O terceiro painel do Seminário Internacional Cultura da Violência contra as Mulheres trouxe ao debate o impacto dos meios de comunicação na cultura da violência sexista. “Os veículos tentam sempre nos representar de forma diminuída. E, de outro lado, diretores de propaganda, publicitários e anunciantes têm uma postura dogmática, como muitos religiosos”, afirmou Jacira Melo. A diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão e moderadora do debate se referia à reação dos meios de comunicação tradicional e do mercado publicitário às críticas de desrespeito aos direitos humanos e das mulheres, apontadas sempre como falta de senso de humor, de entendimento de que se trata de uma brincadeira’, ou então ‘censura’.
Guilherme Canela, assessor de comunicação e informação para o Mercosul e Chile da Unesco, deixou como principais mensagens que a democracia só avança com dissensos, que é preciso mais liberdade de expressão e não menos, e que não é função do jornalismo fazer ativismo, mas garantir voz a todos os atores enfocados na notícia. Antes do início do painel, Roz Hardie, diretora executiva da ONG Object, que atua no Reino Unido realizando campanhas contra o sexismo na mídia, apresentou exemplos desde a década de 1970 até a semana passada, na publicidade e em publicações pornográficas, que reiteram a objetificação e a permissividade de violações a mulheres. “A liberdade de expressão é um direito dos seres humanos, mas temos que falar que há coisas que ultrapassam limites e trazem reflexos da escravidão, da colonização. Isso faz mal a todos nós”, disse Roz. Apesar do cenário mostrado por Hardie ser desanimador, ela fez questão de reiterar que “o poder popular funciona e é importante que a gente não desanime”. E para confirmar esta afirmação também apresentou exemplos de ações do movimento feminista naquele país que forçaram a retirada do ar, em horas, de campanhas que geraram indignação. Como um anúncio publicado em diversos veículos durante o julgamento do ex-atleta paralímpico sul-africano Oscar Pistorius, condenado pelo assassinato da namorada, a modelo Reeva Steenkamp, em 2013. A campanha aludia ao prêmio cinematográfico numa paródia ao nome do atleta e chamava os habitantes do país a apostar em quem seria condenado. Enfrentar o machismo na web exige punição e mudanças educacionais A internet traz muitas possibilidades, mas também muitos desafios no que diz respeito aos direitos humanos, especialmente para mulheres, negros e outros segmentos socialmente oprimidos por sua condição enquanto grupo populacional. Para debater essas questões, a antropóloga e pesquisadora de marcadores sociais de diferença na Universidade de São Paulo Beatriz Accioly falou sobre cyber bulling e pornografia de vingança. A divulgação de imagens e vídeos íntimos no ambiente virtual com o objetivo de humilhar e constranger mulheres evidencia a construção social e cultural da categoria gênero. Essa prática transforma a quebra das normas hegemônicas de sexualidade, “que aprisionam a mulher em ideais de recato, privacidade e falta de direito ao prazer”, em punição às mulheres. Em diversos países e também no Brasil tal atitude tem levado as vítimas ao suicídio, especialmente as mais jovens. Beatriz ressaltou que “além de leis e regulamentação, precisamos de uma educação de gênero não como destino inescapável, mas como diversidade e pluralidade, e que transforme diferenças em respeito, e não em violência”. Violência sexista na mídia: o exemplo do ‘The Post and Courier’ Fátima Pacheco Jordão, socióloga e especialista em análise de mídia e pesquisas de opinião, apresentou a série de reportagens Till death do us apart (“Até que a morte nos separe”). O trabalho publicado no jornal ‘The Post and Courier’ em agosto de 2014 recebeu a principal categoria do prêmio Pulitzer este ano pela abordagem dos feminicídios decorrentes da violência doméstica e da omissão do Estado na Carolina do Sul (EUA). “A série de reportagens é um exemplo de como deveria ser tratado esse tema, retirando-o das páginas policiais e trazendo para os cadernos nobres. Um pequeno jornal ganhar um Pulitzer com este tema traz à tona a importância, a magnitude da violência contra a mulher na nossa sociedade. E no Brasil, à exceção de algumas poucas iniciativas em TV, não temos isso, especialmente na mídia impressa”, ressaltou Fátima. Recentemente o Portal Terra fez um material infográfico sobre o tema da violência contra a mulher no mundo, mas reportagens mais densas são um material pouco comum na mídia nacional. O Brasil é o sétimo país do mundo em assassinatos de mulheres. Mais de 70% das agressões a mulheres ocorrem dentro de casa. Inicialmente a palestra sobre o case vencedor do principal prêmio jornalístico em nível internacional seria apresentada pelo editor de projetos especiais do ‘The Post and Courier’, Glenn Smith. Impossibilitada sua vinda por problemas com o tempo de emissão do visto, o jornalista contou em um vídeo o percurso da reportagem. O projeto foi iniciado em 2013, quando pela terceira vez a Carolina do Sul foi apontada o estado mais letal para mulheres, após constar há mais de dez anos da lista. Glenn relatou que entre os principais aspectos que a equipe verificou contribuírem para esta realidade estão as penas leves para mais de 60% dos agressores, o arquivamento de diversas tentativas de mudanças na legislação por falta de encaminhamento no Legislativo estadual, a influência da cultura social machista e de dogmas religiosos que culpabilizam as mulheres pela violência sofrida. A “recompensa” pelo trabalho, além do prêmio, foi mencionada por Glenn. “Procuradores, políticos, legisladores e juízes começaram a se reunir para debater como mudar essa realidade. Estão sendo discutidas medidas como retirada do porte de arma para envolvidos em casos de violência doméstica, aumento de penas e a importância de mudanças nas perspectivas educacionais”. O assessor da Unesco lembrou que um dos problemas que dificulta esse tipo de abordagem sobre a violência de gênero no Brasil é que “o enquadramento sobre violência contra mulheres e crianças é altamente individualizado, mesmo que o mais politicamente correto possível. O segredo de um pequeno jornal como este ganhar um Pulitzer é associar a discussão dos crimes à de políticas públicas. Por isso temos que ir além de exigir uma cobertura politicamente correta, precisamos mudar o enquadramento do jornalismo”. |
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Fonte: Agência Patrícia Galvão
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