Em entrevista ao Correio, Karin Cristina Peiter, diretora de Seguridade Social da Federação Nacional dos Policiais Federais, fala sobre uma política de saúde mental que seja mais efetiva para mulheres policiais federais
Por; Ana Maria Campos
Confira entrevista com Karin Cristina Peiter, diretora de Seguridade Social da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef):
A Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) vai promover pela primeira vez um encontro para discutir melhores condições de trabalho para as mulheres policiais federais. Quais têm sido as principais demandas dessa parcela da categoria?
Os últimos anos têm trazido desafios para as mulheres policiais federais, além dos que já convivíamos. Então, temos batalhado para reverter os prejuízos trazidos pela Reforma da Previdência de 2019, que não foram poucos. O aumento do tempo de contribuição, equiparando ao mesmo tempo dos homens, desconsidera os desafios da nossa atividade e a sobrecarga que acarreta para as mulheres na sociedade em que ainda vivemos. Além disso, também pleiteamos uma política de saúde mental que seja mais efetiva. A saúde mental não depende apenas de ações de apoio físico e mental, mas de políticas corporativas que tornem o ambiente de trabalho mais salutar para todos, e em especial para as mulheres. As mulheres policiais federais enfrentam desafios específicos que podem contribuir para problemas de saúde mental. Entre eles, a própria natureza do nosso trabalho, que envolve em muitas situações: alto risco, confrontos com a criminalidade e exposição à violência. A rotina exigente e estressante que pode levar a um risco significativo de adoecimento mental.
Num universo majoritariamente masculino, qual tem sido o desafio das mulheres policiais no Brasil?
Dentre os principais desafios, ainda estão os de promover espaço e a valorização para as mulheres policiais no âmbito policial, nas corporações. O assédio, tanto o sexual quanto o moral, é um problema significativo.?Quanto à desigualdade nas oportunidades de carreira, é notório que as mulheres muitas vezes enfrentam barreiras para alcançar cargos de liderança e posições de destaque. Esperamos que progressivos esforços de reconhecimento e valorização deem às policiais espaço para que o seu trabalho seja igualmente reconhecido ou valorizado em comparação com o de seus colegas. Por isso, a relevância da promoção de um evento como esse, que dá visibilidade a essa parcela da categoria, representada pelas mulheres policiais federais. É um espaço reservado para expor e apresentar as principais demandas necessárias para efetivas ações em defesa da ampliação e preservação dos direitos e a proteção da mulher policial federal. A Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), por meio dos sindicatos em todo o país, tem um papel importantíssimo para a valorização dos policiais federais, sobretudo, tem sido sempre muito aberta a acatar pleitos e demandas das mulheres policiais federais.
Como a regulamentação previdenciária impactou na carreira das policiais federais?
Alguns dos principais impactos da regulamentação previdenciária na carreira das policiais federais incluem a combinação de idade mínima, tempo de contribuição e tempo de contribuição policial para as policiais federais que ingressaram após a EC 103/19. Para as que estavam na ativa à época, mas ainda não possuíam os requisitos para aposentadoria pelas regras anteriores, foi estabelecido um “pedágio” e uma idade mínima de aposentadoria, o que gerou para muitas policiais federais um aumento significativo de tempo de serviço, gerando uma sobrecarga de trabalho por mais tempo antes de se aposentarem. Muitas profissionais também ficaram vulneráveis a alterações no cálculo do valor da aposentadoria, que foi afetado pela regulamentação previdenciária, resultando na redução nos benefícios previdenciários recebidos. A mudança implicou em regras de transição estabelecidas para as policiais federais que já estavam próximas da aposentadoria quando as novas regras foram implementadas. Com o cenário, as mulheres policiais federais precisaram se submeter a um ajuste no planejamento familiar e financeiro, revendo suas estratégias para garantir uma aposentadoria adequada.
É muito importante que as policiais federais estejam cientes das mudanças na regulamentação previdenciária e busquem orientação especializada para garantir uma transição adequada para a aposentadoria. A Fenapef possui atuação jurídica e parlamentar para garantir a defesa dos direitos da categoria nesse processo de adaptação às novas regras.
A Polícia Federal nunca teve uma mulher na direção geral. Como é a participação das policiais na estrutura de decisões da corporação?
A participação das mulheres na estrutura de decisões da Polícia Federal (PF) do Brasil tem evoluído, mas a ausência de uma mulher na história da direção-geral da Polícia Federal é o reflexo de desafios persistentes, como a proporção de mulheres que ainda representam uma minoria em relação aos homens, cerca de 17% do efetivo total da Polícia Federal, com variações entre os diferentes cargos e funções dentro da corporação, sendo menor em posições de comando e liderança.
Algumas mulheres conseguiram alcançar posições de chefia em superintendências, departamentos e divisões dentro da Polícia Federal. No entanto, a presença feminina em cargos de chefia ainda é limitada, e essas posições são frequentemente vistas como exceções em um campo dominado por homens. Representamos menos de 1/5 da força policial federal e nosso trabalho na busca por uma força policial mais inclusiva e equitativa é vital. A Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) criou a Diretoria da Mulher em 2020 com o objetivo específico de representar as demandas e reivindicações das mulheres policiais federais sindicalizadas, de receber as demandas, garantindo o sigilo e possibilidade de auxílio e amparo no combate ao assédio e discriminação.
Além disso, a Federação mantém uma atuação permanente para que as mulheres possam participar de cargos de liderança dentro dos próprios sindicatos. Fortalecendo o meio sindical com as mulheres, nós vamos reforçar também a atuação das policiais dentro da Polícia Federal e dentro do sistema de segurança pública.
A realização inédita do Encontro com todas as representações sindicais do país baliza a atuação da Fenapef. A iniciativa representa um marco histórico e fundamental para a segurança pública no nosso país. O ENMPF vai possibilitar um espaço de diálogo, troca de experiências e desafios dentro da Polícia Federal, o fortalecimento entre as mulheres policiais federais de todo o Brasil, com a discussão de temas relevantes para que, juntas, possamos construir soluções e pensar em estratégias para enfrentar as desigualdades de gênero, promovendo a valorização das mulheres.
A primeira edição do evento é uma oportunidade para que os debates revelem desafios enfrentados pelas mulheres policiais federais em todas as regiões do país. As situações são diferentes, por isso, esperamos que os debates e sugestões que serão encaminhas resultem em implantações de políticas voltadas às mulheres policiais que influenciarão diretamente o nosso cotidiano, nas delegacias e funções desempenhadas das diversas classes.
Dados da Fundação Getulio Vargas de 2015 apontam que 40% das policiais já sofreram assédio sexual. Os dados são de todas as forças. Como tem sido a reação das mulheres e as punições aos agressores?
Infelizmente, o assédio sexual é uma realidade que afeta mulheres em diversas áreas de trabalho, incluindo as forças policiais. Faz-se necessária a mobilização para denunciar os casos de assédio e buscar justiça. Com o aumento da conscientização sobre o assédio sexual e na implementação de políticas e procedimentos para lidar com essas situações, serão possíveis as devidas punições aos agressores, com uma resposta efetiva por parte das autoridades competentes.
É importante destacar que existem esforços sendo feitos para combater o assédio sexual dentro da Polícia Federal. As denúncias estão sendo cada vez mais encorajadas, e medidas estão sendo tomadas para garantir que as vítimas sejam ouvidas e que os agressores sejam responsabilizados por seus atos. A conscientização e a educação sobre o assédio sexual também são fundamentais para mudar essa realidade. Continuamos buscando mudanças para garantir que as mulheres que sofrem assédio sexual na Polícia Federal sejam apoiadas, ouvidas e que suas denúncias sejam tratadas com seriedade.
Outro tema importante é a saúde mental, que atinge toda a corporação e não é diferente com as mulheres. Como lidar com esses problemas?
A saúde mental é uma questão crucial em qualquer ambiente de trabalho, incluindo as forças policiais no Brasil e no mundo. As mulheres enfrentam desafios específicos que podem afetar a sua saúde mental, como o estresse do trabalho, a exposição a situações traumáticas e o enfrentamento de preconceitos de gênero. Adotar inciativas para promover a conscientização sobre a importância da saúde mental e fornecer informações sobre como identificar e lidar com problemas relacionados; oferecer suporte psicológico de forma confidencial e acessível são caminhos para enfrentar e, sobretudo, prevenir o adoecimento mental. O trabalho policial é altamente estressante. O risco de estresse ocupacional pode levar ao esgotamento emocional, ansiedade e depressão. Nosso trabalho na Fenapef é apoiar políticas que promovam o amparo e a prevenção dos casos.
Fonte: Correio Braziliense