Entre os cientistas com até 40 anos, são seis homens para cada mulher no nível mais alto do CNPq, segundo estudo de gênero Acostumada a resolver problemas relacionados a geometria birracional e teorias de singularidades, a matemática Carolina Araújo não chegou a se surpreender com o resultado de pesquisa do Programa Mulher e Ciência: no Brasil, apenas 22 pesquisadoras com menos de 40 anos estão no mais alto nível de bolsas de produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), contra 136 homens. A relação de seis para uma era esperada por Carolina, uma entre as duas dezenas de brasileiras que atenderam aos critérios do levantamento “Jovens Pesquisadoras”. Em meio a 50 pesquisadores do quadro permanente do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), ela é a única do sexo feminino. – Dá para ver que nós somos poucas. Acredito que muitas meninas, mesmo as interessadas em exatas, não vejam a vida científica como uma possibilidade de carreira. Esse tipo de divulgação é importante para incentivá-las. A ciência precisa de diversidade – opina Carolina, de 37 anos, formada na PUC-Rio e doutora pela Universidade de Princeton, nos EUA. Para a carioca, a escolha por uma carreira de exatas ocorreu com naturalidade. Filha de uma engenheira, ela elegeu os números como preferência desde criança. Hoje, tem sua própria sala na sede do Impa, no Horto, bairro da Zona Sul carioca, onde dedica até dez horas por dia à resolução de problemas rabiscados com giz num quadro negro. Por vezes, o trabalho toma também parte do fim de semana. Nas horas que sobram, a matemática, solteira, gosta de arriscar passos de samba e frequentar uma roda de choro na Lapa. – Na minha turma de doutorado havia uns 15 alunos, e apenas duas ou três eram mulheres. Ainda assim, era quase um recorde: quando a gente olhava fotos de turmas anteriores, só via carinhas masculinas – descreve. Fenômeno é mundial, diz economistaÀ frente do “Jovens Pesquisadoras”, Hildete Pereira de Melo, economista da Universidade Federal Fluminense (UFF), confirma que o quadro não é uma particularidade do Brasil: – A masculinização das ciências é mundial. Ela está ligada aos papéis de gênero, uma questão que ainda não está bem resolvida também nos Estados Unidos e na Europa. O objetivo do programa é inspirar e atrair mais delas para as carreiras científicas. Em edições anteriores, foram perfiladas pioneiras das ciências no Brasil, como a economista Maria da Conceição Tavares, a psiquiatra Nise da Silveira, a bióloga e ativista Bertha Lutz e a agrônoma Johanna Döbereiner. A quarta edição deve ser publicada até junho. Já entre as jovens pesquisadoras, há especialistas em imunologia, farmacologia, ciências ambientais, física e genética, além de outras áreas. A seleção tem cientistas de noves estados. O Norte é a única região não representada. O levantamento constatou que a participação de mulheres na ciência cai de acordo com o avanço da carreira. Enquanto, na iniciação científica, a participação feminina chega a 56%, nas bolsas de produtividade em pesquisa, consideradas pela academia como critério de excelência, a parcela é de apenas 36% do total concedido em 2013. São 4.970 para mulheres e 8.994 para homens. A pesquisa mostra ainda que a entrada delas nesse sistema é mais tardio que a deles. Para pesquisadores do sexo masculino, a maioria das bolsas de produtividade é concedida a cientistas de 45 a 54 anos. Entre as mulheres, esse patamar é mais comum entre as cientistas de 50 aos 59 anos. As faixas etárias de menor representatividade feminina coincidem com a idade fértil. – A conciliação da maternidade com a ciência é uma questão muito séria e delicada. Em alguns casos, as cientistas têm de fazer escolhas. Muitas são solteiras e não têm filhos – detalha Hildete. É o caso da matemática Carolina, que diz que a decisão de ser mãe ou não “ficará mais para frente”. Outra selecionada entre as jovens pesquisadoras que já chegaram ao topo do carreira científica, a engenheira química Mariana de Mattos, de 38 anos, também afirma não ter pressa para escolher se terá filhos. – Não vou dizer que não tenho vontade, mas não é prioridade para mim. Nunca foi. Não acho que a maternidade seja incompatível com a carreira científica, mas é muito difícil manter a produtividade quando se é mãe. Sobretudo nos primeiros anos de vida da criança, não dá para ficar escrevendo artigos e participando de congressos – observa Mariana, que é casada com um engenheiro químico. Nas Humanas, ingresso mais tardioA socióloga Isabel Tavares, que também participou do levantamento “Jovens Pesquisadoras”, explica que, em algumas carreiras, como as de humanas, o ingresso feminino é ainda mais tardio. – As carreiras de exatas são extremamente competitivas, então essas mulheres precisam entrar antes para garantir o seu espaço. Ao passo que nas humanas, em que o processo é menos competitivo, elas até entram mais velhas – pondera. – No caso das mulheres que optam por ser mães, às vezes elas precisam se distanciar da carreira durante um determinado período. A depender da área, só vão recuperar isso em cinco ou dez anos. Coordenadora do Laboratório de Tecnologias do Hidrogênio da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mariana considera a diferença entre homens e mulheres jovens no topo da carreira científica como “estúpida”. Ela diz, no entanto, que nunca se sentiu vítima de preconceito na academia: – Nunca achei que as dificuldades que apareceram no meu caminho surgiram por eu ser mulher. Foram obstáculos inerentes à carreira científica, como os problemas para conseguir equipamentos. Por outro lado, as vezes sou procurada por alunas que têm receio de participar de processos seletivos para trabalhar em chão de fábrica. Eu digo para não abaixarem a cabeça. Mulheres também podem comandar operários. Para Hildete Pereira de Melo, ainda há um longo caminho na construção da igualdade de gêneros nas ciências. Ela conta que, no Brasil, a mudança começou a ocorrer na década de 1960, quando o presidente João Goulart publicou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação: – A LDB fez equivalência da escola normal (de formação de professores) com o ensino médio. Dessa forma, houve uma explosão da entrada de mulheres nas universidades. Só nos últimos 40 anos é que a academia abriu as portas para elas. Há uma avanço, claro, mas ele acontece a passos de cágado. |
Fonte: O Globo
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