Desde 2018, a Uber firmou um compromisso público de enfrentamento à violência contra a mulher. Desde então, a empresa busca fazer parte da solução dessa questão ao promover diversas iniciativas que envolvem parcerias com organizações não governamentais, projetos de educação e ferramentas tecnológicas voltadas para os motoristas parceiros e usuários da plataforma, além de um trabalho interno focado na segurança e bem-estar das funcionárias.
As informações trazidas pela terceira edição da pesquisa de vitimização do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, de 2021, além de relatórios de anos anteriores divulgados pela organização, reforçam a relevância de se debater a violência contra a mulher em diferentes contextos, bem como entender os fatores que a intensificam e que podem ajudar a reduzi-la.
Mesmo com todas as ações de enfrentamento à violência contra a mulher, a Uber tem encontrado problemas em conscientizar motoristas que fazem parte do app. Recentemente, a Justiça de Goiás condenou a empresa de transporte por aplicativo a pagar R$ 7 mil de indenização a uma passageira após o motorista cobrar a mais pelo valor da corrida e ter encaminhado mensagem sexual a ela, em Goiânia.
Em nota, a Uber informou que repudia qualquer tipo de comportamento abusivo contra mulheres e acredita na importância de combater casos de assédio e violência. Informou ainda que o comportamento viola o código de conduta da empresa e que a conta do motorista foi desativada.
Violência sexual contra mulher
O caso aconteceu em novembro de 2019. Conforme a decisão do juiz Leonys Lopes Campos da Silva, a mulher denunciou que após o motorista cobrar um valor a mais do que o determinado pelo aplicativo, mandou mensagem pedindo sexo oral à ela, o que configurou danos morais. Os valores da corrida e o cobrado pelo homem não foram informados.
Segundo a sentença, a empresa tem a obrigação de responder pela ação do motorista e não apresentou provas de que o prestador de serviço tratou a passageira com o devido respeito.
A passageira que recebeu as mensagens com pedido de sexo oral ainda está insegura, segundo o advogado dela Matheus Azevedo de Castro Bonfá. Ele disse que a cliente, uma estudante de 21 anos, não tem carro e, por isso, continua a usar serviços de transporte, mas com receio de ser assediada novamente.
“Essas situações são bastante traumáticas e afetam muito o psicológico de uma pessoa, ainda mais no caso dela, que era bastante jovem. Minha cliente ainda utilizada esses serviços, embora com receio.” Matheus Azevedo
Motorista agride mulher
Outro caso aconteceu com uma moradora de Águas Claras (GO), que foi agredida por um motorista da plataforma Uber, em dezembro de 2020. A bancária Geraldina Araújo, de 29 anos, havia solicitado a corrida para ir à festa de comemoração do próprio aniversário quando, ao entrar no carro, o condutor reclamou dos balões que ela carregava.
De acordo com o relato da vítima, ele continuou as reclamações sobre os balões, e, ela e a amiga que estava no carro, decidiram descer do veículo e chamar uma nova corrida. “Eu estava com as mãos ocupadas, então fechei a porta com o quadril. Nesse momento, ele desceu do carro e começou a me xingar, me agredir, estourou os balões, e bateu na minha cara”, relata Geraldina. “Até agora estou sem entender. Foi uma agressão gratuita”. O caso está sendo investigado pela 21ª Delegacia de Polícia (Taguatinga Sul).
Pessoas que estavam passando pelo local no momento das agressões prestaram depoimento na delegacia. Segundo informações que constam no boletim de ocorrência, três testemunhas afirmaram que o motorista agrediu fisicamente e verbalmente Geraldina.
Uma das testemunhas conta ainda que viu a vítima entrando no carro e, pouco tempo depois, saindo do veículo com os balões na mão. O motorista desceu logo em seguida e começou a xingar Geraldina, “por que você bateu a porta sua rapariga?”, e iniciou as agressões.
A Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) foi acionada para atender a ocorrência, mas quando os policiais chegaram a briga havia cessado e os envolvidos foram encaminhados para a delegacia. Em depoimento, o motorista confirmou que houve desentendimento em relação aos balões, mas alegou que a passageira teria iniciado as agressões, e que ele apenas teria reagido em legítima defesa.
Lei Maria da Penha e o Agosto Lilás
De acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil registra mais de 180 estupros por dia. Em 2019 foram 1.206 vítimas de feminicídio, com 61% das vítimas sendo mulheres negras. Em um levantamento recente do Datafolha, mostrou que durante a pandemia do Covid-19, uma em cada quatro mulheres acima de 16 anos afirma ter sofrido algum tipo de violência doméstica. Se comparado com o ano de 2019, esse número aumentou de 42% para 48,8%.
No Agosto Lilás, mês em que se realiza a campanha de conscientização e combate à violência contra a mulher e se comemora os 15 anos da Lei Maria da Penha, esses dados nos mostram que iniciativas como a da Uber e políticas públicas para mulheres são muito necessárias. A advogada especialista na defesa dos direitos das mulheres, Ana Carolina Fleury, disse que seu escritório nunca esteve tão movimentado. “Desde a pandemia, nunca fomos tão acionadas e procuradas para atuar com esses casos”, afirma. Os crimes contra a integridade física e emocional das mulheres esteve tão frequente nos últimos 12 meses que, ainda segundo a pesquisa do Datafolha, 51,5% dos brasileiros afirmaram terem visto algum caso de violência doméstica.
Com a Lei Maria da Penha, esse tipo de crime cometido se tornou amplamente conhecido, chegando a se tornar uma das três leis mais avançadas no mundo, segundo o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem). Como afirmou em nota a senadora Simone Tebet (MDB-MS), da Bancada Feminina, “se você perguntar, mais de 90% da população brasileira conhece a Lei Maria da Penha. É a lei que protege as mulheres. É a lei que fala: se o homem ameaçar, bater, matar a mulher, ele vai para cadeia”.
Contudo, os obstáculos para resolver esses casos ainda é recorrente. Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), afirmou que apenas 1 em cada 3 casos de violência doméstica são resolvidos. Em 2021, essa realidade não mudou, como afirma a advogada Fleury. “Infelizmente, pouca coisa mudou. A gente encontra muita dificuldade desde o registro da ocorrência, passando pela investigação e durante todo o caminho do processo penal”.
As violências mais sofridas foram 18,6% ofensas verbais, 6,3% sofreram tapas, chutes ou empurrões, 5,4% algum tipo de ofensa sexual ou tentativa forçada de relação, 3,1% ameaçadas com faca ou arma de fogo e 2,4% foram espancadas. As mulheres negras foram a maioria das vítimas, com 28,3% dos casos, logo em seguida vem as pardas com 24,6% e as brancas com 23,5%.
Fonte: Socialismo Criativo