É hora de reafirmar o quadro de emergência em curso no país – zika é ainda um tormento para as mulheres.
Há dois meses, o Ministro da Saúde declarou o fim da emergência de zika no País. A declaração foi recebida com tristeza pelas mulheres com filhos afetados pela síndrome congênita, e com medo por aquelas que estão neste momento grávidas. O repelente contra mosquitos não foi incluído no pré-natal; não há informação sobre o riscos de transmissão sexual da doença nas escolas ou nos hospitais; não houve mudanças efetivas nas políticas sociais para proteger as crianças afetadas. A ação de zika no Supremo Tribunal Federal espera há quase um ano pela decisão.
Fui a Alagoas conhecer mulheres grávidas e com sintomas de zika. Uma delas é Thaynara, uma adolescente de 16 anos. Thaynara não usou repelente na gestação e surpreendeu-se com a informação sobre o risco de transmissão sexual. Estava a poucos dias de dar a luz e só havia realizado um único ultrassom. Dizia acreditar que tudo ficaria bem, os mosquitos haviam desaparecido de sua casa.
“As crianças são cobiçadas pelos centros de pesquisa como se suas vidas se reduzissem à doença e à corrida científica.”
Há algo urgente que podemos fazer por Thaynara e outras mulheres que foram esquecidas e abandonadas como se a epidemia tivesse desaparecido do País.Primeiro, acreditar que zika não desapareceu; foi apenas silenciado. As famílias peregrinam por postos de saúde com profissionais que não sabem como atender seus filhos com a síndrome congênita. As crianças são cobiçadas pelos centros de pesquisa como se suas vidas se reduzissem à doença e à corrida científica.
Seria tão simples explicar aos profissionais de saúde que uma criança com a síndrome congênita de zika é uma criança como outra qualquer – tem gripe, dor de barriga, ou virose. Além das doenças da infância, as famílias se solidarizam à ciência para melhor entender os efeitos de zika, mas elas não são simplesmente “sujeitos de pesquisa”. São crianças com direito ao cuidado e à assistência como todas as outras crianças.
“É hora de reafirmar o quadro de emergência em curso no país – zika é ainda um tormento para as mulheres.”
Ouvi de uma das mães que “os profissionais de saúde têm medo de meu filho”. Medo é uma palavra forte, e imagino que quase insuportável de ser pronunciada por uma mãe sobre seu filhinho. Podemos fazer algo por esta mãe que peregrina por centros de pesquisa e postos de assistência, ou por adolescentes como Thaynara – a situação de emergência não foi revogada oficialmente pelo Ministro de Saúde. É hora de reafirmar o quadro de emergência em curso no país – zika é ainda um tormento para as mulheres.
Autora: Debora Diniz (Debora Diniz é antropóloga, professora da Faculdade de Direito na Universidade de Brasília, e pesquisadora da Anis – Instituto de Bioética. Tem pesquisas sobre saúde, mulheres e prisão. Seu mais recente livro é Cadeia: relatos sobre mulheres, e o mais recente documentário é Zika. Participou de grupos de trabalho na Organização Pan-Americana de Saúde sobre a epidemia do zika no Brasil.)
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