Se tudo tivesse ocorrido conforme planejado por seu agressor, Maria da Penha estaria morta há muito tempo, e ninguém suspeitaria que seu caso seria mais um de uma extensa lista de homicídios de mulheres no Brasil. Mas ela sobreviveu a duas tentativas de assassinato e lutou para que seu marido, um economista colombiano, fosse condenado. Hoje com 67 anos e paraplégica devido ao tiro que levou do ex-cônjuge, ela sabe que tem um lugar especial reservado na história do país, após ter uma lei batizada com seu nome, e que pode ajudar a salvar milhares de vidas de mulheres. “Gostaria de ser lembrada como uma mulher que, perseverando após 19 anos e seis meses em busca de justiça, conseguiu mudar a lei de um país”, diz a cearense durante uma entrevista à BBC Mundo em sua casa em Fortaleza. “Enquanto dormia” As suspeitas dela eram baseadas nas atitudes cada vez mais violentas que Marco Antonio Heredia vinha adotando com ela e suas filhas. Ela havia sugerido a separação, mas ele não aceitou. O agressor disse à polícia que o tiro que atingiu sua mulher havia sido disparado por um criminoso em uma tentativa de assalto. Depois de passar quatro meses e meio hospitalizada, Penha voltou a viver com o marido e as filhas. “Continuei com ele porque não sabia que ele havia sido o autor da primeira vez”, diz. “Quando voltei sofri uma segunda tentativa (de assassinato), mais dissimulada, por meio de um chuveiro elétrico danificado de propósito (para eletrocutá-la)”, afirmou. “Se eu tivesse entrado no banho… Percebi antes que estava passando corrente (pela água)”, lembra. Quase um ano depois do disparo, convencida de que seu marido queria matá-la, Penha o denunciou às autoridades e começou sua luta para que Heredia fosse condenado. Risco de morte Em meio à batalha judicial, o caso foi levado por ONGs à Comissão Interamericana de Direitos Humanos – que começou a pressionar o governo brasileiro. O Estado foi responsabilizado pela demora no processo e convidado a tomar medidas para prevenir a violência doméstica – um delito que até então dificilmente se punia com prisão. Isso levou à aprovação em 2006 da Lei Maria da Penha, que combate a violência doméstica com punições mais duras para os agressores, como a possibilidade de prisão preventiva e o impedimento da imposição de penas alternativas. Uma declaração das Nações Unidas citou no ano passado essa lei como pioneira mundialmente em defesa dos direitos das mulheres. Mas, apesar da lei, a quantidade de mulheres brasileiras assassinadas continua causando preocupação – um desafio que permanece sem solução no país, segundo especialistas. “A lei ajuda a mudar o comportamento, mas não muda tudo sozinha”, disse a socióloga Eva Blay, uma das primeiras pesquisadoras a estudar questões de gênero no Brasil. Maria Magnólia Barbosa, procuradora de Justiça do Ceará, afirma que a lei também levou a um aumento das denúncias de mulheres maltratadas, dando ao problema maior visibilidade. “Antes (as mulheres) não tinham a quem denunciar”, explica à BBC Mundo. “Questão cultural” “O feminicídio é uma questão cultural antes de mais nada”, afirma Maria da Penha, que lembra que a violência doméstica está em todas as classes sociais. “Meu agressor era um professor universitário”, resume. Símbolo da luta pelas mulheres no país, Maria da Penha aconselha que as que se sintam ameaçadas busquem apoio de instituições e grupos especializados, que se protejam com sigilo e evitem ser impetuosas. “Muitas vezes a mulher pode se desesperar por estar vivendo uma situação assim, mas é melhor ter um pouco de cautela para que não seja assassinada”, afirma. “Porque é em momentos assim que muitas vezes a mulher perde a vida”, diz. |
Fonte: Portal Terra
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