Entidades alertam, principalmente, sobre duas propostas, em tramitação no Congresso, que colocam em risco as garantias já conquistadas pelas mulheres
A PEC 18/2021 e o projeto de lei 1951/2021 já receberam aval do Senado e seguiram para a Câmara
Mudanças sugeridas nos textos desobrigam os partidos a adotarem medidas de incentivo à participação de mulheres na política
Diante das diversas discussões no Congresso Nacional sobre as reformas política e eleitoral, movimentos de defesa dos direitos das mulheres fazem um alerta para duas propostas que colocam em risco as garantias já conquistadas até agora no país para promover e consolidar a participação feminina na política.
Dois textos, já aprovados no Senado, são motivos de preocupação: a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 18/2021 e o projeto de lei 1951/2021. Ambos precisam ser analisados pela Câmara.
As principais mudanças sugeridas nos textos desobrigam os partidos a adotarem medidas de incentivo à participação de mulheres na política, como:
Fim da necessidade de as siglas destinarem 5% do Fundo Partidário para promoção da participação de mulheres na política
Percentual de 30% do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, que os partidos devem destinar a mulheres, passa a ser o teto de investimento sem elevação proporcional conforme o número de candidatas
Fim da garantia de que 30% das candidaturas sejam de mulheres
“Há lacunas graves no que diz respeito à participação das mulheres e a legislação precisa servir para tratar dessas lacunas. Não para garantir que a desigualdade se perpetue”, avaliou Clara de Sá, advogada, cofundadora e diretora do Instituto Alziras, organização sem fins lucrativos que atua para ampliar a participação política das mulheres.
A PEC 18/2021 permite que os partidos não sejam obrigados a destinar 5% dos recursos do Fundo Partidário para promoção da participação feminina na política.
De acordo com Gabriela Araújo, advogada, professora de Direito Eleitoral e coordenadora do Observatório de Candidaturas Femininas da OAB-SP, a proposta dá aval para que as legendas utilizem toda a verba de uma vez nas campanhas eleitorais. “É importante que as mulheres participem da vida política e não só em época de eleição”, destaca.
A PEC é criticada ainda porque concede anistia a todos os partidos que não tiverem destinado a taxa de 5% do Fundo Partidário nos últimos anos para a capacitação das mulheres. “É uma forma de você excluir as mulheres da vida política e querer que elas de repente apareçam só em ano eleitoral”, completa a advogada.
Miguelina Vecchio, coordenadora-geral do Fórum Nacional de Instâncias de Mulheres de Partidos Políticos e vice-presidente nacional do PDT, também chamou a atenção para a importância de se investir na formação daquelas que querem ingressar na política.
“A democracia não vive só de eleição. Ela vive de militância, de discussão política, de engajamento social, de capilarização na sociedade civil. Ela vive numa série de coisas que não são reduzidas a uma eleição”, avaliou.
Na busca por ampliar o debate e evitar que as mulheres percam direitos já conquistados, as representantes desses movimentos e entidades fizeram diversas reuniões em Brasília. Um dos encontros foi com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso. Uma nova reunião com o ministro deverá ocorrer neste mês.
Outro alerta feito é sobre o financiamento para as candidatas. A proposta abre brecha para que o percentual de 30% de recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, que precisa ser destinado às mulheres pelas siglas, represente o teto de garantia de verbas.
A regra atual determina que os recursos devem subir de maneira proporcional, de acordo com o número de candidaturas femininas apresentadas.
Reserva para candidatas: o que pode ocorrer
Outro projeto que preocupa as organizações é o 1951/21. O texto garante reserva de cadeiras nos Legislativos para as mulheres, mas retira as obrigações relacionadas à reserva de candidaturas nos pleitos.
Atualmente, os partidos precisam garantir, de maneira proporcional, que 30% das candidaturas sejam de mulheres e 70% de homens. Caso não alcancem esses percentuais, as legendas precisam retirar homens das chapas para cumprir com a cota exigida e, assim, receber os recursos previstos pelo TSE.
Essa regra não vai mais valer caso o projeto seja aprovado porque desobriga as siglas de cumprirem com os 30% de candidaturas femininas.
Com base na atuação e acompanhamento feito pelo Instituto Alziras, Clara de Sá faz um alerta sobre esta possível mudança na regra vigente. “Muitas mulheres eleitas nos reportaram que a obrigação dos partidos em ter 30% de vagas para candidatas foi decisiva para sua entrada na vida pública”, destacou.
O mesmo projeto prevê que haverá uma reserva de cadeiras de 18% nos Legislativos e a meta é alcançar 30% em até 20 anos. Os percentuais serão elevados de maneira gradativa. Gabriela Araújo destaca, porém, que o objetivo do Brasil, colocado no projeto, que deverá ser alcançado em duas décadas, já representa a média mundial de participação feminina nos Parlamentos.
Atualmente, a média brasileira é calculada com base na Câmara dos Deputados e é de 15%, segundo a advogada. Além disso, ela destaca que a perspectiva é a de que, nas eleições de 2022, já se alcance naturalmente 18% de ocupação.
Riscos podem ser ainda maiores
A advogada Gabriela Araújo avalia ainda um outro possível resultado caso o projeto de lei 1951/21 seja validado pelo Congresso diante da possibilidade de o retorno das coligações ser aprovado também pelo Senado, além da Câmara.
Sem as coligações, cada legenda precisa cumprir com a reserva de 30% de candidatas mulheres. Com a permissão da junção de siglas novamente, dois, três ou mais partidos terão que cumprir a cota estipulada pelo TSE.
Isso significa que um partido da coligação, por exemplo, poderá não ter nenhuma candidata, ressalta a coordenadora do Observatório de Candidaturas Femininas da OAB-SP. “Se você olhar o todo da reforma que está sendo proposta, em conjunto, pode ser um desastre”, avalia.
Articulação necessária em todos os níveis
Os debates ocorrem no Congresso e, caso as propostas sejam aprovadas, as mudanças valerão para todas as esferas: federal, estadual e municipal.
Deputadas estaduais ouvidas pelo Yahoo! Notícias se posicionaram contra as possíveis novas medidas, mas admitem que na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), por exemplo, é preciso organizar a mobilização para pressionar pela derrubada das propostas.
A deputada Martha Rocha (PDT) disse que irá compartilhar com as colegas porque, segundo ela, ao focarem no dia a dia na Alerj, acabam não acompanhando o que ocorre no Congresso Nacional.
A parlamentar fez críticas às possíveis mudanças e destacou a não obrigatoriedade de reserva de 30% nas eleições. “Ficarão como apêndice, muito mais para fazer coeficiente eleitoral. Vai reduzir o número de cadeiras conquistadas”, avaliou.
Também da Alerj, a deputada Renata Souza (PSOL), lamentou o avanço de propostas como estas no Congresso. “Sem dúvida nenhuma enfraquece a própria democracia”, afirmou.
A deputada Isa Penna (PSOL), da Assembleia Legislativa de São Paulo, destacou que a legenda irá “lutar contra retrocessos em todos os níveis”. E fez ainda uma observação sobre como o debate avança no Congresso. “A forma com que essas mudanças vêm caminhando, de forma apressada, em um contexto de pandemia, e sem qualquer vinculação aos debates mais recentes que vêm sendo realizados acerca da participação das mulheres na política é extremamente prejudicial”, pontuou.
Fonte: Yahoo notícias