A forte tradição de preservação dos antigos preceitos islâmicos que levou à segregação sexual coloca a Arábia Saudita dentre os grandes entraves para o debate internacional pelos direitos das mulheres. Nesse sentido, refletir sobre a situação das mulheres sauditas no esporte é algo controverso e complexo. Foi apenas muito recentemente que, pela primeira vez, a delegação olímpica da Arábia Saudita incluiu mulheres nos jogos de Londres, em 2012. Por Maria Clara Carneiro Sampaio. Recentemente noticiou-se que, na Arábia Saudita, as meninas matriculadas em escolas privadas finalmente poderão participar das atividades esportivas. A prática, porém, está condicionada ao respeito ao código de vestimenta embasado pela interpretação da cultura saudita do Corão e da Sharia. Ainda que grande parte das meninas e mulheres recebam sua educação formal em instituições públicas e, portanto, continuarão sem ter espaços públicos para poder praticar esportes, a jornalista saudita, Lubna Hussain (que não é a ativista sudanesa Lubna Al-Hussein), enxerga essa mudança como positiva dentro do contexto de progressos que o país tem vivido nos últimos anos. A Arábia Saudita está entre os maiores países árabes do mundo e faz fronteira com cerca de 8 países no coração do Oriente Médio, tais como Iraque, Jordânia e Emirados Árabes. Suas reservas de petróleo também estão entre as mais ricas e concentram grande parte da estrutura e do desenvolvimento da economia saudita. No território do país ainda se encontram as duas cidades sagradas, consideradas como o berço da religião islâmica, Meca e Medina. Desta forma, os poderio econômico e religioso dos sauditas se percebe não apenas na complicada dinâmica político-religiosa do mundo islâmico, como também influencia em caráter mundial a política das grandes economias ocidentais. Politicamente, a Arábia Saudita é descrita, em termos e de um ponto de vista do Ocidente, como uma espécie monarquia absolutista na qual não há separação jurídica entre o estado político e as leis e regras contidas nos textos religiosos. A forte tradição de preservação dos antigos preceitos islâmicos que levou à segregação sexual coloca a Arábia Saudita dentre os grandes entraves para o debate internacional pelos direitos das mulheres. Nesse sentido, refletir sobre a situação das mulheres sauditas no esporte é algo controverso e complexo. Foi apenas muito recentemente que, pela primeira vez, a delegação olímpica da Arábia Saudita incluiu mulheres nos jogos de Londres, em 2012. Ainda que tenham enfrentado controvérsias, Wojdan Ali Seraj Abdulrahim Shaherkani e Sarah Attar competiram vestindo o hijab (véu que cobre a cabeça) e tiveram performances inexpressivas. É preciso pontuar, contudo, que nenhuma das duas foi qualificadas para os jogos da forma convencional. Ambas receberam convites do Comitê Olímpico Internacional que, tradicionalmente, utiliza-se dessa possibilidade para aumentar a presença olímpica de atletas provenientes de países pouco representados. De qualquer maneira, a presença das duas sauditas foi vista por muitos como um primeiro passo para futuras medidas de ampliação dos direitos e liberdades das mulheres sauditas. A segregação sexual limita a presença pública das mulheres que tem que ser necessariamente acompanhadas ou autorizadas pelo seu guardiões, do sexo masculino (em geral o pai, irmão ou marido). A presença de mulheres em espaços públicos na Arábia Saudita, desta forma, em locais como instituições de ensino, por exemplo, é uma realidade recente. Segundo um artigo do jornal britânico The Guardian, de 05/05/13, foi apenas na década de 1950 que se inaugurou a primeira escola básica pública para meninas e, apenas no último mês de abril, permitiu-se que uma mulher formada em direito pudesse de fato advogar. A riqueza proveniente das reservas petrolíferas tem impulsionado o poder de influência internacional também é um dos fatores que tem contribuído para a tímida modernização saudita, principalmente no tocante à participação feminina na esfera pública nacional e também nos debates internacionais. A segregação sexual saudita é composta de práticas tradicionais e justificativas religiosas muito específicas da cultura da região. Tais regras não estão completamente escritas ou sequer organizadas. Nesse contexto, a tutela – a guarda – masculina seja, talvez, a característica mais incompreensível aos olhos do ocidente. É necessária a autorização masculina para que as mulheres possam se casar, viajar, abrir um conta no banco ou mesmo ter aguarda de seus filhos. Nenhuma mulher é autorizada a dirigir. Trata-se de uma ética cotidiana de vida que se desenvolve sob a vigilância e a disponibilidade de um parente do sexo masculino. A jornalista já citada aqui, Lubna Hussain, que assina uma coluna aparentemente livre de qualquer censura em um dos grandes jornais sauditas, recentemente expressou em entrevistas a forma como as liberdades e a tutela são foco de controversos debates em seu país. Ela a acredita que não são necessariamente o estado ou os líderes religiosos do alto escalão que tem atrasado o progresso das mulheres e sim as próprias mulheres. Para embasar seu argumento citou uma pesquisa feita há poucos anos que mostrou que 40% das mulheres eram contra mudanças em seu estilo de vida. Hussain acredita que as mulheres sauditas não enxergam necessariamente a modernização como uma aproximação dos valores ocidentais de igualdade entre homens e mulheres. Ela acredita que dentre questões como fim da tutela masculina e outras liberdades, como por exemplo a de procurar um emprego, as sauditas provavelmente valorizariam mais as oportunidades de trabalho que hoje se reservam para os homens (a despeito da população universitária contar com 52% de mulheres). Ela, ainda, acredita que a tutela pode ser vista como um traço cultural não necessariamente negativo já que maioria dos homens sauditas tratam as mulheres com respeito e afeto. Wajeha AL-Huwaider, também jornalista e brilhante ativista, não discorda do caráter gentil dos homens sauditas, mas não acredita que a linguagem do afeto e do tratamento protecionista em relação às mulheres de seu país possa revelar outra coisa que não uma arraigada crença na inferioridade feminina. Não é incomum encontrar nos mais populares sites de informação a comparação de AL-Huwaider com Rosa Parks. Resta saber se a igualdade, ainda que inicialmente jurídica, das mulheres sauditas será uma conquista que Wajeha AL-Huwaider poderá desfrutar, como Parks, durante sua vida. |
Fonte: Carta Maior
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