Apesar de impulso, profissionais femininas dirigiram apenas 15,37% de todos os filmes lançados entre 2001 e 2010; iG publica série de reportagens sobre o tema O lançamento de “Carlota Joaquina – Princesa do Brasil”, em 1995, marca o início da retomada do cinema brasileiro após anos de produção quase inexistente. Talvez não houvesse marco mais adequado: estrelado, escrito, produzido e dirigido por mulheres, o filme de Carla Camurati inaugurou a fase da indústria cinematográfica nacional que mais deu espaço ao trabalho de profissionais femininas. Se entre 1981 e 1990 as mulheres dirigiram apenas 3,27% de todos os longa-metragens produzidos no Brasil, na década seguinte o percentual passou para 11,35% e continou subindo, chegando a 15,37% dos lançamentos de 2001 a 2010. Coletados pela pesquisadora carioca Paula Alves (a Agência Nacional de Cinema – Ancine – não faz nenhum levantamento sobre o tema), os dados revelam um crescimento incontestável da presença feminina por trás das câmeras, mas também mostram que a proporção de homens e mulheres no mercado continua amplamente desigual. “É um assunto ingrato porque a primeira coisa que você ouve é que não existe mais preconceito, que as mulheres já estão em todos os lugares”, afirmou, em entrevista ao iG . “O primeiro passo é ver que não, não estão. Há muito trabalho pela frente.” As mulheres marcaram presença, ainda que pequena, em todas as fases do cinema nacional. Considerada a primeira cineasta do País, Cleo de Verberena dirigiu o policial “O Mistério do Dominó Preto” nos anos 1930; a década seguinte teve Carmem Santos e Gilda de Abreu (responsável pelo sucesso de bilheteria “O Ébrio”), enquanto Carla Civelli e a italiana Maria Basaglia foram destaques da década de 1950. Porém, durante o Cinema Novo (movimento de estética realista inspirado no neo-realismo italiano e na Nouvelle Vague francesa) os homens dominaram o mercado. Segundo a pesquisa de Alvez, de 1961 a 1970 as mulheres dirigiram apenas 0,68% de todos os filmes produzidos. O percentual mais que dobrou na década seguinte, passando para 1,77%, como reflexo da criação da Embrafilme (empresa estatal de fomento à produção e distribuição de filmes nacionais) em 1969. Mas um novo golpe veio em 1990, quando o governo do presidente Fernando Collor de Mello extinguiu o órgão e praticamente parou a produção nacional. A retomada viria com a aprovação da Lei do Audiovisual, em 1993, e a criação da Ancine, em 2001, que consolidaram o novo modelo cinematográfico nacional, baseado em editais governamentais e no patrocínio de empresas que investem em projetos culturais em troca de isenção fiscal. Competição nos editais Segundo Alves, captar recursos é difícil tanto para homens quanto para mulheres, que competem em pé de igualdade. “O problema é que os editais acabam privilegiando pessoas com carreiras mais consolidadas. Como mais homens têm nomes estabelecidos, o sistema reflete isso”, afirmou. Matriarca do mais famoso “clã” cinematográfico brasileiro, a produtora Lucy Barreto acredita que os obstáculos para fazer filmes no Brasil são mais um reflexo da situação geral da indústria do que uma questão de gênero. “Nunca passei nenhuma dificuldade ou preconceito na minha atividade como produtora”, disse Barreto, com quase 30 títulos lançados desde o início da carreira, nos anos 1970. “As dificuldade de captação que tive, creio eu, foram as mesmas enfrentadas por outros produtores.” Mulheres por trás das câmeras: Proporção de profissionais femininas nos filmes de longa-metragem lançados no Brasil entre 1961 e 2010
Como nos Estados Unidos, onde o mercado cinematográfico é controlado por estúdios e grandes corporações, no Brasil as mulheres têm presença mais forte no documentário, que têm custos mais baixos. Entre os filmes de grande orçamento – que geralmente chegam a mais salas e alcançam maior público -, a participação feminina é menor. Levantamento do iG a partir de dados do site especializado Filme B mostram que apenas um dos 20 filmes de maior renda da retomada (1995-2011) foi dirigido por uma mulher: “Cazuza – O Tempo Não Para”, uma parceria de Sandra Werneck e Walter Carvalho Em 2011, o último ano para o qual há dados disponíveis, mulheres dirigiram apenas três dos 20 maiores sucessos de bilheteria – “Desenrola” , de Rosane Svartman, “Capitães de Areia” , de Cecília Amado, e “Brasil Animado 3D” , de Mariana Caltabiano. ‘Crio minhas oportunidades’ Como Barreto, a diretora Tata Amaral diz que o fato de ser mulher nunca foi um problema. “Sempre acreditei que iria fazer o que quisesse, inclusive um negócio que ninguém fazia: dirigir e produzir filmes”, afirmou a cineasta, que lançou cinco longas desde o início da carreira, no fim dos anos 1980. “Crio minhas próprias oportunidades e ocupo o meu espaço. E no set, as funções são muito claras: o diretor é o diretor”, completou. Leia também: “Rasgo meu coração em todos os filmes”, diz Tata Amaral Com nove filmes lançados desde 1984, Lúcia Murat diz que a trajetória de militância política na juventude (durante a qual foi presa e torturada) fez com que desse pouca atenção ao fato de ser minoria na indústria. “Quando comecei a fazer cinema, vinha de uma experiência muito radical. Já era vista de uma determinada maneira e nem tinha essa preocupação de entrar no mercado e encarar o homem”, explicou. Festivais femininos Com seu primeiro filme, “Que Bom Te Ver Viva”, Murat participou de festivais de cinema feminino na Europa – que viveram o auge nas décadas de 1970 e 1980, perderam força durante alguns anos e, recentemente, voltaram a se organizar. “Aquele período de radicalismo passou, mas está havendo um movimento muito forte novamente. Conforme a participação das mulheres diminui nos festivais convencionais, os femininos retornam”, explicou. O Brasil também tem o seu, o Femina (Festival Internacional de Cinema Feminino), criado por Paula Alves, que teve sua décima edição realizada em julho deste ano no Rio de Janeiro e irá à Fortaleza em novembro. Durante o processo de seleção, Alves prioriza filmes “densos, fortes e tecnicamente bons”, de preferência dirigidos por mulheres (cineastas homens também podem entrar, mas não na competição principal). Após anos à frente do festival, ela têm posição radical quanto ao que se considera “filme de mulher”. “Quando me perguntam quais são as características do cinema feminino, me recuso a responder”, afirmou. “Isso seria justamente limitar o olhar feminino, que é múltiplo.” As cineastas também rejeitam a ideia de um fio condutor entre o trabalho de cada uma. “Estou muito ocupada com temas femininos, mas não vejo isso na Eliane Caffé ou na Laís Bodansky por exemplo. São escolhas pessoais, não de gênero”, disse Amaral. É verdade, porém, que muitos filmes escritos e dirigidos por mulheres oferecem bons papéis femininos – como “Hoje” , de Amaral, e “A Memória que me Contam” , de Murat, ambos lançados este ano. “Não acho que tenho uma perspectiva feminista de buscar retratar a mulher. Mas trabalho questões que conheço, então é mais confortável escrever esses papéis”, justificou Murat. Ela lembra, porém, que os homens são maioria em um de seus trabalhos mais famosos, “Quase Dois Irmãos”. “Mas eu considero o filme profundamente feminino”, opinou. “Não é questão de papel principal. É questão de olhar.” |
Fonte: IG
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