Há um ano, a estudante paquistanesa Malala Yousafzai foi atingida por um tiro na cabeça, disparado por um membro do Talebã. O “crime” dela foi ter defendido o direito das meninas a educação. O mundo reagiu com indignação, e Malala sobreviveu, após semanas em tratamento intensivo. A história completa de Malala pode agora ser contada. Malala Yousafzai teve a vida transformada pelo tiro que levou no do dia 9 de outubro de 2012, aos 15 anos. Hoje ela é a adolescente que marcou seu 16º aniversário com um discurso para o mundo na sede da ONU e é conhecida em internacionalmente por seu primeiro nome. É também uma estudante em Birmingham, na Grã-Bretanha, tentando se adaptar a uma nova escola, preocupando-se com deveres de casa e listas de leituras, enquanto sente falta de seus antigos amigos no Paquistão. ‘Suíça do Paquistão’A região do Vale do Swat, onde ela nasceu em 1997, já se orgulhou de ser conhecida como “a Suíça do Paquistão”. É uma região montanhosa, fresca no verão e com neve no inverno, com acesso fácil à capital, Islamabad. E em 1997 ainda estava em paz. Historicamente, o noroeste do país é uma das regiões menos desenvolvidas do Paquistão. Mas o Swat, curiosamente, há muito tempo é mais avançado em termos de educação. Até 1969, a região era um principado semiautônomo, com um governo chamado Wali. O primeiro de seus governantes foi Miangul Gulshahzada Sir Abdul Wadud, apontado por um conselho local em 1915. Apesar de não ter tido educação formal, ele estabeleceu as bases para uma rede de escolas no vale – a primeira escola primária para meninos apareceu em 1922, seguida alguns anos depois pela primeira escola para meninas. O padrão continuou com seu filho, Wali Miangul Abdul Haq Jahanzeb, que chegou ao poder em 1949 e criou escolas secundárias e faculdades, incluindo o Jahanzeb College, fundado em 1952, onde o pai de Malala, Ziauddin Yousafzai, estudaria muitos anos depois. Diante desse histórico, o destino que recaiu sobre as escolas do Swat nos primeiros anos do século 21 é particularmente trágico. Quando Malala nasceu, seu pai havia realizado o sonho de fundar sua própria escola, que começou com apenas alguns alunos e se transformou em um estabelecimento com mais de mil meninas e meninos. Grandes aspiraçõesNa escola é possível ver que a ausência de Malala é profundamente sentida. Do lado de fora de sua antiga classe, há um recorte de jornal a respeito dela. Dentro, sua melhor amiga, Moniba, escreveu o nome Malala em uma cadeira da primeira fila. Esse era o mundo de Malala – não de riqueza ou privilégios, mas uma atmosfera dominada pela educação. E ela cresceu uma jovem precoce, autoconfiante e assertiva. Nisso, ela não estava sozinha. Em sua antiga classe, o foco e a atenção são absolutos, com grandes aspirações. Muitas das meninas querem ser médicas, e uma delas diz querer um dia comandar o Exército do país. Parte da razão para essa motivação é que apenas empregos qualificados permitirão a essas meninas uma vida fora de seus lares. Enquanto meninos com pouca educação podem esperar encontrar trabalhos pouco qualificados, suas colegas do sexo feminino terão seu poder de ganhar dinheiro restrito ao que podem fazer dentro das quatro paredes de suas casas – talvez costura. “Para meus irmãos, era fácil pensar sobre o futuro”, diz Malala. “Eles podem ser o que quiserem. Mas para mim era mais difícil, e por isso queria me tornar educada e ganhar força com meu conhecimento.” Esse futuro ficou ameaçado quando os primeiros sinais da influência do Talebã apareceram, em meio a uma onda de sentimentos antiocidentais no Paquistão, nos anos imediatamente depois dos ataques de 11 de setembro de 2001 e a consequente invasão do vizinho Afeganistão, liderada pelos americanos. Como em outras partes do noroeste do Paquistão, o Swat sempre foi uma região devota e conservadora, mas o que estava acontecendo em 2007 era muito diferente – anúncios de rádio ameaçando punições no estilo da Sharia (a lei islâmica) para quem não seguisse as tradições muçulmanas locais. E que, de forma ameaçadora, lançavam normas contra a educação. Educação interrompidaO pior período foi ao final de 2008, quando o líder Talebã local, Mullah Fazlullah, emitiu uma advertência aterrorizante: toda a educação feminina deveria ser interrompida em um prazo de um mês, ou as escolas sofreriam consequências. Malala lembra bem daquele momento: “‘Como eles podem nos impedir de ir à escola?’, eu pensava. ‘É impossível, como eles podem fazer isso?'”. Mas Ziauddin Yousafzai e seu amigo Ahmad Shah, que administrava outra escola próxima, tinham que reconhecer isso como uma possibilidade real. O Talebã sempre cumpria suas ameaças. Os dois discutiram a situação com os comandantes militares locais. “Perguntei quanta segurança eles nos garantiriam”, lembra Shah. “Eles disseram: ‘Nós garantiremos a segurança, não fechem suas escolas’.” Mas era mais fácil falar do que fazer. Nessa época, Malala tinha apenas 11 anos, mas estava bem atenta a como as coisas estavam mudando. “As pessoas não precisam saber dessas coisas com 9, 10 ou 11 anos, mas nós estávamos testemunhando terrorismo e extremismo, então precisávamos estar atentas”, diz. Ela sabia que seu modo de vida estava ameaçado. Quando um jornalista do serviço em urdu da BBC perguntou ao seu pai sobre jovens que estariam dispostos a dar sua perspectiva sobre a vida sob a ameaça do Talebã, ele sugeriu Malala. O resultado foi o “Diário de uma Estudante Paquistanesa”, um blog publicado pela BBC Urdu, no qual Malala relatava sua esperança continuar frequentando a escola e os temores pelo futuro do Swat. ‘Defender os meus direitos’Ela viu o blog como uma oportunidade. “Eu queria defender meus direitos”, diz ela. “E também não queria que meu futuro fosse estar sentada entre quatro paredes, apenas cozinhando e dando à luz a filhos. Não queria ver minha vida daquele jeito.” O blog era anônimo, mas Malala também não tinha medo de falar em público sobre o direito à educação, como fez em fevereiro de 2009 para o apresentador de TV paquistanês Hamid Mir. “Fiquei surpreso de saber que havia uma menina no Swat que podia falar com grande confiança, que era muito corajosa e articulada”, diz Mir. “Mas ao mesmo tempo estava preocupado com sua segurança e com a segurança de sua família.” Naquela época, o pai de Malala parecia estar sob maior risco. Ativista social e educacional conhecido, ele sentia que o Talebã se moveria das áreas tribais do Paquistão para o Vale do Swat. A própria Malala estava preocupada com ele. “Eu pensava: ‘O que eu faria se um Talebã vier à minha casa? Vamos esconder meu pai em um armário e chamar a polícia'”, lembra. Ninguém pensava que o Talebã alvejaria uma criança. Houve, porém, incidentes notórios nos quais eles haviam atacado mulheres como exemplo. No começo de 2009, uma dançarina foi acusada de imoralidade e assassinada. Seu corpo foi colocado em praça pública no centro de Mingora. Pouco depois, houve um escândalo em todo o Paquistão após o aparecimento de um vídeo de Swat que mostrava o Talebã chicoteando uma menina de 17 anos acusada de “relações ilícitas” com um homem. ‘Voz mais poderosa’Ziauddin Yousafzai sabia que a notoriedade de Malala no vale a colocava em risco, mesmo não podendo prever o que aconteceria. “A voz de Malala era a mais poderosa no Swat porque a maior vítima do Talebã eram as meninas estudantes e a educação das garotas, e poucas pessoas falavam sobre isso”, ele diz. “Quando ela falava sobre educação, todo mundo prestava atenção.” Quando Malala foi alvejada, em 2012, os piores dias do poder do Talebã sobre o Swat já tinham ficado para trás. Uma grande operação militar havia expulsado da região da maioria dos militantes, mas alguns permaneceram, discretamente. “A vida era normal para as pessoas normais, mas para aqueles que levantaram suas vozes, era um período arriscado”, diz Malala. Ela era uma dessas pessoas. Na tarde do dia 9 de outubro, ela deixou a escola, como sempre fazia, e subiu em um pequeno ônibus escolar. Era um trajeto curto até sua casa, mas sua mãe insistia para que ela fosse de ônibus ou de carro por segurança. No caminho de volta, Malala notou algo diferente. “Perguntei a Moniba: ‘Por que não há ninguém na rua?'” Instantes mais tarde, ainda a poucos metros do colégio, dois jovens entraram no ônibus. Segundo Moniba, eles pareciam estudantes. Um deles perguntou, em voz alta, ‘Quem é Malala?’. Inicialmente, pensou-se que eram jornalistas, atrás da conhecida estudante. Mas Malala sentiu o perigo. “Ela ficou muito assustada”, Moniba lembra. As outras meninas no ônibus olharam para Malala, inocentemente identificando-a. Começaram os disparos. As meninas sentadas no lado oposto ao de Malala, Shazia Ramzan e Kainat Riaz, também seriam feridas. Ao ver Malala ensanguentada na cabeça, Moniba desmaiou. Passaram-se 10 minutos até que o socorro chegasse. As quatro foram levadas, três delas feridas. ‘Orgulho de você’Ao saber do atentado, o pai de Malala correu para o hospital, onde encontrou a filha em uma maca. “Quando olhei para a face dela, desabei, beijei a testa dela, o nariz, as bochechas”, ele conta. “E aí eu disse, ‘Você é minha orgulhosa filha, e eu tenho orgulho de você.” Baleada na cabeça, Malala corria alto risco. Um helicóptero a levou para o hospital militar de Peshawar, o melhor da região. Sem esperança, Ziauddin Yousafzai preparava-se para o pior e ligava para parentes, para que começassem a organizar o funeral. “Foi o momento mais difícil da minha vida.” “Ela estava inicialmente consciente, mas muito agitada”, lembra o neurocirurgião coronel Junaid Khan, que a atendeu, já na unidade militar. A bala havia entrado sobre a sobrancelha esquerda e se alojado no fundo do crânio. Depois de algumas horas, as condições da menina se deterioraram muito. Uma tomografia mostrou inchaço no cérebro e necessidade de uma cirurgia urgente. A parte do cérebro envolvida é a que responde pela fala e por movimentos de pernas e braços. O crânio foi aberto e a cirurgia entrou em curso. Até aquele momento, Khan conta, ele não tinha ouvido falar de Malala. Mas a chegada de hordas de jornalistas e equipes de TV deu a dimensão da revolta com o caso no Paquistão e no resto do mundo. Havia a sensação de que, se o Talebã fez isso com uma menina, poderia fazer com qualquer um. Depois da operação, o progresso da menina era acompanhado no mundo todo. O chefe das forças armadas locais, general Ashfaq Kayani, seguia de perto os informes sobre as condições da menina. E pediu uma opinião a mais sobre o estado dela e as chances de recuperação. Um grupo de médicos de Birmingham, Inglaterra, que estava no Paquistão para aconselhar o Exército em um programa de transplante de fígado, foi chamado a opinar. Dada a idade de Malala, a pediatra e especialista em terapia intensiva Fiona Reynolds foi a escolha óbvia. “Achei que ela poderia sobreviver, mas era difícil saber em que condições neurológicas, porque ela ficou muito mal”, diz a médica. Quando o quadro de Malala se estabilizou novamente, Reynolds foi chamada a dar nova opinião. “Eu disse que se os militares e o governo paquistaneses tinham interesse em otimizar a recuperação dela, tudo que era necessário estava disponível em Birmingham.” No dia 15 de outubro de 2012, Malala chegou ao hospital Queen Elizabeth, em Birmingham, onde ficaria nos meses seguintes. Ela foi mantida em coma induzido. Quando foi despertada, a última memória que tinha era de estar no ônibus escolar em Swat. “Abri meus olhos e a primeira coisa que vi foi que estava em um hospital, cercada por médicos”, ela conta. “Agradeci a Deus – Oh, Alá, obrigada por ter me dado um a nova vida. Estou viva!” Parte da razão para essa motivação é que apenas empregos qualificados permitirão a essas meninas uma vida fora de seus lares. Enquanto meninos com pouca educação podem esperar encontrar trabalhos pouco qualificados, suas colegas do sexo feminino terão seu poder de ganhar dinheiro restrito ao que podem fazer dentro das quatro paredes de suas casas – talvez costura. “Para meus irmãos, era fácil pensar sobre o futuro”, diz Malala. “Eles podem ser o que quiserem. Mas para mim era mais difícil, e por isso queria me tornar educada e ganhar força com meu conhecimento.” Esse futuro ficou ameaçado quando os primeiros sinais da influência do Talebã apareceram, em meio a uma onda de sentimentos antiocidentais no Paquistão, nos anos imediatamente depois dos ataques de 11 de setembro de 2001 e a consequente invasão do vizinho Afeganistão, liderada pelos americanos. Como em outras partes do noroeste do Paquistão, o Swat sempre foi uma região devota e conservadora, mas o que estava acontecendo em 2007 era muito diferente – anúncios de rádio ameaçando punições no estilo da Sharia (a lei islâmica) para quem não seguisse as tradições muçulmanas locais. E que, de forma ameaçadora, lançavam normas contra a educação. Educação interrompidaO pior período foi ao final de 2008, quando o líder Talebã local, Mullah Fazlullah, emitiu uma advertência aterrorizante: toda a educação feminina deveria ser interrompida em um prazo de um mês, ou as escolas sofreriam consequências. Malala lembra bem daquele momento: “‘Como eles podem nos impedir de ir à escola?’, eu pensava. ‘É impossível, como eles podem fazer isso?'”. Mas Ziauddin Yousafzai e seu amigo Ahmad Shah, que administrava outra escola próxima, tinham que reconhecer isso como uma possibilidade real. O Talebã sempre cumpria suas ameaças. Os dois discutiram a situação com os comandantes militares locais. “Perguntei quanta segurança eles nos garantiriam”, lembra Shah. “Eles disseram: ‘Nós garantiremos a segurança, não fechem suas escolas’.” Mas era mais fácil falar do que fazer. Nessa época, Malala tinha apenas 11 anos, mas estava bem atenta a como as coisas estavam mudando. “As pessoas não precisam saber dessas coisas com 9, 10 ou 11 anos, mas nós estávamos testemunhando terrorismo e extremismo, então precisávamos estar atentas”, diz. Ela sabia que seu modo de vida estava ameaçado. Quando um jornalista do serviço em urdu da BBC perguntou ao seu pai sobre jovens que estariam dispostos a dar sua perspectiva sobre a vida sob a ameaça do Talebã, ele sugeriu Malala. O resultado foi o “Diário de uma Estudante Paquistanesa”, um blog publicado pela BBC Urdu, no qual Malala relatava sua esperança continuar frequentando a escola e os temores pelo futuro do Swat. ‘Defender os meus direitos’Ela viu o blog como uma oportunidade. “Eu queria defender meus direitos”, diz ela. “E também não queria que meu futuro fosse estar sentada entre quatro paredes, apenas cozinhando e dando à luz a filhos. Não queria ver minha vida daquele jeito.” O blog era anônimo, mas Malala também não tinha medo de falar em público sobre o direito à educação, como fez em fevereiro de 2009 para o apresentador de TV paquistanês Hamid Mir. “Fiquei surpreso de saber que havia uma menina no Swat que podia falar com grande confiança, que era muito corajosa e articulada”, diz Mir. “Mas ao mesmo tempo estava preocupado com sua segurança e com a segurança de sua família.” Naquela época, o pai de Malala parecia estar sob maior risco. Ativista social e educacional conhecido, ele sentia que o Talebã se moveria das áreas tribais do Paquistão para o Vale do Swat. A própria Malala estava preocupada com ele. “Eu pensava: ‘O que eu faria se um Talebã vier à minha casa? Vamos esconder meu pai em um armário e chamar a polícia'”, lembra. Ninguém pensava que o Talebã alvejaria uma criança. Houve, porém, incidentes notórios nos quais eles haviam atacado mulheres como exemplo. No começo de 2009, uma dançarina foi acusada de imoralidade e assassinada. Seu corpo foi colocado em praça pública no centro de Mingora. Pouco depois, houve um escândalo em todo o Paquistão após o aparecimento de um vídeo de Swat que mostrava o Talebã chicoteando uma menina de 17 anos acusada de “relações ilícitas” com um homem. ‘Voz mais poderosa’Ziauddin Yousafzai sabia que a notoriedade de Malala no vale a colocava em risco, mesmo não podendo prever o que aconteceria. “A voz de Malala era a mais poderosa no Swat porque a maior vítima do Talebã eram as meninas estudantes e a educação das garotas, e poucas pessoas falavam sobre isso”, ele diz. “Quando ela falava sobre educação, todo mundo prestava atenção.” Quando Malala foi alvejada, em 2012, os piores dias do poder do Talebã sobre o Swat já tinham ficado para trás. Uma grande operação militar havia expulsado da região da maioria dos militantes, mas alguns permaneceram, discretamente. “A vida era normal para as pessoas normais, mas para aqueles que levantaram suas vozes, era um período arriscado”, diz Malala. Ela era uma dessas pessoas. Na tarde do dia 9 de outubro, ela deixou a escola, como sempre fazia, e subiu em um pequeno ônibus escolar. Era um trajeto curto até sua casa, mas sua mãe insistia para que ela fosse de ônibus ou de carro por segurança. No caminho de volta, Malala notou algo diferente. “Perguntei a Moniba: ‘Por que não há ninguém na rua?'” Instantes mais tarde, ainda a poucos metros do colégio, dois jovens entraram no ônibus. Segundo Moniba, eles pareciam estudantes. Um deles perguntou, em voz alta, ‘Quem é Malala?’. Inicialmente, pensou-se que eram jornalistas, atrás da conhecida estudante. Mas Malala sentiu o perigo. “Ela ficou muito assustada”, Moniba lembra. As outras meninas no ônibus olharam para Malala, inocentemente identificando-a. Começaram os disparos. As meninas sentadas no lado oposto ao de Malala, Shazia Ramzan e Kainat Riaz, também seriam feridas. Ao ver Malala ensanguentada na cabeça, Moniba desmaiou. Passaram-se 10 minutos até que o socorro chegasse. As quatro foram levadas, três delas feridas. ‘Orgulho de você’Ao saber do atentado, o pai de Malala correu para o hospital, onde encontrou a filha em uma maca. “Quando olhei para a face dela, desabei, beijei a testa dela, o nariz, as bochechas”, ele conta. “E aí eu disse, ‘Você é minha orgulhosa filha, e eu tenho orgulho de você.” Baleada na cabeça, Malala corria alto risco. Um helicóptero a levou para o hospital militar de Peshawar, o melhor da região. Sem esperança, Ziauddin Yousafzai preparava-se para o pior e ligava para parentes, para que começassem a organizar o funeral. “Foi o momento mais difícil da minha vida.” “Ela estava inicialmente consciente, mas muito agitada”, lembra o neurocirurgião coronel Junaid Khan, que a atendeu, já na unidade militar. A bala havia entrado sobre a sobrancelha esquerda e se alojado no fundo do crânio. Depois de algumas horas, as condições da menina se deterioraram muito. Uma tomografia mostrou inchaço no cérebro e necessidade de uma cirurgia urgente. A parte do cérebro envolvida é a que responde pela fala e por movimentos de pernas e braços. O crânio foi aberto e a cirurgia entrou em curso. Até aquele momento, Khan conta, ele não tinha ouvido falar de Malala. Mas a chegada de hordas de jornalistas e equipes de TV deu a dimensão da revolta com o caso no Paquistão e no resto do mundo. Havia a sensação de que, se o Talebã fez isso com uma menina, poderia fazer com qualquer um. Depois da operação, o progresso da menina era acompanhado no mundo todo. O chefe das forças armadas locais, general Ashfaq Kayani, seguia de perto os informes sobre as condições da menina. E pediu uma opinião a mais sobre o estado dela e as chances de recuperação. Um grupo de médicos de Birmingham, Inglaterra, que estava no Paquistão para aconselhar o Exército em um programa de transplante de fígado, foi chamado a opinar. Dada a idade de Malala, a pediatra e especialista em terapia intensiva Fiona Reynolds foi a escolha óbvia. “Achei que ela poderia sobreviver, mas era difícil saber em que condições neurológicas, porque ela ficou muito mal”, diz a médica. Quando o quadro de Malala se estabilizou novamente, Reynolds foi chamada a dar nova opinião. “Eu disse que se os militares e o governo paquistaneses tinham interesse em otimizar a recuperação dela, tudo que era necessário estava disponível em Birmingham.” No dia 15 de outubro de 2012, Malala chegou ao hospital Queen Elizabeth, em Birmingham, onde ficaria nos meses seguintes. Ela foi mantida em coma induzido. Quando foi despertada, a última memória que tinha era de estar no ônibus escolar em Swat. “Abri meus olhos e a primeira coisa que vi foi que estava em um hospital, cercada por médicos”, ela conta. “Agradeci a Deus – Oh, Alá, obrigada por ter me dado um a nova vida. Estou viva!” Parte da razão para essa motivação é que apenas empregos qualificados permitirão a essas meninas uma vida fora de seus lares. Enquanto meninos com pouca educação podem esperar encontrar trabalhos pouco qualificados, suas colegas do sexo feminino terão seu poder de ganhar dinheiro restrito ao que podem fazer dentro das quatro paredes de suas casas – talvez costura. “Para meus irmãos, era fácil pensar sobre o futuro”, diz Malala. “Eles podem ser o que quiserem. Mas para mim era mais difícil, e por isso queria me tornar educada e ganhar força com meu conhecimento.” Esse futuro ficou ameaçado quando os primeiros sinais da influência do Talebã apareceram, em meio a uma onda de sentimentos antiocidentais no Paquistão, nos anos imediatamente depois dos ataques de 11 de setembro de 2001 e a consequente invasão do vizinho Afeganistão, liderada pelos americanos. Como em outras partes do noroeste do Paquistão, o Swat sempre foi uma região devota e conservadora, mas o que estava acontecendo em 2007 era muito diferente – anúncios de rádio ameaçando punições no estilo da Sharia (a lei islâmica) para quem não seguisse as tradições muçulmanas locais. E que, de forma ameaçadora, lançavam normas contra a educação. Educação interrompidaO pior período foi ao final de 2008, quando o líder Talebã local, Mullah Fazlullah, emitiu uma advertência aterrorizante: toda a educação feminina deveria ser interrompida em um prazo de um mês, ou as escolas sofreriam consequências. Malala lembra bem daquele momento: “‘Como eles podem nos impedir de ir à escola?’, eu pensava. ‘É impossível, como eles podem fazer isso?'”. Mas Ziauddin Yousafzai e seu amigo Ahmad Shah, que administrava outra escola próxima, tinham que reconhecer isso como uma possibilidade real. O Talebã sempre cumpria suas ameaças. Os dois discutiram a situação com os comandantes militares locais. “Perguntei quanta segurança eles nos garantiriam”, lembra Shah. “Eles disseram: ‘Nós garantiremos a segurança, não fechem suas escolas’.” Mas era mais fácil falar do que fazer. Nessa época, Malala tinha apenas 11 anos, mas estava bem atenta a como as coisas estavam mudando. “As pessoas não precisam saber dessas coisas com 9, 10 ou 11 anos, mas nós estávamos testemunhando terrorismo e extremismo, então precisávamos estar atentas”, diz. Ela sabia que seu modo de vida estava ameaçado. Quando um jornalista do serviço em urdu da BBC perguntou ao seu pai sobre jovens que estariam dispostos a dar sua perspectiva sobre a vida sob a ameaça do Talebã, ele sugeriu Malala. O resultado foi o “Diário de uma Estudante Paquistanesa”, um blog publicado pela BBC Urdu, no qual Malala relatava sua esperança continuar frequentando a escola e os temores pelo futuro do Swat. ‘Defender os meus direitos’Ela viu o blog como uma oportunidade. “Eu queria defender meus direitos”, diz ela. “E também não queria que meu futuro fosse estar sentada entre quatro paredes, apenas cozinhando e dando à luz a filhos. Não queria ver minha vida daquele jeito.” O blog era anônimo, mas Malala também não tinha medo de falar em público sobre o direito à educação, como fez em fevereiro de 2009 para o apresentador de TV paquistanês Hamid Mir. “Fiquei surpreso de saber que havia uma menina no Swat que podia falar com grande confiança, que era muito corajosa e articulada”, diz Mir. “Mas ao mesmo tempo estava preocupado com sua segurança e com a segurança de sua família.” Naquela época, o pai de Malala parecia estar sob maior risco. Ativista social e educacional conhecido, ele sentia que o Talebã se moveria das áreas tribais do Paquistão para o Vale do Swat. A própria Malala estava preocupada com ele. “Eu pensava: ‘O que eu faria se um Talebã vier à minha casa? Vamos esconder meu pai em um armário e chamar a polícia'”, lembra. Ninguém pensava que o Talebã alvejaria uma criança. Houve, porém, incidentes notórios nos quais eles haviam atacado mulheres como exemplo. No começo de 2009, uma dançarina foi acusada de imoralidade e assassinada. Seu corpo foi colocado em praça pública no centro de Mingora. Pouco depois, houve um escândalo em todo o Paquistão após o aparecimento de um vídeo de Swat que mostrava o Talebã chicoteando uma menina de 17 anos acusada de “relações ilícitas” com um homem. ‘Voz mais poderosa’Ziauddin Yousafzai sabia que a notoriedade de Malala no vale a colocava em risco, mesmo não podendo prever o que aconteceria. “A voz de Malala era a mais poderosa no Swat porque a maior vítima do Talebã eram as meninas estudantes e a educação das garotas, e poucas pessoas falavam sobre isso”, ele diz. “Quando ela falava sobre educação, todo mundo prestava atenção.” Quando Malala foi alvejada, em 2012, os piores dias do poder do Talebã sobre o Swat já tinham ficado para trás. Uma grande operação militar havia expulsado da região da maioria dos militantes, mas alguns permaneceram, discretamente. “A vida era normal para as pessoas normais, mas para aqueles que levantaram suas vozes, era um período arriscado”, diz Malala. Ela era uma dessas pessoas. Na tarde do dia 9 de outubro, ela deixou a escola, como sempre fazia, e subiu em um pequeno ônibus escolar. Era um trajeto curto até sua casa, mas sua mãe insistia para que ela fosse de ônibus ou de carro por segurança. No caminho de volta, Malala notou algo diferente. “Perguntei a Moniba: ‘Por que não há ninguém na rua?'” Instantes mais tarde, ainda a poucos metros do colégio, dois jovens entraram no ônibus. Segundo Moniba, eles pareciam estudantes. Um deles perguntou, em voz alta, ‘Quem é Malala?’. Inicialmente, pensou-se que eram jornalistas, atrás da conhecida estudante. Mas Malala sentiu o perigo. “Ela ficou muito assustada”, Moniba lembra. As outras meninas no ônibus olharam para Malala, inocentemente identificando-a. Começaram os disparos. As meninas sentadas no lado oposto ao de Malala, Shazia Ramzan e Kainat Riaz, também seriam feridas. Ao ver Malala ensanguentada na cabeça, Moniba desmaiou. Passaram-se 10 minutos até que o socorro chegasse. As quatro foram levadas, três delas feridas. ‘Orgulho de você’Ao saber do atentado, o pai de Malala correu para o hospital, onde encontrou a filha em uma maca. “Quando olhei para a face dela, desabei, beijei a testa dela, o nariz, as bochechas”, ele conta. “E aí eu disse, ‘Você é minha orgulhosa filha, e eu tenho orgulho de você.” Baleada na cabeça, Malala corria alto risco. Um helicóptero a levou para o hospital militar de Peshawar, o melhor da região. Sem esperança, Ziauddin Yousafzai preparava-se para o pior e ligava para parentes, para que começassem a organizar o funeral. “Foi o momento mais difícil da minha vida.” “Ela estava inicialmente consciente, mas muito agitada”, lembra o neurocirurgião coronel Junaid Khan, que a atendeu, já na unidade militar. A bala havia entrado sobre a sobrancelha esquerda e se alojado no fundo do crânio. Depois de algumas horas, as condições da menina se deterioraram muito. Uma tomografia mostrou inchaço no cérebro e necessidade de uma cirurgia urgente. A parte do cérebro envolvida é a que responde pela fala e por movimentos de pernas e braços. O crânio foi aberto e a cirurgia entrou em curso. Até aquele momento, Khan conta, ele não tinha ouvido falar de Malala. Mas a chegada de hordas de jornalistas e equipes de TV deu a dimensão da revolta com o caso no Paquistão e no resto do mundo. Havia a sensação de que, se o Talebã fez isso com uma menina, poderia fazer com qualquer um. Depois da operação, o progresso da menina era acompanhado no mundo todo. O chefe das forças armadas locais, general Ashfaq Kayani, seguia de perto os informes sobre as condições da menina. E pediu uma opinião a mais sobre o estado dela e as chances de recuperação. Um grupo de médicos de Birmingham, Inglaterra, que estava no Paquistão para aconselhar o Exército em um programa de transplante de fígado, foi chamado a opinar. Dada a idade de Malala, a pediatra e especialista em terapia intensiva Fiona Reynolds foi a escolha óbvia. “Achei que ela poderia sobreviver, mas era difícil saber em que condições neurológicas, porque ela ficou muito mal”, diz a médica. Quando o quadro de Malala se estabilizou novamente, Reynolds foi chamada a dar nova opinião. “Eu disse que se os militares e o governo paquistaneses tinham interesse em otimizar a recuperação dela, tudo que era necessário estava disponível em Birmingham.” No dia 15 de outubro de 2012, Malala chegou ao hospital Queen Elizabeth, em Birmingham, onde ficaria nos meses seguintes. Ela foi mantida em coma induzido. Quando foi despertada, a última memória que tinha era de estar no ônibus escolar em Swat. “Abri meus olhos e a primeira coisa que vi foi que estava em um hospital, cercada por médicos”, ela conta. “Agradeci a Deus – Oh, Alá, obrigada por ter me dado um a nova vida. Estou viva!” Parte da razão para essa motivação é que apenas empregos qualificados permitirão a essas meninas uma vida fora de seus lares. Enquanto meninos com pouca educação podem esperar encontrar trabalhos pouco qualificados, suas colegas do sexo feminino terão seu poder de ganhar dinheiro restrito ao que podem fazer dentro das quatro paredes de suas casas – talvez costura. “Para meus irmãos, era fácil pensar sobre o futuro”, diz Malala. “Eles podem ser o que quiserem. Mas para mim era mais difícil, e por isso queria me tornar educada e ganhar força com meu conhecimento.” Esse futuro ficou ameaçado quando os primeiros sinais da influência do Talebã apareceram, em meio a uma onda de sentimentos antiocidentais no Paquistão, nos anos imediatamente depois dos ataques de 11 de setembro de 2001 e a consequente invasão do vizinho Afeganistão, liderada pelos americanos. Como em outras partes do noroeste do Paquistão, o Swat sempre foi uma região devota e conservadora, mas o que estava acontecendo em 2007 era muito diferente – anúncios de rádio ameaçando punições no estilo da Sharia (a lei islâmica) para quem não seguisse as tradições muçulmanas locais. E que, de forma ameaçadora, lançavam normas contra a educação. Educação interrompidaO pior período foi ao final de 2008, quando o líder Talebã local, Mullah Fazlullah, emitiu uma advertência aterrorizante: toda a educação feminina deveria ser interrompida em um prazo de um mês, ou as escolas sofreriam consequências. Malala lembra bem daquele momento: “‘Como eles podem nos impedir de ir à escola?’, eu pensava. ‘É impossível, como eles podem fazer isso?'”. Mas Ziauddin Yousafzai e seu amigo Ahmad Shah, que administrava outra escola próxima, tinham que reconhecer isso como uma possibilidade real. O Talebã sempre cumpria suas ameaças. Os dois discutiram a situação com os comandantes militares locais. “Perguntei quanta segurança eles nos garantiriam”, lembra Shah. “Eles disseram: ‘Nós garantiremos a segurança, não fechem suas escolas’.” Mas era mais fácil falar do que fazer. Nessa época, Malala tinha apenas 11 anos, mas estava bem atenta a como as coisas estavam mudando. “As pessoas não precisam saber dessas coisas com 9, 10 ou 11 anos, mas nós estávamos testemunhando terrorismo e extremismo, então precisávamos estar atentas”, diz. Ela sabia que seu modo de vida estava ameaçado. Quando um jornalista do serviço em urdu da BBC perguntou ao seu pai sobre jovens que estariam dispostos a dar sua perspectiva sobre a vida sob a ameaça do Talebã, ele sugeriu Malala. O resultado foi o “Diário de uma Estudante Paquistanesa”, um blog publicado pela BBC Urdu, no qual Malala relatava sua esperança continuar frequentando a escola e os temores pelo futuro do Swat. ‘Defender os meus direitos’Ela viu o blog como uma oportunidade. “Eu queria defender meus direitos”, diz ela. “E também não queria que meu futuro fosse estar sentada entre quatro paredes, apenas cozinhando e dando à luz a filhos. Não queria ver minha vida daquele jeito.” O blog era anônimo, mas Malala também não tinha medo de falar em público sobre o direito à educação, como fez em fevereiro de 2009 para o apresentador de TV paquistanês Hamid Mir. “Fiquei surpreso de saber que havia uma menina no Swat que podia falar com grande confiança, que era muito corajosa e articulada”, diz Mir. “Mas ao mesmo tempo estava preocupado com sua segurança e com a segurança de sua família.” Naquela época, o pai de Malala parecia estar sob maior risco. Ativista social e educacional conhecido, ele sentia que o Talebã se moveria das áreas tribais do Paquistão para o Vale do Swat. A própria Malala estava preocupada com ele. “Eu pensava: ‘O que eu faria se um Talebã vier à minha casa? Vamos esconder meu pai em um armário e chamar a polícia'”, lembra. Ninguém pensava que o Talebã alvejaria uma criança. Houve, porém, incidentes notórios nos quais eles haviam atacado mulheres como exemplo. No começo de 2009, uma dançarina foi acusada de imoralidade e assassinada. Seu corpo foi colocado em praça pública no centro de Mingora. Pouco depois, houve um escândalo em todo o Paquistão após o aparecimento de um vídeo de Swat que mostrava o Talebã chicoteando uma menina de 17 anos acusada de “relações ilícitas” com um homem. ‘Voz mais poderosa’Ziauddin Yousafzai sabia que a notoriedade de Malala no vale a colocava em risco, mesmo não podendo prever o que aconteceria. “A voz de Malala era a mais poderosa no Swat porque a maior vítima do Talebã eram as meninas estudantes e a educação das garotas, e poucas pessoas falavam sobre isso”, ele diz. “Quando ela falava sobre educação, todo mundo prestava atenção.” Quando Malala foi alvejada, em 2012, os piores dias do poder do Talebã sobre o Swat já tinham ficado para trás. Uma grande operação militar havia expulsado da região da maioria dos militantes, mas alguns permaneceram, discretamente. “A vida era normal para as pessoas normais, mas para aqueles que levantaram suas vozes, era um período arriscado”, diz Malala. Ela era uma dessas pessoas. Na tarde do dia 9 de outubro, ela deixou a escola, como sempre fazia, e subiu em um pequeno ônibus escolar. Era um trajeto curto até sua casa, mas sua mãe insistia para que ela fosse de ônibus ou de carro por segurança. No caminho de volta, Malala notou algo diferente. “Perguntei a Moniba: ‘Por que não há ninguém na rua?'” Instantes mais tarde, ainda a poucos metros do colégio, dois jovens entraram no ônibus. Segundo Moniba, eles pareciam estudantes. Um deles perguntou, em voz alta, ‘Quem é Malala?’. Inicialmente, pensou-se que eram jornalistas, atrás da conhecida estudante. Mas Malala sentiu o perigo. “Ela ficou muito assustada”, Moniba lembra. As outras meninas no ônibus olharam para Malala, inocentemente identificando-a. Começaram os disparos. As meninas sentadas no lado oposto ao de Malala, Shazia Ramzan e Kainat Riaz, também seriam feridas. Ao ver Malala ensanguentada na cabeça, Moniba desmaiou. Passaram-se 10 minutos até que o socorro chegasse. As quatro foram levadas, três delas feridas. ‘Orgulho de você’Ao saber do atentado, o pai de Malala correu para o hospital, onde encontrou a filha em uma maca. “Quando olhei para a face dela, desabei, beijei a testa dela, o nariz, as bochechas”, ele conta. “E aí eu disse, ‘Você é minha orgulhosa filha, e eu tenho orgulho de você.” Baleada na cabeça, Malala corria alto risco. Um helicóptero a levou para o hospital militar de Peshawar, o melhor da região. Sem esperança, Ziauddin Yousafzai preparava-se para o pior e ligava para parentes, para que começassem a organizar o funeral. “Foi o momento mais difícil da minha vida.” “Ela estava inicialmente consciente, mas muito agitada”, lembra o neurocirurgião coronel Junaid Khan, que a atendeu, já na unidade militar. A bala havia entrado sobre a sobrancelha esquerda e se alojado no fundo do crânio. Depois de algumas horas, as condições da menina se deterioraram muito. Uma tomografia mostrou inchaço no cérebro e necessidade de uma cirurgia urgente. A parte do cérebro envolvida é a que responde pela fala e por movimentos de pernas e braços. O crânio foi aberto e a cirurgia entrou em curso. Até aquele momento, Khan conta, ele não tinha ouvido falar de Malala. Mas a chegada de hordas de jornalistas e equipes de TV deu a dimensão da revolta com o caso no Paquistão e no resto do mundo. Havia a sensação de que, se o Talebã fez isso com uma menina, poderia fazer com qualquer um. Depois da operação, o progresso da menina era acompanhado no mundo todo. O chefe das forças armadas locais, general Ashfaq Kayani, seguia de perto os informes sobre as condições da menina. E pediu uma opinião a mais sobre o estado dela e as chances de recuperação. Um grupo de médicos de Birmingham, Inglaterra, que estava no Paquistão para aconselhar o Exército em um programa de transplante de fígado, foi chamado a opinar. Dada a idade de Malala, a pediatra e especialista em terapia intensiva Fiona Reynolds foi a escolha óbvia. “Achei que ela poderia sobreviver, mas era difícil saber em que condições neurológicas, porque ela ficou muito mal”, diz a médica. Quando o quadro de Malala se estabilizou novamente, Reynolds foi chamada a dar nova opinião. “Eu disse que se os militares e o governo paquistaneses tinham interesse em otimizar a recuperação dela, tudo que era necessário estava disponível em Birmingham.” No dia 15 de outubro de 2012, Malala chegou ao hospital Queen Elizabeth, em Birmingham, onde ficaria nos meses seguintes. Ela foi mantida em coma induzido. Quando foi despertada, a última memória que tinha era de estar no ônibus escolar em Swat. “Abri meus olhos e a primeira coisa que vi foi que estava em um hospital, cercada por médicos”, ela conta. “Agradeci a Deus – Oh, Alá, obrigada por ter me dado um a nova vida. Estou viva!” Pai e País Entubada, sem poder falar, Malala sinalizou que queria escrever. Mas sem condições de segurar uma caneta, recebeu um quadro com o alfabeto. A primeira palavra que a jovem escreveu foi “país”. Um dos médicos respondeu que ela estava na Inglaterra. Depois, ela apontou para a sequência de letras que formavam a palavra “pai”. E ficou sabendo que Ziauddin Yousafzai ainda estava no Paquistão, mas que chegaria em breve. Mais “conversas” ocorreram nas horas seguintes. A doutora Fiona Reynolds levou para a menina um caderno rosa que viraria uma espécie de símbolo da recuperação de Malala. “Quem fez isso comigo?”, pergunta Malala em uma das páginas do caderno. O fato de a menina poder articular perguntas foi um alívio para os médicos. “Eu esperava que as habilidades cognitivas dela ainda estivessem lá. Esperava que ela não tivesse perdido a capacidade de falar. E lembrem que ela estava falando na terceira língua dela, o inglês (Malala fala ainda pashtu e urdu). Então aquela parte do cérebro ficou intacta”, lembra a médica. A partir daquele momento, Malala teria uma recuperação surpreendente – um tributo às condições de tratamento a que teve acesso, mas, acima de tudo, dizem os médicos, à determinação da menina. Malala ainda passaria por uma cirurgia de 10 horas para corrigir um nervo da face – que provocava paralisia em seu rosto e a impedia de sorrir – e uma outra para restaurar parte do crânio com uma placa de titânio e reconstituir o ouvido danificado pela bala. ‘Um livro e uma caneta podem mudar o mundo’No dia 12 de julho, nove meses depois do disparo, viria a maior conquista. Malala chegaria à Assembleia da ONU para discursar. Era o dia do 16º aniversário dela. “Uma criança, um professor, um livro e uma caneta podem mudar o mundo”, ela disse a 400 jovens na assembleia. Ziauddin Yousafzai crê que o discurso da filha foi um ataque contra as percepções negativas em relação a pashtuns, paquistaneses e muçulmanos. “Ela estava dizendo ao mundo: nós não somos terroristas, nos somos pacíficos, nós amamos educação.” Agora até especula-se se Malala deveria receber o Prêmio Nobel da Paz. A menina de Swat se tornou conhecida globalmente, mas ela ainda acredita que deve voltar ao Paquistão. Poucos recomendariam que ela o fizesse tão cedo. Ainda há temores de segurança, já que ela atrai muita atenção. Mas Malala não parece disposta a se esconder. “Eles (os críticos) têm o direito de expressar o que sentem, e é meu direito dizer o que quero. Quero fazer algo pela educação, este é meu único desejo”. E quando questionada sobre o que os militantes do Talibã conseguiram no dia em que dispararam contra ela, Malala sorri. “Acho que eles devem ter se arrependido. Agora, sou ouvida no mundo inteiro.” |
Fonte: BBC Brasil
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