Participar tão de perto da construção e aprovação na Câmara dos Deputados do texto da reforma tributária, uma das discussões econômicas e sociais mais importantes do nosso país, foi certamente um dos momentos mais recompensadores da minha atuação política até hoje.
O machismo e toda a violência que o segue, a sobreposição de pautas fisiológicas a pautas programáticas e o nível de polarização que estamos enfrentando fazem com que o Congresso Nacional seja um lugar bastante hostil para pessoas como eu, o que significa que já me perguntei diversas vezes se os sacrifícios pessoais valem mesmo a pena.
São em momentos históricos, como o dia em que derrubamos o veto presidencial à Lei de Distribuição de Absorventes ou, mais recentemente, destravamos um debate de 35 anos e aprovamos a reforma tributária, que eu tenho certeza que sim. Não só é necessário, como vale a pena ocupar a política.
Apesar de sermos maioria na população brasileira, termos uma bancada feminina com 91 deputadas e a composição feminina na Câmara ter aumentado em 18% desde a última eleição, a minha presença no grupo de trabalho da reforma tributária só se deu depois de muita articulação e persistência. Independentemente de ter pleiteado a minha participação desde o início, no imaginário coletivo, discussões econômicas, especialmente as mais densas, não são assuntos do interesse de nós, mulheres. Não fosse a minha indicação pela bancada Feminina, que só conseguimos concretizar semanas depois do início dos trabalhos, nenhuma mulher teria participado dessa discussão na linha de frente.
Tenho interesse nos mais diferentes aspectos do sistema tributário, da simplificação à transparência, pois sei do impacto de cada uma dessas discussões para o desenvolvimento econômico e social. Mas sempre tive muita clareza que o contexto exigia que eu levantasse com ainda mais ênfase temas que, de outra maneira, muito provavelmente passariam despercebidos, como é o caso da pauta ambiental e do combate às desigualdades.
Admiro todos os congressistas que integraram o grupo de trabalho, especialmente pela abertura que demonstraram às questões levantadas por mim. Mas eu sabia que, para que essas pautas andassem, eu precisaria falar alto. Só assim elas não se perderiam em meio a todo o barulho causado pela esperada disputa entre os diferentes setores.
Com o tempo, o resultado veio. Incluímos no texto um olhar para a justiça social. Conseguimos que o programa de cashback tenha como diretriz a redução da desigualdade de renda, assim como alíquotas reduzidas para produtos de saúde menstrual e equipamentos de acessibilidade para pessoas com deficiência, e, finalmente, a cobrança de IPVA sobre iates e jatinhos. Avançamos também na pauta ambiental, assegurando que o Fundo de Desenvolvimento Regional priorize projetos de preservação ao meio ambiente e a inclusão da defesa do meio ambiente como princípio do Sistema Tributário Nacional.
A negociação com Estados, municípios e os mais diferentes setores se deu até o último momento. Exemplo disso foi que, pouco antes do início da votação, conseguimos incluir no texto a permissão de concessão de incentivos tributários para a revitalização de centros históricos, para que a população e as empresas voltem para essas regiões. Desenhei essa proposta tendo como modelo a exitosa experiência da cidade do Porto, em Portugal, e buscando uma resposta para o abandono que vem tomando conta dos centros de grandes cidades, como a minha São Paulo.
Depois de um semestre de muito antagonismo não só ideológico, mas também entre os poderes, foi emocionante ver os 382 votos que permitiram que a reforma tributária fosse finalmente aprovada na Câmara dos Deputados em sua primeira votação. Essa foi a primeira vez, inclusive, que uma reforma tributária foi aprovada em regime democrático no Brasil. Fazer avançar uma discussão estruturante de forma suprapartidária nos deu um sinal há muito esperado, de que a boa política ainda é possível. Mais que isso, de que ela é o único caminho para a nossa jovem democracia.