O estilo, a trajetória e as controvérsias que transformaram o governador de Pernambuco num recordista de popularidade, protagonista da política nacional e nome incontornável nas conversas sobre a sucessão presidencial – embora ele insista em negar ser candidato… O governador Eduardo Campos, de Pernambuco, é um ótimo piloto de cadeira giratória de rodinhas. Logo ao sentar-se, elegante e espaçoso, já sublinha a que veio. A cadeira é uma das 13 de uma grande mesa preta, em forma de U, na sala de reuniões contígua a seu gabinete. Não terá um minuto de sossego por quase três horas. Campos a manobra para todos os lados possíveis, a esporeia com o ritmo acelerado de sua fluência verbal e, quando a leva, num tiro curto, em direção ao interlocutor, o dorso ainda atlético de 47 anos também assoma, enfático. Seus translúcidos olhos verdes são, surrupiando um autor contemporâneo, como pássaros querendo voar para fora da cara. Campos é, sobretudo, olhos. Na beleza variante da cor, que fisga a atenção, e, principalmente, na mirada, no manejo que lhes sabe dar, ora águia, ora cobra, focados na sedução. “Sedutor” é um recorrente qualificativo até entre adversários regionais – como o senador Humberto Costa, do PT, ou o deputado federal Mendonça Filho, do DEM. Campos sabe que, nos dois casos, o sentido é “cuidado com ele!” – ambos, afinal, são vítimas de peia eleitoral. Mesmo assim, não desgosta. Não é o caso quando é chamado de “coronel”, como fez a revista britânica The Economist em reportagem recente, que também registrou seu lado de gestor dinâmico e empreendedor à frente do Estado que governa pela segunda vez, com aprovação recorde – 89% na ultima pesquisa. Provocado -“O senhor leva mesmo um jeitão de coronel…”-, Campos não esconde o desconforto. Leva a cadeira para a frente e para trás, dá uma brusca freada de general e responde: – Isso só acontece quando alguém nasce por aqui. Nunca vi um rótulo desses num político carioca, paulista ou mineiro. Então lamento, porque é uma coisa desqualificando. Que maneira tenho de botar ordem aqui? “É um coronel.” Tá bom. (Falar) é um direito (deles). Fazer o quê? Entre dez governadores pesquisados pelo Ibope no final’ do ano passado, Campos obteve a maior aprovação: 34% acham sua gestão “ótima”; 45%, “boa”; 15%, “regular”; 4%,“ruim”; e 3%,“péssima”. É tamanha popularidade que explica por que tantos políticos têm se aproximado dele e que seja impossível discutir a sucessão da presidente Dilma Rousseff sem que seu nome venha à tona. Ele próprio negou, em entrevista publicada por ÉPOCA em dezembro, que pretenda se candidatar à Presidência. Na ocasião, disse que “sem dúvida” apoiaria a reeleição de Dilma. É nessa canoa que os pés de Campos estão, ambos. Antes da eleição municipal de Pernambuco, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estava disposto a costurar sua candidatura a vice, já em 2014. Depois que Campos praticamente humilhou o PT, ao lançar candidato próprio à prefeitura do Recife – e vencer -, Lula e Dilma sabem que ficou mais difícil. O desejo de ambos é mantê-lo na canoa para, quem sabe?, um voo solo em 2018. Ser ministro de Dilma reeleita, em Pasta de visibilidade, é uma possibilidade. Seu peso político e sua popularidade são resultados de sua gestão. Pernambuco é a décima economia do país e soma 2,5% do PIB brasileiro – mas tem crescido de modo mais consistente e mais rápido que o país: 4,2% ao ano entre 2002 e 2010, para uma média nacional que beira os 4%, de acordo com o IBGE. Na avaliação do secretário estadual de Planejamento, Fred Amâncio, o crescimento será ainda mais expressivo quando entrarem em operação megainvestimentos em implantação. É o caso da fábrica da Fiat, no município de Goiana, e da Refinaria Abreu e Lima, no complexo industrial de Suape. As duas iniciativas ajudaram a mudar o perfil econômico do Estado. A participação do setor industrial na riqueza de Pernambuco passou de 10% para 25%. Outra mudança significativa implementada por Campos foi na educação. Ele investiu no ensino básico e, num projeto-piloto, 200 escolas do Estado passaram a dar aulas oito horas por dia, em vez de quatro. Também aumentou o salário dos professores e ofereceu-lhes bônus por desempenho. O objetivo é estender essa política a todas as escolas públicas e incentivar as cidades a fazer o mesmo no âmbito municipal. “Conheço, hoje, categoricamente, cada lugarzinho desse Estado”, diz Campos, apontando um mapa ampliado, com os 185 municípios de Pernambuco, na sala de reuniões onde deu entrevista a ÉPOCA. Salas com mesa em U viraram um ambiente-padrão do governo eduardiano. É nelas que ocorrem as temidas e tensas reuniões de monitoramento – onde Campos controla, um olho no gato, outro no peixe, se seus subordinados estão cumprindo as metas. TPM, lá, ganhou o apelido de Tensão Pré-Monitoramento.“ Falam até em tortura chinesa”, diz o secretário de Imprensa, Evaldo Costa.“Para quem não faz seu dever, né?”, diz Campos. Não é retórica. Em Pernambuco, em seu primeiro mandato, monitoramento e gestão saíram do discurso para virar leis. Uma detalhou formas de controlar cada ação do governo. Outra criou os cargos técnicos necessários para isso. No ano passado, Campos comandou 36 dessas reuniões, coisa de 148 horas de peroração e 1.300 encaminhamentos práticos. Liga na hora para ministros que possam liberar recursos contratados ou desemperrar a burocracia. Ou então para empresários que não cumprem o cronograma do contrato. No caso de um hospital atrasado, o empresário prometeu pôr a equipe a braços até nos fins de semana. No primeiro domingo, à Jânio Quadros, Campos foi à obra, conferir. Era um deserto – de lá mesmo, por telefone, ele esbravejou. Como conhece em detalhes o,varejo e o atacado de todas as metas que pretende atingir – neste ano são 361 -, Campos não tem pejo em falar mais grosso. Muito menos de chamar à fala, até grosseiramente, quem tenta enrolar. “Não dou intimidade a problema”, diz. Para este ano, estão previstas 40 reuniões de monitoramento, somando 150 horas. É claro que essa dinâmica, que estica nervos, impõe uma cascata de reuniões de monitoramento em todos os órgãos da máquina estadual. O estágio de cumprimento das metas recebe cores – verde, amarelo e vermelho. “Estou verde, governador!” – no sentido de ter cumprido a meta – é frase que o enleva. Campos trabalhou e continua trabalhando para não ter adversários públicos que mereçam o nome. Sua penúltima façanha foi a inacreditável aliança com o senador Jarbas Vasconcelos. Aliado antigo – quando prefeito (1986-1988), Campos, então no PMDB (de 1983 a 1990), ganhou seu primeiro cargo público -, Jarbas virou o renhido e bocudo adversário nos últimos anos. Para só citar um exemplo recente: fez barulho, em 2011, seu pronunciamento no Senado contra a ida de Ana Lúcia Arraes de Alencar, mãe de Campos, para o Tribunal de Contas da União. “Isso não é modernidade”, disse Jarbas. “É nepotismo, é política do compadrio, do coronelismo. É atraso do pior tipo possível. É um exemplo do vale-tudo na política.” Como engolir um sapo desses? “Em hora nenhuma ele fala de minha mãe”, diz Campos, dando palmadas rítmicas no braço direito da cadeira. “Houve um sinal de amigos comuns dizendo que Jarbas queria falar comigo. E aí eu disse: ‘Não tem problema, como ele quiser fazer’.” Ana Lúcia Arraes de Alencar e o quase bacharel em Direito Maximiano Accioly Campos apaixonaram-se, no Recife, em 1963. Marcaram o casamento para 9 de agosto de 1964. Maximiano, boa estampa e filho de usineiro, tinha 23 anos, um temperamento difícil e um romance pronto (Sem lei nem rei, hoje facilmente encontrado pela internet). Ana era linda e tinha 18. Seu pai, Miguel Arraes de Alencar, governador deposto de Pernambuco, era preso político na ilha de Fernando de Noronha. Estava na cadeia desde o golpe militar de 1964, a que não aderiu (ao contrário de seu vice-governador, que assumiu o posto). Órfã de mãe – que morrera, com 36 anos, em 1961 -, Ana Lúcia não se conformou em casar sem a presença do pai. Destemida, foi ao general de plantão. Campos, emocionado, narra assim: – Não lembro se foi o (general Antônio) Bandeira ou se foi o (general) Justino (Martins). Ela foi lá e disse: “Olhe, ele é um preso político, mas ele é pai. Eu tenho 18 anos, já não tenho mãe e gostaria de ter o direito de meu pai estar no meu casamento”. O general autorizou o casamento na Base Aérea. Doutor Arraes foi levado em avião militar, com um aparato repressivo completo. Porque havia, do lado da repressão, versões de que seria uma oportunidade para ele ser resgatado. Ele só assistiu ao casamento e voltou.
Em maio de 1965, Arraes seguiu para o exílio, com a segunda mulher (Maria Magdalena, a Madá, ainda viva), a primeira filha desse casamento e sete filhos do primeiro. Só a recém-ca-sada Ana Lúcia não foi, mais por Maximiano, introspectivo e avesso a viagens de avião. Eduardo Henrique Accioly Campos (ou Dudu) nasceu em 10 de agosto de 1965, um ano e um dia depois do casamento. Não tem Arraes no nome – nem ele nem seu único irmão, o advogado e escritor Antônio Campos (ou Tonca), três anos mais novo. Maximiano não quis. Por seis anos, a família morou na fazenda Três Marias, no município de Vitória do Santo Antão, a 50 quilômetros do Recife. “Era uma vida bem rural, muito simples, mas muito amena”, diz Campos. Ana cuidava para que escrevesse aos avós e aos tios – e dava ênfase na leitura das respostas que chegavam. “Não tinha Facebook, não tinha Skype.” Em 1976, Ana levou Dudu, com 10 anos, e Tonca, com 6, para conhecer o avô e a família exilada. Foi a primeira vez que todos os filhos de Arraes se reencontraram. Maximiano não foi. Ficaram um período em Argel, outro numa cidade litorânea da França – onde nasceu o segundo filho de Arraes com Madá. Campos não fica à vontade quando a conversa passa pela história do pai. Escritor compulsivo e angustiado -deixou uma obra extensa, com altos e baixos, que Tonca não cansa de reeditar (com patrocínio do governo federal) – Maximiano sofria de depressão. Nos maus momentos, que não foram poucos, todos em volta sofriam com ele. Nos bons, era ótimo. Campos fica circunspecto e emocionado quando ouve a leitura de frases literárias de Maximiano: “A gente não pode acreditar somente no que vê. O que a gente vê é muito pouco para o que existe no mundo”; “O que dá valentia ao homem não é o lugar que ele nasce. É o gênio que possui e a necessidade da hora”. “Meu pai deixou para nós um legado de muita austeridade”, diz Campos. “Foi um homem de muita coragem, muito leal, muito sério, um homem que sempre valorizou o conhecimento.” Um de seus amigos, o poeta Ângelo Monteiro, escreveu seu perfil: “Uma de suas características mais notáveis consistia em seu olhar de observador que, logo à primeira vista, deixava as pessoas um pouco perplexas: porque costumava observar, assim que lhe eram apresentadas, dos pés à cabeça. Com aquele seu ar de amável mafioso, as pessoas, arrastadas por sua ágil conversação, terminavam, já descontraídas, bem menos perplexas. Esses e outros ingredientes, entre os quais uma afiadíssima ironia e uma capacidade de imitar tipos e situações vexatórias, faziam dele um dos melhores conversadores que conheci”. Está aí, afora o “amável mafioso”, uma boa aquarela do filho governador, e socialista, também um craque na arte de contar causos e fazer imitações. Dia desses, em jantar no Planalto, com outros convidados, fez a presidente Dilma dar risada com imitações do ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti. Durante a entrevista, Campos manobrou a cadeira para bem perto da mesa e incorporou um impaciente Doutor Arraes tamborilando nervosamente a borda, falando muito baixinho. – É verdade que Arraes grunhia, de propósito, para o interlocutor desistir da conversa? – Isso é o folclore que conta. Na verdade, os sertanejos falam muito baixo, até para gastar menos energia. É fisiológico. Os Arraes falam muito assim. A conversa dele com as irmãs é um negócio que você achava que tinha de botar um aparelhozinho. E se entendiam (imita a conversa). Uma cena bizarra. Em 1979, aos 13 anos, Dudu reviu o avô quando ele voltou do exílio. O ex-ministro da Justiça Fernando Lyra (e irmão do vice-governador João Lyra) lembra, em seu apartamento com vista para o mar, em Jaboatão dos Guararapes, que o garoto já ajudara na panfletagem de sua campanha vitoriosa a deputado federal, pelo MDB, no ano anterior. “Eduardo foi precoce”, diz Fernando Lyra. O então líder metalúrgico Lula estava presente na concorrida recepção a Miguel Arraes – e essa foi a primeira vez que Campos o viu. Na universidade, onde conheceu e conquistou Renata, ou vice-versa, Campos foi bom aluno e líder estudantil, da esquerda moderada. “lá tinha carisma”, diz o deputado estadual socialista Waldemar Borges, contemporâneo de faculdade e ex-secretário de Campos em seu primeiro mandato. “Com Eduardo não tem espaço para embromation.” Formado economista em 1985, com 20 anos, Campos teve oportunidade de fazer mestrado nos Estados Unidos. A política venceu. Depois de assessor, por alguns meses, na prefeitura de Jarbas Vasconcelos, foi ser chefe de gabinete e depois secretário de Governo de Arraes, em seu primeiro mandato depois do regresso (1986-1990). Campos começou como assessor do tio, Marcos Arraes, secretário de Governo do pai. Logo o jovem de 22 anos o atropelou, assumindo a titularidade. “Desde lá já se via que ele queria mais”, diz Marcos Arraes, orgulhoso do sobrinho. Em 1990, por divergências com os partidários de Jarbas, avô e neto foram para o PSB. Campos foi deputado estadual (1990-1994). Em 1992, sofreu sua única derrota eleitoral: quinto lugar, com 25.605 votos, na eleição em que 270 mil levaram Jarbas pela segunda vez à prefeitura do Recife. Ele não fica feliz em lembrar. Uma pirueta na cadeira depois, diz: “Eu era um menino, uma criança”. Tinha 25 anos. Em 1994, os deputados estaduais Campos e João Paulo Lima e Silva (hoje deputado federal pelo PT) tentaram impedir, com outros parlamentares, que a polícia do governador Joaquim Francisco – hoje suplente do senador petista Humberto Costa – cumprisse uma ordem de despejo contra posseiros do Sítio Grande, na periferia do Recife. A polícia os espancou. João Paulo quebrou quatro costelas. Campos trincou uma. “Foi pancada de todo lado”, diz Campos. “Ele foi corajoso”, diz João Paulo, em seu escritório no Ia andar de um hotel três estrelas, na Praia do Pina. João Paulo foi duas vezes prefeito do Recife e secretário no primeiro mandato de Campos. Ele conta que se exonerou porque não conseguiu demitir duas funcionárias protegidas de sua mãe, Ana Arraes. A seu estilo, diz João Paulo, Campos nunca disse a ele que as deixasse em paz. Apenas deixou de recebê-lo. João Paulo sentiu-se desrespeitado – e saiu. Só se reaproximaram na campanha vitoriosa de Dilma. “Eduardo tem um jeito encantador de conquistar”, diz João Paulo. “Ele envolve, valoriza, chama na casa dele.” No mandato seguinte de Arraes (1995-1999), Campos licenciou-se da Câmara para ser, primeiro, secretário de Governo. Depois, secretário da Fazenda. No cargo, foi denunciado, pelo Ministério Público Federal, por emissão fraudulenta de títulos públicos para pagar dívidas pendentes. O caso entrou para a história como “escândalo dos precatórios” e resultou numa rumorosa CPI no Senado – onde Campos depôs, negando a denúncia (a íntegra do relatório da CPI está disponível na internet). A oposição local fez a festa, Jarbas Vasconcelos à frente. A vida virou um inferno. Campos apagou o fogo elegendo-se deputado federal pela segunda vez, o mais votado do Estado. Em novembro de 2003, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, rejeitou a denúncia. A decisão não evitou que o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, o “Conselhinho”, o impedisse, em 2009, de ocupar cargos de administração ou gerência em instituições na área de fiscalização do Banco Central do Brasil (bancos e instituições financeiras). Em março de 2012, os advogados de Campos obtiveram uma liminar que suspendeu a penalidade do “Conselhinho”. “A adversidade é uma professora extraordinária”, diz Campos sobre o caso dos precatórios. “Sobreviver àquilo, só sendo inocente.” Questionado sobre os rumores de que naquele tempo evitava descer no aeroporto do Recife, com medo de alguma reação, as mãos apertam os dois braços da cadeira. Os olhos, por uns segundos, como que soltam chispas. “Isso é mentira. Nunca houve isso. É folclore.” O que mais doeu – e ele jamais esquecerá – foi a reação de filhos mais velhos de Arraes, seus tios. Eles se indignaram com Campos por ter envolvido Arraes naquele escândalo com dimensão nacional. Queriam que Arraes jogasse o neto aos lobos – o que ele se recusou a fazer. Maximiano morreu, de complicações cardíacas, em 6 de agosto de 1998. Flavia muito estava separado de Ana, ambos com novos parceiros. Foi naquele ano que escreveu o poema “Para Eduardo”. O filho era deputado federal. O poema está no livro Do amor e outras loucuras. Na última capa de edição recente, organizada por Tonca, com patrocínio do Ministério da Cultura, da Petrobras, dos Correios e da Chesf, a epígrafe é do poeta Ângelo Monteiro: “Os meus estandartes sem culpa te incomodando”. Um trecho do poema diz assim: Luto limpo, sem calúnias, emboscadas, mentiras, perfídias. Com Campos livre dos precatórios, pelo Supremo, Lula pôde fazê-lo ministro da Ciência e Tecnologia. Ele assumiu em janeiro de 2004 no lugar de seu companheiro de partido, Roberto Amaral.“Eduardo é um quadro que não precisa de ghost-writers e que não abandona projetos”, diz Amaral. Campos tem sua versão para Lula ter se encantado com ele: o apoio desde a campanha de 1989 – quando o candidato de seu então partido, o MDB, era Ulysses Guimarães. Em 1994, contou, Lula ficou particularmente grato por ele ter assumido a responsabilidade pelo comício de encerramento da campanha, no Recife. Em 1998, Campos também somou. Em 2002, foi de Garotinho, no primeiro turno – “o partido decidiu…” diz -, mas estava com Lula no segundo. A melhor explicação para o encanto, que ainda é mútuo, é que o santo dos dois bateu na primeira hora. Lula transferiu para ele o carinho que tinha pelo avô – e Campos soube fazer-se sentir como um querido afilhado. Ambos admiram-se em características semelhantes – carisma, bom humor, capacidade de seduzir (Campos menos), autoridade para mandar (Campos muito mais), conversa para boi dormir (no melhor sentido da expressão)”e capacidade de correr atrás e de fazer acontecer. Campos soube ser fiel nos momentos em que Lula precisava. Em 2005, retirou sua candidatura à presidência da Câmara em favor de Aldo Rebelo. Pesou na balança no vendaval de 2005, em meio às denúncias de Roberto Jefferson, acalmando congressistas que queriam pôr na pauta pedidos de impeachment contra Lula. Campos decidiu ser candidato a governador em 2005, quando ainda era traço nas pesquisas. Com poucos abnegados, palmilhou missionariamente o interior pernambucano, e venceu a disputa. Abatido pelo Escândalo dos Vampiros, o ex-ministro da Saúde e senador Humberto Costa, do PT, não passou ao segundo turno. “Eduardo é um sujeito completamente obcecado pelo poder. Nessa obsessão, são poucos os limites”, diz ele, em seu escritório do Recife. O deputado federal Mendonça Filho, do Democratas, perdeu para Campos no segundo turno. “Eduardo tem mostrado muita astúcia e capacidade de trabalho”, afirma Mendonça Filho. Como governador, o sedutor Campos soube e sabe atrair os recursos do governo federal petista – de longe o maior investidor na economia local, desde o primeiro governo Lula. Para citar só o PAC 2, dados oficiais do Ministério do Planejamento mostram que, entre 2007 e 2010, o investimento federal foi de R$ 33 bilhões. De 2011 a 2014 a previsão*é de R$ 53 bilhões. Lula gostava tanto de Campos que, em novembro de 2005, dois meses depois da morte de Arraes, ofereceu a Campos, a sua mãe, a três tios paternos e a dois sobrinhos uma supercarona no jato presidencial da época, o Sucatão, para que a família do ex-exilado na Argélia pudesse comparecer à homenagem oficial que lhe ofereceu o Ministério das Relações Exteriores daquele país. Os Arraes aproveitaram uma providencial missão comercial à Argélia, liderada pelo então ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Luiz Fernando Furlan. Na volta, preito cumprido, pagaram avião de carreira. O reeleito presidente Lula inundou Pernambuco com recursos de causar inveja a governadores petistas, como Jaques Wagner (BA) e Marcelo Deda (SE). No caso da montadora Fiat e da refinaria da Petrobras, a participação de Lula foi decisiva. Campos fez a contrapartida de uma boa gestão. Lula chegou a pensar nele para vice de Dilma, na eleição de 2010. Discretamente sondado, Campos nem deixou a ideia prosperar. Queria a reeleição. Venceu Jarbas Vasconcelos com quase 3 milhões de votos de diferença, no primeiro turno. A primeira estranheza de Lula com Campos foi a insistência empedernida com que ele quis a mãe como ministra do Tribunal de Contas da União. Lula já era ex-presidente, não entendeu, mas apoiou. A segunda – já uma decepção, dele e, até mais, da presidente Dilma – foi Campos ter humilhado s o PT, com crueldade, na eleição para prefeito. Geraldo Júlio, ex-secretário de Campos, ganhou, já no primeiro turno, de Humberto Costa. Outro derrotado foi o candidato tucano Daniel Coelho, deputado estadual. “Eduardo não se satisfaz com a maioria, só com a unanimidade”, diz Coelho, em seu gabinete na Assembleia Legislativa. “Nossa diferença está no conteúdo do governo”, diz Campos. “Pergunte a um secretário meu: quando você foi nomeado, Eduardo lhe deu um envelope com três currículos para colocar lá? Pergunte. Nunca agi dessa forma. Eu delego, desconcentro.” O que mais impressiona, em sua ênfase, além da coadjuvância da cadeira, é que ele e sua mulher, Renata de Andrade Lima Campos, têm, somados, umas duas dezenas de parentes ou aderentes em cargos de confiança no governo. Tudo dentro da lei, registre-se. O pai de Renata, Cyro de Andrade Lima, médico gastroenterologista aposentado, é membro remunerado do Conselho de Administração da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa). Cunhada, ex-cunhado, sobrinhos, sobrinhas, primos, tios… Faz tempo que essa relação veio a público e circula na internet, sem desmentido dos empregados ou do empregador. O critério de Campos, ao não aceitar a acusação de nepotismo, é que, em nenhum dos casos, as indicações ferem o que determina a lei – que não impede que uma estatal contrate um sogro ou um sobrinho. Um exemplo: no governo federal, seu tio Marcos Arraes de Alencar foi indicado pela presidente Dilma, a pedido de Campos, para diretor da estatal Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia, Hemobras, onde ocupa a diretoria de administração e finanças. A cadeira volta a fazer meio círculo: “Fomos o primeiro governo, dos 27 do Brasil, a aprovar, antes da União, uma lei contra o nepotismo. Você acha que, a esta altura, se eu tivesse algum parente que ferisse a lei de nepotismo, já não tinha umas dez ações na Justiça? Pelo amor do Santo Deus!” Pernambuco também é, hoje, o único Estado do país onde há um jornalista preso, há quatro meses, sob tutela da Polícia Civil. Ele se chama Ricardo Cesar do Vale Antunes. Tem 50 anos, 30 de profissão, e divide uma cela no Centro de Observação e Triagem Professor Everardo Luna (Cotrel), no município de Abreu e Lima, a 12 quilômetros do Recife. É uma cela para presos com curso superior, conhecida como prisão especial. “Sou o único preso político do país”, diz Antunes. “Ricardo é um pobre coitado, um infame, um miserável”, afirma Campos. Antunes está condenado, em primeira instância, pelo crime de lesão corporal leve – um tapa no rosto de uma funcionária de uma companhia aérea. Como recorre da sentença, é, tecnicamente, réu primário. Há uma dúzia de outros processos em tramitação com seu nome – ora como réu, ora como autor. Em março do ano passado, criou o blog Leitura Crítica. Um dia escreveu que o “Imperador” Eduardo Campos não cuidava da seca como devia. Seu personagem preferido era o cientista político, banqueiro e marqueteiro Antônio Lavareda. Nos meses que antecederam à eleição municipal, Antunes publicou, no blog, que Lavareda apoiava a campanha de Geraldo Júlio, o candidato de Campos a prefeito, e que a mulher de Lavareda fechara um contrato sem licitação com a prefeitura. Publicou também que Lavareda se aproximara de Campos de olho em sua possível candidatura em 2014 – algo que ambos negam. Antunes foi preso em flagrante, a dois dias da eleição municipal do último dia 5 de outubro, ao sair do escritório de Lavareda com R$ 50 mil, sob a acusação de extorsão (crime inafiançável) contra ele. Antunes afirma que não houve extorsão nenhuma. “Os R$ 50 mil eram apenas uma parte do que Lavareda me devia, e ainda me deve.” Antunes diz que, quando trabalhou para Lavareda, como assessor de imprensa, agenciou um contrato com a Confederação Nacional da Indústria e que Lavareda ficou lhe devendo R$ 2 milhões em comissões. Lavareda afirma que estavam quites. A Justiça decretou a prisão preventiva de Antunes. Seus advogados entraram com pedidos de habeas corpus. Até aqui a Justiça os rejeitou. A primeira e a segunda instância recusaram o pedido dos advogados de Lavareda para a retirada, no blog Leitura Crítica, de todos os textos em que ele está citado. Seria censura, consideraram. Mas o desembargador da segunda instância proibiu Antunes de voltar a escrever sobre Lavareda. Procurado por ÉPOCA, Lavareda negou que tivesse tratado da questão com Campos. No final do ano passado, Campos foi espairecer numa viagem à Europa com a mulher e os quatro filhos. Nada de relaxamento no monitoramento rigoroso – seu vice, João Lyra, seguiu o cronograma estabelecido. É claro que o estilo faz alguma diferença – Lyra não tem olhos perscrutadores, agradecem os monitorados -, mas o controle não se perde. Campos e sua família – Renata, Maria Eduarda, João Henrique, Pedro Henrique e José Henrique, para combinar com o seu Eduardo Henrique passaram 15 dias principalmente na Itália. O sertão de Pernambuco ardia, como ainda arde, na pior seca dos últimos 50 anos. “A viagem do governador foi um presente dos secretários de Estado”, diz Evaldo Costa, secretário de Imprensa. Ele estima entre R$ 600 e R$ 1.000 quanto cada um pagou. É possível que, em qualquer outro Estado, houvesse estranhamento. Mas não em Pernambuco. Para onde quer que se olhe – imprensa, Legislativo, Judiciário, ONGs, entidades de classe -, Campos não tem nada que se possa realmente chamar de oposição. São esses apoiadores os que mais plantam notícias, na imprensa, sobre sua possível candidatura à Presidência. Campos encerra a questão com uma frase retórica: “Tem gente que parte do eleitoral para o político. Minha verdade é partir do político para o eleitoral”. E dá mais um rodopio na cadeira giratória. |
Revista Época – Luiz Maklouf Carvalho
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