Após a pandemia, número de executivas em cargos de chefia encolheu no país e, nos últimos anos, cresce pouco, contudo, confiança nelas é maior do que nos homens, segundo dados de pesquisa da FIA
Por: Rosana Hessel
A desigualdade de gênero é uma realidade na maioria das empresas brasileiras, mas, na pandemia da covid-19, muitas mulheres em cargos de chefia deixaram o emprego para cuidar da casa e da família e o fosso entre homens e mulheres no comando ficou maior. Desde então, a retomada segue a passos lentos, como mostra a última pesquisa anual da Fundação Instituto de Administração (FIA) Business School, de 2023, que avalia os melhores lugares para se trabalhar. A instituição está em processo de coleta de dados para a edição deste ano até o fim deste mês.
Em 2020, o percentual de mulheres em cargos de alta liderança era de 30,7% entre as 213 empresas pesquisadas. No ano seguinte, a taxa recuou para 26,9% entre 291 companhias. E, entre 2022 e 2023, o percentual voltou a crescer, mas de forma gradual, passando para 29,1% e 29,4%. No Centro-Oeste, conforme dados levantados a pedido do Correio, apesar de o número de empresas pesquisadas ter saltado de 11 para 20, entre 2020 e 2023, a participação das mulheres em cargos de liderança encolheu de 44,4% para 25,5%.
“No Brasil, praticamente não houve crescimento entre 2022 e 2023, mas no Centro-Oeste, como o número de empresas é baixo, qualquer variação não indicaria uma tendência”, explica a administradora e professora nos cursos de pós-graduação da FIA Business School Lina Nakata, em entrevista para o Correio. “De qualquer forma, essa estabilidade na participação de mulheres na alta liderança é também observada em outros estudos, e essa estagnação é até pior, em alguns casos, porque reflete impactos da pandemia”, complementa a especialista em gestão de pessoas, carreiras, gênero, gestão do esporte, bem-estar e comunicação.
A professora ressalta que essa redução das mulheres no mercado de trabalho foi geral na pandemia e não apenas nos cargos de liderança. “É diferente falar da alta liderança, mas no geral, o momento da pandemia foi quando as mulheres deixaram as suas carreiras para ocupar outros papéis. E conseguimos ver que, até mesmo na alta liderança, houve essa diminuição na participação de mulheres no Brasil”, explica.
Um dado interessante da pesquisa, destaca a especialista, revela que, apesar de as mulheres serem minoria no alto comando de empresas, aquelas companhias que são chefiadas por mulheres são melhor avaliadas. “Isso ocorre exatamente porque as mulheres conseguem transmitir uma cultura de relacionamento, diferentemente dos homens que têm mais predominantemente uma cultura mais de meritocracia. Com isso, empresas chefiadas por mulheres inspiram mais confiança entre os funcionários. A gestão delas é melhor percebida na qualidade da gestão e há mais chances de o funcionário ser reconhecido pelas chefes, o que é muito bom”, destaca a professora da FIA.
Armadilhas pelo caminho
A resistência estrutural para que mulheres desempenhem funções de alta liderança é muito grande, segundo a acadêmica. “E têm outros fenômenos que são conhecidos, como o glass cliff, que é o penhasco de vidro, que funciona como se fosse uma armadilha na gestão de empresas. Esse é o momento em que a empresa não vai muito bem, e acaba colocando uma mulher no espaço de principal executiva, justamente porque sabe que tem algo frágil e acaba sendo uma exposição da profissional desnecessária”, alerta.
De acordo com a especialista, esse efeito é conhecido há mais de 20 anos por pesquisadores britânicos, porque eles viram que, quando uma mulher assume a posição de CEO (principal executiva) das empresas de capital aberto, havia um desempenho financeiro que dava para ser visto. “As informações são abertas e havia uma fragilidade financeira nos últimos seis meses das empresas. Então, esse era um comportamento bastante comum e que precisamos pensar mais sobre isso. Não queremos as mulheres sendo expostas a esse tipo de risco”, afirma.
Nakata reconhece que esse tipo de comportamento de algumas empresas pode ser inconsciente, contudo, é prejudicial porque atrapalha o processo de equidade de gênero no mundo corporativo. “É importante as empresas continuarem com as ações afirmativas para reduzir as diferenças, senão elas não conseguirão um equilíbrio maior entre homens e mulheres no mercado de trabalho. E não é interessante vermos que os números continuam estagnados há bastante tempo e não apenas nos últimos quatro anos”, ressalta.
A administradora reconhece que, se formos comparar dados do mercado de trabalho de 20 ou 30 anos atrás, é possível ver que houve melhora na inclusão das mulheres em cargos de chefia. “Mas, nos últimos anos, existe essa estagnação, não só com esses dados da pesquisa, mas também dados gerais de mercado. E, por isso, fica esse alerta para as empresas continuarem essas ações. Senão a gente não vai ter o estímulo, o incentivo para ter um corpo diretivo mais diverso”, reforça Nakata.
Confiança é maior quando elas mandam
A edição de 2024 da Pesquisa Lugares Incríveis para Trabalhar, conduzida pela equipe de especialistas da FIA Business School, está aberta. Em 2023, o estudo teve a participação de 150 empresas do país, com respostas de mais de 150 mil funcionários. O estudo revelou que 79% dos colaboradores têm total confiança em sua CEO (principal executiva), em comparação com 72% para CEOs homens.
Além disso, as mulheres nessa colocação são reconhecidas por 84% de seus colaboradores, enquanto os homens no mesmo cargo são conhecidos por 79% do pessoal total. Metade dos colaboradores entrevistados em 2023 avaliaram as CEOs como tendo uma gestão excelente, enquanto 43% fizeram a mesma avaliação para os homens. Essa diferença é considerada significativa pelos especialistas da FIA. Empresas de todo o Brasil podem se inscrever até 31 de maio.
De acordo com o estudo, em 2023, o número de mulheres na liderança se manteve no último ano, mas a representatividade de mulheres no C-level encolheu cinco pontos percentuais — mais uma vez apontando a necessidade de se discutir melhor a ascensão feminina nas organizações, de acordo com Nakata. “As lideranças femininas, enquanto CEOs, são consideradas mais populares e confiáveis para os colaboradores, transmitindo uma cultura de bom relacionamento. Essa cultura de valorizar a proximidade é 50% mais intensa nas CEOs mulheres do que nos homens”, acrescenta. Os CEOs homens foram avaliados como mais conservadores e, principalmente, mais orientados para resultados, segundo o estudo da FIA.
O levantamento investiga a qualidade do ambiente de trabalho das organizações brasileiras, destaca aquelas com os mais altos níveis de satisfação entre os seus colaboradores e com as melhores práticas de gestão de pessoas. As empresas que completarem os requisitos mínimos da pesquisa serão contempladas com um certificado e amplo diagnóstico com dados sobre a experiência dos colaboradores, suas práticas de gestão e participarão de uma apresentação com um especialista da FIA sobre esses resultados.
Fonte: Correio Braziliense