A radialista e ativista Mara Régia Di Perna falou, durante um bate-papo com o Correio, sobre a luta pelos direitos femininos à frente do programa de rádio Viva Maria
Mara Régia Di Perna, publicitária, jornalista e ativista na defesa das mulheres, foi a convidada da edição desta segunda-feira (19/6) do Podcast do Correio Braziliense. Durante o papo com as apresentadoras Sibele Negromonte e Adriana Bernardes, a radialista falou sobre a trajetória à frente do programa Viva Maria, além do trabalho desenvolvido com as mulheres do Amazonas e a luta pela preservação do meio ambiente. “É triste que, ainda hoje, a gente está como se estivesse lá nos anos 1980, brigando para fazer valer palavra de mulher”, observa.
Quando o Viva Maria começou? Como foi a história de criação?
Tive meu batismo em 1975. A Organização das Nações Unidas (ONU) criou a década da mulher, que seria 10 anos para avanços e cumprimento de metas pela equidade e resistência. E eu participei da primeira manifestação da minha vida, das feministas inglesas que estavam iradas com a possibilidade de o parlamento inglês mudar a lei do aborto. Eu morava em Londres. As mulheres europeias iam fazer aborto na Inglaterra por lá ter permissão e isso onerava os cofres do Reino Unido e houve essa tentativa de mudança na lei do aborto. E participei daquela manifestação monstra. Eu tive uma catarse que me fez aliar a essas mulheres guerreiras e ativistas. Fui à casa de Anne Frank e tinha uma exposição que dizia: “A discriminação e o preconceito não são coisas do passado”. E, ao lado, a foto estampada, em frente à casa, do Vladimir Herzog enforcado. Aquilo me deu uma percepção do Brasil, visto de lá, no momento de trevas. E isso me causou indignação e entrei em contato com experiências de SOS para acolher mulheres vítimas de violência pela TV e rádio e fui me antenando, até me tornar uma líder de mulheres de antenas.
Nessa época você não era jornalista ainda?
Não, mas eu fazia arte. Eu estudava em uma escola de arte e passava meus fins de semana em Paris para ver os museus. Eu ficava muito só, porque meu ex-marido tinha que ir para a Holanda e, por isso, fui para a casa de Anne Frank. E lá é um centro de estudos para transporte e mobilidade urbana.
Quando que caiu a ficha que você havia se tornado uma feminista, consciente da necessidade de luta e resistência?
Essa manifestação foi meu batismo. Eu comecei a observar, à distância, dessa cidadania para a nossa. O programa voltou em 1981 e entrei no rádio pela Rádio Nacional da Amazônia por indicação de um amigo da UnB. E eu falei: ‘nunca entrei num seringal, não tenho essa experiência’. Mas ele disse para eu ir. E assim foi: fiz uma prova no Jornal do Seringueiro e comecei pela Amazônia. Comecei a vislumbrar aquele universo, recebendo cartas de pessoas que tiveram o filho vitimizado por uma onça ou jacaré. Na época, os locutores de muita fama recebiam até pepita de ouro na carta. Mas engravidei e saí de licença e, quando voltei, por um acaso, havia um espaço vazio na programação e nosso gerente queria ocupar com algo novo. Por acaso, o grupo Corpo estava com a peça Maria, Maria. Então, eu fui ao show e nasceu o Viva Maria. A estreia foi um fracasso, porque estreei rouca, cheguei em casa e minha mãe disse para fazer um concurso público. E começamos a chamar as mulheres do movimento, muitas feministas históricas da cidade.
O programa era nacional ou voltado para a Amazônia?
Era aqui. Porque a Rádio Nacional, ao me eleger para entrar nesse espaço, me deixou para falar para Brasília e Entorno. A Amazônia só retorna à minha vida quando eu já estava demitida da Radiobrás do governo Collor. O Viva Maria teve sua carreira um pouco interrompida, porque, depois, levei o programa para a Rádio Capital. Mas o meu chefe disse que tinha que colocar um homem, porque mulher não escuta mulher. Ele chamou o Luiz Adriano, que tem um vozeirão. E a gente fazia uma dobradinha, mas a presença masculina, antes de aproximar o colóquio das mulheres, afasta, porque você não confidencia para um homem e aí você freia e não consegue ampliar essa comunicação da forma sonhada pelo empoderamento. E a gente começa a se empoderar quando conhece seu corpo. Tanto que na Amazônia eu faço muitas oficinas junto a uma amiga ginecologista, onde a gente pega o abacate, corta, mostra, para fazer cesárea, a pele que envolve, então você explica que é dali sai a menstruação, entre outras coisas.
O que você acha que ainda falta para conseguirmos a cidadania, uma vida plena de direitos?
É uma situação peculiar. Acabamos de ter um caso emblemático. Doze mulheres na nossa cidade foram estupradas por um dono do bar da Asa Norte. Essas mulheres prestaram depoimento. Ele, numa primeira instância, foi condenado por duas denúncias. É preciso entender os processos. Você, quando sofre uma violência dessa magnitude, fica em choque e, passado o primeiro momento, você avalia o nível de exposição a que vai ser submetida. Por isso, a gente lutou tanto pela Deam, que precisa, inclusive, reconhecer a luta dessas mulheres pioneiras. Quando esse caso é retomado e o depoimento dessas 12 mulheres foi a júri, ele foi absolvido, porque alguns desembargadores julgaram que elas não apresentaram atestados de que foram violentadas, quando, na verdade, pelo fato de ele ser dono de um bar, a grande maioria foi devidamente drogada pelo álcool, pelo o que ele colocou na bebida. Então, é triste que, ainda hoje, a gente está como se estivesse lá nos anos 1980 brigando para fazer valer palavra de mulher.
Como a gente muda isso?
Vamos ter que investir muito em educação. A todo momento, há uma insistência em tirar as questões de gênero do currículo, mas eu fiz uma cartilha de gêneros para as escolas para mostrar o quão perverso eram os verbos atribuídos às mulheres e aos homens. Cada 10 passos à frente que você dá, você recua. É preciso uma reforma do Judiciário também. Tem uma lei que tem mais de uma década e continua engatinhando.