ideal, em Novo Hamburgo. Contatos: (51) 3584-5805. Centro de Referência e Atendimento Viva Mulher – Avenida Pedro Adams Filho, 5.836, em Novo Hamburgo. Contatos: (51) 3036-1818. Núcleo de Apoio aos Direitos da Mulher (Nadim) – Câmpus 2 da Universidade Feevale, na RS-239, 2.755, em Novo Hamburgo. Contatos: (51) 3586-8800 |
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Fonte: NH
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