Há leis que passam despercebidas. Nascem e morrem sem promover mudanças substantivas ou adjetivas. Outras, ao contrário, são tão importantes que substituem paradigmas. Verdadeiros marcos, ganham nome e se tornam referência. É o caso da Lei Maria da Penha, cujo batismo teve origem em agressão que faz parte da cultura brasileira. O texto coroa o movimento feminista, que, em meio século, derrubou barreiras e contribuiu para pôr a mulher no mesmo patamar do homem. Discriminações caíram por terra. Até as Forças Armadas, reduto tradicionalmente masculino, cederam à pressão da sociedade, consciente da obsolescência de clubes de Bolinhas e Luluzinhas. Depois de sete anos de vigência da norma, pesquisa do Ipea demonstra que caiu pouco o número de mortes de mulheres por agressão de maridos, companheiros ou parceiros no período. Com base em dados do Ministério da Saúde, observa-se que, entre 2001 e 2006, a taxa média de mortalidade por grupo de 100 mil mulheres foi de 5,28. Depois da lei, ficou em 5,22. Ocorreram, no período, mais de 50 mil feminicídios no Brasil. O desmembramento do número deixa mais clara a dimensão da tragédia. São 5 mil vidas que se perdem por ano, 15 por dia, uma a cada hora e meia. A barbárie expressa nas cifras assusta, revolta e impõe uma pergunta: por que não se registrou queda mais significativa na bestialidade que se reproduz geração após geração? Leila Garcia, pesquisadora do Ipea, disse que, sozinha, a Lei Maria da Penha não é capaz de resolver o problema. É o óbvio. Se palavras resolvessem problemas, o paraíso seria implantado por decreto. Miséria, fome, doenças, violência sumiriam graças à força de discursos. A realidade prova a urgência de ações para que a lei se cumpra na plenitude. A criação de rede qualificada de amparo a mulheres ameaçadas é necessária para funcionar como guarda-chuva de proteção. Com ele, previnem-se violências que maltratam, aleijam ou roubam vidas. Não só. Denúncias precisam ser levadas a sério. São muitos os relatos que demonstram o despreparo das instâncias competentes (polícia entre elas) em tomar as providências cabíveis, aptas a prevenir em vez de remediar. Mais: a lentidão do Judiciário estimula o agressor. É sinônimo de impunidade a certeza de que o castigo não virá, ou demorará tanto que cairá no esquecimento. A tramitação requer agilidade para que a pena seja exemplar. Impõe-se deixar claro que o custo da agressão é alto e se paga à vista com a liberdade – a moeda mais valiosa de que dispomos. |
Fonte: Correio Braziliense
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