*Leonardo Sakamoto
A Polícia Rodoviária Federal confirmou a existência de 1776 pontos de risco de exploração sexual nas estradas federais do país. A região com mais pontos mapeados (398) é a Centro-Oeste – a rodovia que lidera o ranking, a BR-230, seguida pela BR-116 e a BR-101. No ano passado, 405 crianças e adolescentes foram resgatados de situações de exploração sexual e 142 pessoas foram presas, como noticiou o UOL. Os principais pontos usados para a exploração sexual são postos de combustível, bares e restaurantes.
Nesta sexta (11), as Nações Unidas celebram o Dia Internacional da Menina, cidadã de segunda classe em boa parte do mundo, inclusive no Brasil.
“Inicialmente, o projeto era apenas para auxiliar as operações repressivas”, contou Márcia Freitas, coordenadora da Comissão Nacional de Direitos Humanos da PRF, ao relatório “Brasil Livre de Trabalho Infantil”, da Repórter Brasil. Nos últimos oito anos, essas ações resultaram no resgate e encaminhamento de mais de 3 mil crianças e adolescentes em situação de risco nas rodovias federais brasileiras.
No âmbito do projeto, os policiais buscam identificar nas rodovias pontos que concentram certas características que os tornam suscetíveis à exploração sexual de crianças e adolescentes, tais como consumo de bebidas alcoólicas, presença de prostituição de adultos, vigilância e iluminação. A partir de 2009, a entrada de novos parceiros, como a ONG Childhood Brasil, levou a um aprimoramento da metodologia do projeto, e se passou a avaliar níveis de risco, dividindo os pontos mapeados entre “crítico”, “alto”, “médio” e “baixo risco”.
“A PRF fiscaliza e notifica o Ministério Público para que feche o local. Depois de um tempo, aquele local passa pra dentro da cidade, onde nós não temos competência territorial pra atuar”, explica a inspetora. Com essa constatação, e com a ajuda dos parceiros de outros setores envolvidos no mapeamento, o órgão tem planejado a transferência da metodologia para as polícias estaduais, com apoio à formação, capacitação e o acompanhamento até a confecção do primeiro relatório.
Como já disse aqui, é muito triste ver uns tiquinhos de gente entrando em boleias de caminhões, na madrugada de estradas, por alguns trocados, como cansei de ver. Ou as “putas com idade de vaca velha”, ou seja, 12 anos, em bordeis da Amazônia.
Exploração sexual de crianças e adolescentes não é novidade no Brasil. E nem é vinculada apenas a uma classe social: há denúncias de políticos e empresários que alugam barcos e hotéis para consumir as crianças que compraram ou aqueles que fazem o serviço em seus luxuosos escritórios ou em casas alugadas coletivamente com amigos em bairros chiques. Isso sem contar os milhões de acessos a vídeos e fotos de pornografia envolvendo crianças brasileiras que fazem sucesso em nobres computadores e tablets.
Muita gente fica indignada quando digo que há no país um exército anônimo – alimentado pelo nosso machismo – defendendo que crianças deveriam fornecer serviços sexuais.
O cantor e ex-vereador Agnaldo Timóteo fez um discurso na Câmara dos Vereadores a favor da exploração sexual juvenil anos atrás. Disse que o visitante que vem ao país atrás de sexo não pode ser considerado criminoso. “Ninguém nega a beleza da mulher brasileira. Hoje as meninas de 16 anos botam silicone, ficam popozudas, põem uma saia curta e provocam. Aí vem o cara, se encanta, vai ao motel, transa e vai preso? Ninguém foi lá à força. A moça tem consciência do que faz”, declarou. “O cara [turista] não sabe por que ela está lá. Ele não é criminoso, tem bom gosto.”
Foi reeleito depois disso. O que é compreensível.
Afinal de contas, se tem peito e bunda, se tem corpo de mulher, está pronta para o sexo, não é mesmo? E se está pronta para o sexo, por que não ganhar uns trocados para ajudar no orçamento familiar? O cara que transa com essas meninas não tem culpa, elas é que estavam pedindo. Elas sempre pedem. Pois “mulher honesta” – como minha mãe, minha esposa e minha filha – ficam em casa e não na rua, vadiando. Mulher não se veste “daquele jeito” se não quer alguma coisa, não?
Enfim, tendo em vista a quantidade de vezes que ouvimos essas aberrações por aí, não é de estrenhar que brotemparlamentares (alguns deles, falando em nome do divino) defendendo esse ponto de vista por aí. Se o pessoal fosse sincero, dava para formar bancada em Câmara Municipais, Assembleias Estaduais e no Congresso Nacional.
Nos últimos 20 anos, as ações de enfrentamento contra o problema avançaram, com sensibilização da sociedade, multiplicação das políticas públicas e participação do setor empresarial. De 2004 a 2010, o número de programas federais para a área saltou de três para 13, o que refletiu no aumento das denúncias.
Mas o fator cultural tem um peso importante no combate à exploração sexual. Além de medidas para dar conta da vulnerabilidade social das vítimas, também é preciso criar políticas que levem em consideração a cultura do já citado machismo, além de racismo, homofobia e outros preconceitos que dificultam a atenção às vítimas.
Essa discussão não é sobre o direito da mulher ao seu corpo (que deveria ser inquestionável e protegido contra qualquer tipo de idiotice), mas de defender que crianças e adolescentes não sejam abocanhados pelo mercado do sexo. Não estou discutindo o sexo dos adolescentes, mas sim o seu uso comercial. Muito menos a legalidade da prostituição (e enquanto se discutia isso, mulheres que trabalhavam pesado a vida inteira sofreram na velhice, desamparadas e desassistidas). Estamos falando de meninas de 12 anos que podem até não ter sido empurradas para essa condição por pressão familiar, mas sofreram influência externa sobre sua sexualidade – da TV, dos amigos, de vizinhos, de ofertas irrecusáveis de bens materiais ou dinheiro, que atiçaram desejos ou fantasias sobre si mesmas e o mundo.
A decisão de entrar no mercado de sexo antes de determinada idade não é individual e não pode ser. O Estado e a sociedade devem tutelar essa criança até que ela tenha maturidade para decidir. É fundamental garantir um certo número de anos para os mais jovens se desenvolverem, sendo protegidos, antes de cair na selva.
Resta saber se queremos realmente fazer isso. Ou continuarem sendo irracionais.
*Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política. Cobriu conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos em Timor Leste, Angola e no Paquistão. Professor de Jornalismo na PUC-SP, é coordenador da ONG Repórter Brasil e seu representante na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho