As salas dos partidos de centro ficam no primeiro pavimento do Congresso Nacional. Através de suas janelas de vidro do teto ao chão, os líderes partidários que regem a vida nacional podiam assistir, na semana passada, a dispersão da marcha das Margaridas —que reuniu 100 mil mulheres de todo o país na luta por justiça ambiental— enquanto discutiam o fim da lei de cotas para candidaturas femininas. Nenhuma mulher presente à mesa.
Depois do escândalo do laranjal do PSL, quem quer ser o próximo pego em flagrante? Até setembro, um ano antes do início das eleições de 2020, alguma solução precisa ser encontrada. Não à toa, o primeiro projeto de lei a circular sobre a extinção das cotas foi proposto por duas mulheres úteis: a presidente nacional do Podemos, Renata Abreu, com relatoria da deputada do PSL Bia Kicis.
Na justificativa ao projeto que pretende acabar com a punição aos partidos que não cumprirem a lei de cotas, Renata Abreu diz: “Buscamos afastar entendimentos equivocados, garantindo que os partidos mantenham a busca por candidaturas de cada gênero, mas que não sejam penalizados pelo quadro político que se apresentar em cada pleito”. Não há equívoco algum: se não há pena por não cumprir a lei, a lei não será cumprida por boa vontade. E se os partidos abrem mão de sua atribuição democrática de apresentar um quadro político representativo a cada pleito, melhor redigir um projeto pedindo a extinção dos mesmos.
Diante dos limites autoimpostos pela redação do projeto, a dupla tornou-se inútil e os líderes de centro entraram em campo. Neste momento, eles trabalham em um substitutivo. A disputa pelo consenso opõe primitivos a esclarecidos.
Por primitivos entenda-se aqueles que estão confortáveis em ver o Brasil ocupar a posição 133 no ranking Mulheres no Parlamento, que a IPU (Inter-Parliamentary Union) divulga anualmente para alertar sobre a dificuldade do acesso das mulheres aos espaços de tomada de decisão.
O fato de até regimes sexistas, como a Arábia Saudita, que violam sistematicamente direitos das mulheres, terem números melhores que os nossos não os envergonha. Os primitivos são líderes que se eximem de responsabilidades históricas, entre eles o “líder” do DEM, Elmar Nascimento, o mesmo que encampou a anistia aos partidos que não investiram 5% do fundo partidário em formação de mulheres.
Do outro lado, entre os esclarecidos, estão o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o líder do PP, Arthur Lira (AL). No grupo de pressão, em defesa dos direitos das mulheres, militam as deputadas Margarete Coelho (PP-PI), Prof. Dorinha (DEM-TO), Soraya Santos (PL-RJ) e a senadora Simone Tebet (MDB-MS).
O pleito delas é pela manutenção das cotas e, como explica Margarete à coluna: “Lutar por novos mecanismos de incentivo à participação de mulheres na política, como a destinação de mais recursos dos fundos partidário e eleitoral, a reserva de cadeiras para mulheres no Parlamento e a adoção de democracia interna nos partidos, que permita às mulheres voz e vez nos órgãos de direção partidária”.
Porém, o substitutivo que hoje ganha força extingue os 30% das cotas, mantém os 30% do fundo de campanha e os 5% para formação, além de propor que as deputadas federais tenham peso dobrado na contabilidade do fundo partidário. A grande treta é a reserva de 20% das cadeiras proposta pela bancada feminina.
Mas é preciso estarmos atentas ao voto do ministro Fachin, que obrigou os partidos a destinarem 30% do fundo de campanha às mulheres a partir de 2018. Fachin chegou a este número por equivalência aos 30% da lei de cotas.
Acabar com a lei de cotas será o primeiro passo para acabar com o fundo de campanha? Se essa for a ideia, vamos descobrir que não existe distinção entre líderes esclarecidos e primitivos.
Fonte: Folha de S. Paulo