“O comportamento masculino é determinado pela biologia”. “A natureza do homem é violenta, sexual, instintiva e difícil de ser controlada”. Essas são algumas explicações usadas para justificar posturas machistas e violentas por parte dos homens e que são desconstruídas por Matthew Guttmann, antropólogo especialista em masculinidades da Universidade Brown, dos Estados Unidos.
Em recente visita ao Brasil, Guttmann participou do I Seminário Internacional Cultura da Violência contra as Mulheres, ocorrido entre 20 e 21 de maio, em São Paulo e organizado pelo Instituto Patrícia Galvão e Instituto Vladimir Herzog. “Mas não são todos os homens que violam, que batem. Se é algo biológico, por que há tantos homens que não violam?”, questiona o antropólogo. “Aí está a brecha para se entender de onde vem o machismo. Eu trabalhei com homens violentos na cidade do México. E nosso desafio não é mudar sua biologia e sim seu pensamento”. Os estudos de gênero devem se debruçar sobre as masculinidades? É saudável, eu creio, pois vivemos em um mundo de mulheres e homens. Quando falamos de gênero, é muito comum pensar que estamos falando da mulher, mas se pensamos assim, estamos dizendo que os homens não tem gênero, não estão envolvidos em relações de gênero. Podemos entender melhor a questão de gênero ao estudarmos os homens. Isso não é dizer que para entender sobre as masculinidades, só vamos falar com homens. Também é muito necessário falar sobre os homens com mulheres. O que faz o estudo da masculinidade? Tratamos de entender as ideologias, as práticas os comportamentos, as relações entre homens e também entre homens e mulheres e questões de gênero. Ser pai é uma questão de gênero, ser mãe também. Pode ser que seja a mesma coisa ou que haja divisão de trabalhos. Há diferenças em muitas famílias, mas também estão havendo mudanças nas tarefas de pai e mãe. Hoje, há muitos pais com experiência em trocar fraldas, mas seus avós não tinham tanta experiência nisso. São mudanças que vão ocorrendo, inclusive em questões íntimas de família. Nos Estados Unidos, a maioria dos que estudam os homens estudam os gays. Na América Latina sempre foi diferente: há estudos excelentes sobre gays, mas também há muitas feministas da Bolívia, Chile, Peru, Brasil e México que desempenharam um papel super importante nos estudos da masculinidade heterossexual. Se realmente queremos entender as relações de desigualdade que tem a ver com gênero, se realmente queremos mudar a situação, há a necessidade de estudar os homens e os incluir nos estudos feministas. O título da sua apresentação durante o I Seminário Cultura de Violência contra as Mulheres foi “Os Homens são animais”. Por que? É claramente uma provocação. As mulheres também são animais, todos somos animais. O que isso quer dizer? Por exemplo, podemos falar de outros animais, como chimpanzés e patos. Há cientistas e biólogos que dizem que os patos violam as fêmeas. Eu digo que violação é uma relação social, é a imposição do poder do homem sobre a mulher. Então os patos e os chimpanzés não violam as fêmeas. Podemos falar em sexo forçado, algo assim, mas não é violação no sentido humano. Superficialmente podemos falar do comportamento de outros animais e do comportamento humano e afirmar que somos todos animais. Mas não é assim entre os humanos porque podemos ver mudanças radicais na questão gay, por exemplo. Há 50 anos atrás, o debate era outro na sociedade brasileira, no México, nos Estados Unidos. Agora é legal casar-se em alguns estados dos Estados Unidos. Como resultado da luta social, sobretudo de parte dos homossexuais, agora temos mudanças nas leis, nas atitudes sociais, não totalmente, claro, pois segue existindo a homofobia. Porém, não podemos ver mudanças da mesma maneira em outros animais. Mas, se somos animais, em que somos? Ou seja, temos que fazer sexo para ter filhos, ok, isso é animal. Mas o sexo entre os humanos não é algo feito por instinto, enquanto que entre os chimpanzés e patos é por instinto. De que forma o aspecto biológico é utilizado como desculpa para o comportamento machista dos homens? Alguns homens dizem “assim sou, tenho minhas necessidades, você tem que aguentar, tem que aceitar, pois assim sou”. É uma atitude bastante machista. Muita gente nos Estados Unidos acha que o machismo é latino porque a palavra é espanhola, mas o problema é que há machismo na Rússia, França, África do Sul, México, Itália, Japão. Há atitudes sexistas dos homens que tem uma posição superior em relação à mulher e há uma relação entre machismo e violência. Podemos falar de violência doméstica, também de violência social. E, hoje em dia, a sociedade mais violenta do mundo é a dos Estados Unidos, não há outro país que faça invasões, e ocupações em outros países do mundo. Eu venho de uma sociedade machista nesse sentido, a nível de governo. Por isso, me incomoda quando eles dizem que o México é muito machista. Embora haja machos no México, claro. Qual a relação entre a violência contra as mulheres e o argumento de violência por determinação biológica? Há pensadores científicos que dizem que a violação é natural, é uma necessidade masculina física biológica, que não é por isso que temos que aceitá-la, mas há que reconhecer, que é algo que vem da natureza. Alega-se que os machos, os animais de todas as espécies, são assim. Ao se pensar assim, a violência contra a mulher, por exemplo a violação, teria que se desenvolver algumas maneiras de controlar a situação. Porém, como esse comportamento não é resultado biológico e sim do machismo, de um pensamento de superioridade, de controlar, de poder, etc,. temos que mudar a sociedade, as ideias, o comportamento dos seres humanos. Não podemos sentar com animais e lhes dizer: “Por favor, não coma mais carne, ok? Não quero que me coma mais nem a ninguém mais aqui. Por favor, leão, deixe de ser leão”. Isso não funciona, pois sua biologia é assim. Mas se os homens são assim, não podemos falar com eles, teríamos que prender todos. Mas todos os leões buscam carne para comer, sem exceção. Se não procuram, morrem. Mas não são todos os homens que violam, que batem. Se é algo biológico, por que há tantos homens que não violam?. Aí está a brecha para se entender de onde vem o machismo. Eu trabalhei com homens violentos na cidade do México. E nosso desafio não é mudar sua biologia e sim seu pensamento. Tatiana Merlino |
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Fonte: Diplomatique
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