Especialistas criticaram a falta da perspectiva de gênero nos atendimentos públicos de situações de violência contra a mulher, durante debate sobre a política de atendimento ocorrido na noite dessa quarta-feira (19), na Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
A militante feminista Amelinha Teles disse que houve avanços jurídicos no enfrentamento à violência contra a mulher. Segundo ela, além da Lei Maria da Penha, delegacias e serviços públicos foram criados. “As conquistas foram grandes, no entanto, a violência não diminuiu”, disse Amelinha. “Enfrentar a violência contra a mulher é enfrentar uma revolução”, acrescentou. Amelinha destacou o pioneirismo da Casa Eliane de Grammont, um centro de referência do município que atende mulheres vítimas de violência desde a década de 1990, e disse que “o Brasil é o sétimo país nos assassinatos de mulheres. A cada duas horas, uma mulher é morta por violência de gênero”. Apesar dos avanços, segundo ela, os serviços de atendimento às mulheres vítimas de violência ainda é precário e que o orçamento destinado a políticas públicas é baixo. Para a militante, é importante investir em profissionais capacitados, a fim de que eles compreendam a profundidade e complexidade do serviço. “Não tem política pública sem profissionais que a levem para frente.” A assistente social Graziela Acquaviva, que participou da implantação da Casa Eliane de Grammont, alertou sobre as novas políticas de atendimento à mulher vítima de violência, que, segundo ela, estão perdendo a perspectiva feminista e de gênero. Graziela insistiu na necessidade de se especializar as equipes de atendimento e teme que o serviço se torne burocrático, sem a devida profundidade que as vítimas precisam. Maria Elisa dos Santos Braga, que também é assistente social, valorizou a perspectiva interdisciplinar, em que os atendimentos psicológico, social e jurídico devem caminhar juntos. Segundo ela, uma escuta qualificada e o estabelecimento de vínculo com a vítima fazem parte de um “trabalho lento, processual e de tempo para que os profissionais contribuam na superação da violência”. A professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Ana Flávia D’Oliveira, que atua principalmente com a violência de gênero e os serviços de saúde da mulher, defendeu a importância da “escuta qualificada do problema social, sem culpabilização, sem julgamento da mulher”. Redes de atendimento Segundo ela, há a necessidade de inserir a perspectiva de gênero em todas as redes de atendimento de saúde. “As redes de saúde deveriam encaminhar os casos de violência aos centros de referência”. Desse modo, as vítimas teriam o atendimento necessário e especializado, disse. A assistente social Natália Parizotto, que trabalhou na Casa Eliane de Grammont, deu um depoimento emocionado sobre um dos atendimentos que fez na casa. Segundo ela, recentemente recebeu um e-mail da mulher que atendeu. Na mensagem, ela dizia: “Aqui, em Porto Alegre, há alguns dias, uma moça foi mutilada por seu agressor. Ela teve as mãos e os pés cortados por facão. Os pés foram reimplantados, mas as mãos, não. Naquele momento, vi que isso poderia ter acontecido comigo. Eu, com a ajuda de vocês, consegui fugir”. A mulher dizia que estava se recuperando e que começava a “gostar da vida novamente” e agradeceu dizendo que jamais esqueceria do atendimento que recebeu na instituição. Natália disse que essa mulher, com nível superior, casada com um doutorando, por mais de um ano apanhou todas as semanas. Em função de casos como esse, a assistente social acha importante que se faça um atendimento contínuo, com vínculos de confiança, e que respeite o tempo da vítima para superar a situação. Camila Boehm – Repórter da Agência Brasil; Edição – Aécio Amado |
|||
Fonte: Agência Brasil
|