A 10 dias de embarcar para a Assembleia Geral da ONU, a ministra com o segundo maior orçamento da Esplanada fala ao Correio sobre a viagem, o esforço para bater metas de vacinação e a reconstrução do SUS, “exemplo para o mundo”
Nove meses após tomar posse como ministra da Saúde, Nísia Trindade lidera um ministério em reconstrução. Desde o governo de transição, a primeira mulher a assumir a pasta no Brasil já sabia que encontraria uma estrutura frágil, sem dados integrados, com políticas públicas destruídas e sem capacidade de coordenar ações.
“Num país tão desigual como o Brasil, tão diverso, isso é um desastre, porque estados e municípios — e vou falar especificamente do período da pandemia, até porque acompanhei mais de perto — tomaram muitas medidas e ações, mas nem todos têm a mesma condição. Muitos municípios do Brasil estão empobrecidos. E isso faz com que seja muito difícil dar exatamente o que o SUS (Sistema Único de Saúde) pretende, que é esse acesso universal, trabalhando para reduzir as desigualdades, inclusive regionais”, diz.
O resultado pós-pandemia, resume, é que o “Ministério da Saúde perdeu importância”. Recuperar a estrutura frágil, a credibilidade e a confiança da pasta é uma jornada que está em andamento. Apesar disso, o Brasil ainda é visto como modelo de uma política de acesso universal à saúde. Tanto que deve ter protagonismo nas reuniões de cúpula da próxima Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), entre 18 e 25 de setembro, em Nova York.
Nísia acompanhará o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na viagem, participando de três cúpulas relacionadas à saúde: uma é relativa a preparação e resposta para emergências e pandemias; outra, para a eliminação da tuberculose, e mais uma sobre a cobertura universal de saúde.
“A pandemia colocou em evidência que não é possível pensar em nenhum tipo de geopolítica, de programas de desenvolvimento, de cooperação internacional, sem levar em conta as grandes questões da saúde.”
Nesta entrevista ao Correio, a ministra, que é cientista social, mestre em ciências políticas e doutora em sociologia, fala sobre as pautas da reunião, a importância da “diplomacia da saúde” e a batalha para alcançar metas de vacinação no país que tem um programa nacional de imunização há 50 anos e que sempre foi modelo para o mundo.
Além disso, aborda a necessidade de uma nova visão estratégica da saúde. “A saúde não é só uma política social, mas uma política de desenvolvimento. E tem que ser um objetivo não só do Ministério da Saúde, mas do governo e da sociedade um grande pacto pelo SUS, o que significa termos sustentabilidade para essas políticas. Então temos que avançar na questão sanitária, mas temos que também reconhecer que estamos em período de reconstrução”, diz.
Sobre as pressões políticas de outros partidos de olho no ministério, ela não polemiza: “Quando o presidente Lula me convidou, eu tinha muita convicção de que eu iria ajudar no processo de reconstrução. Então, é isso que me anima. Se eu puder ajudar nesses quatro anos do mandato do presidente Lula, eu ficaria muito satisfeita com isso. Se ele reavaliar, é uma prerrogativa dele”.
Também mira no futuro, apostando agora na prevenção. “Cuidar das nossas crianças e dos nossos jovens para que essa qualidade se reflita mais à frente. Acho que essa política será fundamental. Nossa estimativa é que teremos, na segunda metade do século 21, algo em torno de 40% da população idosa. Isso é um contingente muito grande. A hora de cuidar é agora.”
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Ministra, e a sua agenda?
Cheíssima. Melhor nem comentar. Eu sempre trabalhei muito, mas aqui as demandas são múltiplas, né?
A senhora vai com o presidente Lula para a Assembleia Geral das Nações Unidas, o que sinaliza a importância da saúde no mundo. Há alguma agenda específica para essa sua participação?
Sim, serão três cúpulas de alto nível na Assembleia Geral da ONU específicas da pauta da saúde. Uma é relativa à preparação para pandemias e, nesse evento, o presidente Lula deverá estar presente e vou acompanhá-lo. A pandemia colocou em evidência que não é possível pensar em nenhum tipo de geopolítica, de programas de desenvolvimento, de cooperação internacional, sem levar em conta as grandes questões da saúde. Por isso, uma das reuniões de cúpula é a preparação e resposta para emergências e pandemias. Haverá também uma reunião de cúpula para a eliminação da tuberculose. A partir de um decreto interministerial assinado pelo presidente Lula este ano, definiu-se um comitê interministerial para a eliminação de doenças que têm determinação social. Isso já é um ponto bem importante: reconhecer que, muitas vezes, na Saúde, nós remamos contra a maré se não estivermos atentos às causas dos problemas de saúde — e muitas delas são causas sociais. É o caso da tuberculose. Basta olhar onde há maior incidência e isso está sendo trabalhado em áreas mais vulneráveis, de pobreza, no sistema prisional, a população de rua também é um ponto de atenção. Essa cúpula vai ser bem importante e o Brasil tem um protagonismo nela.
Qual é o outro evento?
Eu vou estar com o diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom, nesse evento específico voltado à aceleração de vacinas para tuberculose. As condições sociais interferem muito, não só na ocorrência da doença, mas no próprio tratamento. E uma terceira cúpula importante, que será sobre cobertura universal de saúde, como é possível avançar nessa cobertura e como é possível dar acesso à saúde. E nesse ponto, o Brasil é um exemplo para o mundo. Não sou eu dizendo isso. As falas foram muito marcantes na reunião de saúde do G20 (grupo das 19 maiores economias desenvolvidas e emergentes do planeta mais a União Europeia), na reunião de saúde do Mercosul, que o Brasil assumiu a presidência, e na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Então, há essa visão do SUS do Brasil ser uma referência por dar acesso a uma série de tratamentos e pelo fortalecimento da atenção primária. E, aqui, nós temos buscado avançar muito no credenciamento e na estratégia de Saúde da Família, com vários agentes. E agora também incluindo um ponto muito importante na preparação de emergências que é a nossa autonomia em termos de insumos para saúde, sejam eles vacinas, medicamentos, diagnósticos, mas também itens como respiradores. Então, na verdade, a pandemia é um marcador social de muitos problemas, que vão desde a estruturação adequada dos sistemas de saúde e a sua capacidade de responder a situações de emergência até essas questões da industrialização necessária. No Brasil, isso também é uma pauta prioritária do governo do presidente Lula, abarcando mais de um ministério e a saúde é um componente muito forte disso.
A questão da vacinação ainda é uma preocupação grande, ministra?
A questão da vacinação é uma grande preocupação nossa. E nós vemos que há todo um movimento em todo o Brasil, temos sido bem sucedidos nesse aspecto, compromisso de governos estaduais, de prefeituras, da sociedade civil, de sociedades médicas e científicas, como é o caso da sociedade de pediatria, e do Conselho Nacional de Saúde. Tivemos a Conferência Nacional de Saúde, aqui em Brasília, este ano. E a vacinação foi fortalecida como uma pauta prioritária. E estamos com muitas ações em nível local de microplanejamento, que é também o modelo adotado pela Organização Pan-Americana de Saúde. Mas sabemos que ainda teremos que fazer mais para alcançar o resultado de um aumento das coberturas vacinais. O Brasil já foi uma referência absoluta, foi líder na erradicação da varíola, ajudou nessa solução global. O Programa Nacional de Humanização (PNI) vai completar 50 anos e haverá até uma solenidade na Câmara no dia 12, para marcar esse dia. E, no entanto, com toda essa história, muitos sanitaristas contribuíram para isso. É uma história que não tem nada a ver com ser de esquerda ou ser de direita. O PNI foi criado, inclusive, no governo militar. Eu acompanhei muitas campanhas, quando criança, adolescente. E hoje tornou-se uma agenda política. Deveria ser uma política pública de rotina, como já foi.
A senhora acredita que isso muda, com todo o trabalho que está sendo feito, com essas campanhas?
Sim, há uma compreensão do problema e vários estudos têm que ser feitos, porque isso também tem que ser tema de estudo. Não só a parte da biotecnologia da vacina é importante, mas sem vacinação nada disso faz sentido. Então, existem muitos estudos hoje no Brasil, em todo o mundo, sobre o que se chama hesitação vacinal. Não é o movimento antivacina. Não é a pessoa ser contra a vacina quase como uma doutrina ou uma ideologia. Isso existe também. Mas a pessoa, ou por desinformação ou pelo fenômeno das fake news, começa a ter receio. Esse é o problema, como se a vacina pudesse causar o mal. Mas também existem outros fatores. Um deles é a ausência de percepção de risco. Pessoas não vão se vacinar e muitas vezes não levam os filhos, o que é uma situação realmente deplorável.
Essas pessoas acham que não vão ficar doentes, é isso?
Exatamente, não vê aquilo como uma ameaça. Em muitas políticas públicas se diz que, quando uma política pública é bem-sucedida, e ela tem um efeito de médio e longo prazo, aí se deixa de ver o problema e, com isso, a demanda para resolver a questão diminui, a população não acorre tanto. Mas existem outros fatores também que estão sendo considerados. É necessário tornar o mais fácil possível a vacinação. O Brasil vacina gratuitamente, é o país com a maior estrutura de vacinação do mundo, seguramente. Não há dificuldade orçamentária para vacinar. Este ano, inclusive, o PNI ia ter um corte, pelo que havia sido encaminhado pelo governo anterior, de quase 50% do seu orçamento. Nós conseguimos recompor com a PEC da Transição e estamos também destinando recursos para essas ações de microplanejamento nos municípios. Foram destinados R$ 150 milhões para essas ações em todo o Brasil. Na verdade, a gente precisa, e sabe que vai precisar, da persistência e de ir inovando também nas fórmulas, recuperando ações que já foram usadas em campanhas no passado. E há muitos mecanismos, a volta da condicionalidade do Bolsa Família, das crianças terem que ser vacinadas. Então, tem medidas de incentivo e tem medidas que têm que ser mesmo de responsabilização, para que a gente consiga atingir a meta.
A senhora mencionou as fake news. Pode fazer um balanço do que já foi possível acertar o curso e o que falta, dentro das suas prioridades em geral?
Eu participei do governo de transição e também acompanhei muitas ações do Ministério da Saúde no governo anterior, com o presidente da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). A grande questão que eu posso apontar é que o Ministério da Saúde perdeu importância. Perdeu na sua capacidade de coordenar ações. E num país tão desigual como o Brasil, tão diverso, isso é um desastre, porque estados e municípios — e vou falar especificamente do período da pandemia, até porque acompanhei mais de perto —, tomaram muitas medidas, muitas ações, mas nem todos têm a mesma condição. Muitos municípios do Brasil são empobrecidos. E isso faz com que seja muito difícil dar exatamente o que o SUS pretende, que é esse acesso universal, trabalhando para reduzir as desigualdades, inclusive regionais. Então, esse foi o ponto, a credibilidade, a confiança no Ministério da Saúde. As políticas, na pasta da Saúde, são feitas todas com pactuação com os estados e municípios. Isso não é decisão de um ministro. Isso é da lei do Sistema Único de Saúde.
Qual foi a área de maior dificuldade que encontrou?
As dificuldades estão em todas as áreas. É difícil dizer onde havia um problema maior. Tínhamos problemas na área de logística e isso foi muito apontado durante a CPI da Covid, lugares onde logística é fundamental, porque é por onde passa a distribuição de medicamentos e vacinas e de vários campos de entregas de produtos da saúde. Há um grande esforço de reorganização em todas as áreas. Eu costumo dizer que era o descaso com a política. E soma-se a tudo isso o grande impacto da pandemia, que não podemos deixar de falar, com a morte de mais de 700 mil pessoas, mas com grande impacto no sistema de saúde, pessoas que não buscaram o diagnóstico, que não fizeram cirurgias eletivas, causando agora uma grande demanda sobre o sistema. Para que haja uma política pública, as melhores experiências ocorreram no mundo e você tem essa base, mas tem que tomar as decisões na hora certa. No início da pandemia era mais difícil e é compreensível. Já estava apontado o grande risco de uma pandemia nessa proporção, já se sabia. Há 20 anos, se pesquisava vacinas para o coronavírus, por exemplo. Por isso, as vacinas também surgiram de uma forma mais rápida, porque havia tecnologias em desenvolvimento. Não podemos ignorar esse impacto. Agora, o Brasil tinha todas as condições para se preparar melhor para a resposta e para o pós-pandemia também. Nós temos base científica e temos um Sistema Único de Saúde que é, em si só, uma grande inovação. E, no entanto, isso não aconteceu. Agora, nós temos que, de fato, dedicar toda a energia, e temos toda uma equipe comprometida em buscar essas soluções que passam por ações também de outras pastas e organizações de saúde. É transversal, tem as determinações sociais, tem o peso de fatores como a fome, como a pobreza. Então, é muito importante uma ação mais coordenada do governo nesse sentido e é o que o presidente e o conjunto do ministério vêm procurando fazer. Não é simples, mas temos uma base, uma capilaridade.
E como serão tomadas as decisões?
Todos os meses temos decisões pactuadas com estados e municípios e o presidente já se reuniu diversas vezes com os governadores. Além disso, tivemos recentemente um novo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), que colocou a saúde como um pilar importante para esse crescimento e para essa missão de um desenvolvimento sustentável, como está presente no PAC. É importante destacar que o ministério tem R$ 31,5 bilhões para esse trabalho em todas as nossas áreas de atuação para garantir a atenção à saúde. E, também na área do complexo econômico industrial da saúde eu destacaria duas ações muito importantes. Uma é o fortalecimento da Hemobrás no Brasil. A Hemobrás (Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia), hoje, tem um valor estratégico já enorme e foi um investimento acertado do governo brasileiro. Eu visitei, neste ano, em Goiânia, em Pernambuco, e fiquei, realmente, muito contente que tivéssemos chegado a esse resultado. Nós já vamos ter a produção do fator VIII para hemofilia. A Hemobrás também tem garantido o suprimento de derivados de plasma e vai ser capaz de começar a produzir, entre o segundo semestre do ano que vem e 2025, imunoglobulina e outros derivados do plasma, que têm uma importância enorme. Hoje, temos nos posicionado de uma maneira muito clara e muito firme, não só no Ministério da Saúde, mas no governo como um todo, sobre a importância estratégica do sangue e do plasma no Brasil e da Hemobrás.
E existe essa preocupação em relação a essa PEC do plasma, que recomeça a ser debatida pelo Congresso…
O governo federal está se posicionando sempre no sentido de que, primeiro, a ideia da comercialização do sangue e do plasma não faz sentido. Mas, além disso, é possível — e a Hemobrás é um bom exemplo, nesse caso — firmar parcerias virtuosas positivas entre os setores público e privado. Nós vemos que o setor privado pode estar atuando muito bem na logística e no apoio à produção, mas sempre orientado pelo Sistema Único de Saúde. Isso é muito importante. E tendo como visão o acesso da nossa população a esses bens tão valiosos. Essa é a nossa visão. Não é que não seja possível uma relação positiva com o setor privado, mas a orientação tem que ser pelo SUS e pelas necessidades da população, fortalecer a Hemobrás. Isso é estratégico em todos os países, mesmo nessa área, muito estratégica para o seu desenvolvimento e para garantir a saúde da sua população.
A senhora falou da primeira de duas ações importantes na área do complexo industrial de saúde. Qual é a segunda?
A segunda é o Complexo de Biotecnologia e Saúde da Fiocruz, que é um complexo que também já havia sido projetado e teve seu início no segundo governo do presidente Lula. É um grande empreendimento no Rio de Janeiro, em Santa Cruz, que vai permitir que nós tenhamos quadruplicada a nossa capacidade de produção de vacinas. E sabemos que isso, ainda mais depois de termos vivido essa situação de pandemia, também faz parte da preparação frente às emergências sanitárias.
E qual seria a participação desse complexo dentro da agenda de neoindustrialização do governo federal, uma vez que a Saúde é fundamental para o desenvolvimento dos IFAs (Insumo Farmacêutico Ativo) para as vacinas?
Nós temos produção de IFAs no Brasil para alguns produtos. No caso, eu acompanhei muito de perto a transferência da tecnologia da vacina de vetor viral da Astrazeneca, e nós temos também, tanto no setor público quanto no privado a produção de outros IFAs. O conceito do Complexo Industrial da Saúde está totalmente dentro da política de reindustrialização. Nós criamos um grupo interministerial coordenado por mim e pelo vice-presidente Geraldo Alckmin. Agora, no dia 28, nós vamos apresentar algumas entregas desse grupo em um evento. Mas voltando às linhas que nós estamos recuperando, usando o marco de ciência e tecnologia de pensar ou de desenvolvimento de produtos.
Neste ano, a senhora disse que recurso não é um problema por conta da PEC da Transição, mas, e no próximo? As demandas da pasta foram atendidas?
O Ministério da Saúde não é isolado. Ele é parte de um governo e estamos acompanhando o grande esforço do ministro Fernando Haddad (da Fazenda) em ter um equilíbrio fiscal, mas sem perder de vista os grandes investimentos que o Brasil precisa ter. E como o presidente Lula tem colocado, saúde, educação e ciência também são vistos como investimentos. O presidente também colocou, e eu acredito nisso, que nós precisamos de um incremento progressivo no orçamento da Saúde. O SUS sempre foi subfinanciado e sempre trabalhamos com o objetivo de que haja um incremento nesse orçamento. O financiamento público da Saúde no Brasil é muito menor do que em outros países que têm sistemas universais. Então, temos que avançar nessa questão orçamentária. Não há dúvida. O que eu disse é que se não houvesse a PEC da Transição, nós não conseguiríamos ter uma retomada de programas. Mas a necessidade do país é imensa. Nós temos muitos gargalos colocados para garantir uma saúde de qualidade da população. Eu diria que se chegou no Orçamento possível nesse contexto. A Saúde não é só uma política social, mas uma política de desenvolvimento. E tem que ser um objetivo não só do Ministério da Saúde, mas do governo e da sociedade um grande pacto pelo SUS, o que significa termos sustentabilidade para essas políticas. Temos que avançar na questão sanitária, mas temos que também reconhecer que estamos em período de reconstrução. Então, vou trabalhar com um Orçamento que o Congresso ainda vai votar e vou trabalhar também para que as emendas parlamentares sejam convergentes com as grandes políticas e prioridades definidas pelo Ministério da Saúde. Acho que temos espaço para fazer essa defesa e, também, o tempo todo esclarecendo a sociedade, porque é como eu digo, tem que ser uma política pública de governo, mas também deve ser uma grande concentração da sociedade. A sociedade passou a ver o SUS, que tantas vezes foi retratado como um grande problema, como a grande solução na pandemia.
A senhora está à frente de um dos ministérios mais cobiçados pelos políticos. Houve muita pressão e muita carga em cima da senhora. Em algum momento isso a incomodou? Como é que a senhora reage a essas pressões que parecem ter atenuado?
É claro que é sempre incômodo. Como não fui a única ministra que ficou em exposição pública sem ser pela pauta e pela missão a que você foi designada, sempre é uma coisa incômoda. Mas, quando o presidente Lula me convidou, eu tinha muita convicção de que eu iria ajudar no processo de reconstrução. Então, é isso que me anima. Se eu puder ajudar nesses quatro anos do mandato do presidente Lula, eu ficaria muito satisfeita com isso. Se ele reavaliar, é uma prerrogativa dele. Pressões sempre podem existir. Mas eu creio que é um momento também de refletirmos. Muitas vezes, coloca-se essa questão de eu ser uma ministra técnica em um ministério político, pelo fato de eu ter sido escolhida sem nenhuma referência de história partidária. Mas, como o presidente mesmo fala, é uma história de compromisso com o SUS, que se tornou muito evidente no processo de pandemia. Eu sempre tive muita clareza disso, porque também os nossos tempos estão muito acelerados. Mas foi com esse espírito que eu aceitei o cargo. Claro que a gente sempre vê com preocupação, mas eu entendo que há também uma visão muito forte. E eu vejo isso no presidente e vejo isso em grande parte da nossa sociedade de que a Saúde, hoje, é vista como uma prioridade em quase todas as pesquisas que são feitas. Ter uma pessoa comprometida com esse sistema e com capacidade de diálogo é fundamental. Acho que tem questões que, a meu ver, vão além de uma pressão de momento. Acho que, em muitas questões, vamos precisar amadurecer e saber trabalhar, que são a relação com o Legislativo, as mudanças que ocorreram nos últimos anos, como o maior papel do Legislativo na questão orçamentária, e não só nas diretrizes orçamentárias, na aprovação da lei orçamentária, mas com esse papel de emendas impositivas, que são questões que nós vamos ter que amadurecer para ter uma relação positiva para o país. Temos muito diálogo com o Parlamento. Eu venho de uma tradição de formação. São desafios do país: o equilíbrio entre os Poderes, o fortalecimento do Executivo, porque ele precisa ser fortalecido, e o respeito ao Legislativo, que é uma pauta que eu não tenho uma resposta para isso sobre qual é o melhor caminho. Mas isso vai estar presente.
Como assim?
Acho que o presidente é uma liderança política que tem muita sensibilidade, muita capacidade de construção. Mas essa também é uma tarefa coletiva das instituições, dos governos, mas também da sociedade, que está pensando de que maneira poderemos ter um presidencialismo mais equilibrado, para que o Brasil possa avançar. É a grande questão, não só para a Saúde. O Brasil tem potencialidades enormes, tem capacidades incríveis, há muita inovação em políticas sociais, na cultura, para melhorar inclusive a qualidade de vida. Temos um desafio enorme de incorporar a juventude no processo de trabalho, no processo criativo, em lidar com o envelhecimento (da população), lidar com mudanças. No perfil dos nossos municípios, nós vamos trabalhar junto com o IBGE para pensar o impacto dessas mudanças demográficas, em termos da saúde. Acho que a gente também tem que ter uma visão de futuro.
Com relação ao fenômeno do envelhecimento da população, o governo tem alguma política específica nessa área?
Sim. Nós temos uma política para pessoas idosas e há várias ações que vão desde a promoção da saúde na atenção primária até a questão de quando são necessários cuidados mais intensivos em políticas para o cuidado em casa, e muitas que nós estamos aperfeiçoando nesse momento. A política para a pessoa idosa também será uma pauta do Ministério dos Direitos Humanos. Agora, se a gente pensar que está voltada à saúde do idoso, depende muito do cuidado ao longo do ciclo de vida. Então, é o momento de cuidar das nossas crianças e dos nossos jovens para que essa qualidade se reflita mais à frente. Acho que essa política será fundamental. Nossa estimativa é que teremos, na segunda metade do século 21, algo em torno de 40% da população idosa. Isso é um contingente muito grande E a hora de cuidar é agora.