A idade mínima passou de 25 para 21 anos e também foi extinta a necessidade de consentimento do parceiro
Por: Raphael Vidigal Aroeira
Nova lei permite que mulheres a partir de 21 anos e sem filhos realizem a laqueadura, mas médicos ainda se recusam a realizar o procedimento de esterilização
Não foi uma nem duas vezes que a ginecologista, obstetra e especialista em sexualidade Beatriz Aroeira recebeu, em seu consultório, “várias mulheres que manifestavam o desejo pela laqueadura, mas que, por não serem contempladas pela lei anterior, não conseguiram seguir com a decisão”. “Acredito que a nova lei veio para atender às demandas do avanço da consolidação da autonomia das mulheres em relação a seus direitos sexuais e reprodutivos”, afirma ela.
Em junho do ano passado, entrou em vigor a chamada “lei da laqueadura”, que diminuiu de 25 para 21 anos a idade mínima para realizar o procedimento e extinguiu a obrigação de haver consentimento por parte do parceiro. O resultado foi um aumento de quase 100%, de acordo com o Ministério da Saúde, que, em 2023, registrou um total de 196.682 laqueaduras no país. Na opinião de Beatriz, o papel do médico é “orientar em relação às vantagens e desvantagens associadas ao método, e, diante da decisão da paciente, acolhê-la, garantindo que seu direito reprodutivo e sua liberdade de decisão sejam respeitadas”.
Ela aponta a “alta eficácia, com uma taxa de falha de 0,5%, a conveniência do procedimento, já que, após sua realização, não é preciso se preocupar com métodos contraceptivos adicionais, e o baixo custo a longo prazo” como vantagens, enquanto o fato de “ser considerado irreversível, não sendo indicado para mulheres que desejam ter filhos no futuro, e o risco inerente a qualquer procedimento cirúrgico, mesmo que de pequeno porte e baixo risco, como infecções, sangramento e reações adversas à anestesia”, como desvantagens a serem pesadas na hora de procurar uma laqueadura.
“A laqueadura é uma cirurgia para esterilização feminina, que é geralmente buscada por mulheres que querem se sentir seguras e protegidas, uma vez que é um método contraceptivo eficaz e definitivo no controle da natalidade”, explica Beatriz. Ela pontua que, “embora seja tecnicamente possível reverter a laqueadura tubária através de uma anastomose tubária (uma espécie de religamento das trompas), esse procedimento geralmente não é indicado por aumentar as chances de uma gestação ectópica tubária (quando o embrião se desenvolve fora do útero), que traz riscos para a saúde da mãe e abortamento do embrião. Assim, o mais indicado é que mulheres laqueadas que desejam gestar sejam submetidas a Fertilização In Vitro (FIV)”, sustenta.
Ação no STF contesta limitações atuais
Uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) permite que médicos se recusem a realizar a laqueadura por “discordância ideológica”. Segundo o advogado Leonardo Santos, especialista em direito das famílias, essa resolução tem impedido que muitas mulheres acessem o direito à laqueadura concedido pela nova lei. “No nosso escritório, já tivemos inúmeras clientes que tiveram que ajuizar ação para resguardar seus interesses e direitos, que foram tolhidos pelo profissional da saúde, se amparando na resolução do CFM”, afirma.
Ele, no entanto, revela que, em alguns casos, os médicos se valeram de outras justificativas, como o fato de que “a mulher não é casada e pode se arrepender, ou porque aquela mulher ainda não tem filhos, e também em razão da idade, utilizando o argumento de que ela ainda é muito jovem, mesmo estando dentro da faixa etária prevista na lei”. Para reverter esse quadro, o PSB (Partido Socialista Brasileiro) ingressou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF), que começou a ser julgada no último dia 17 de maio pela corte.
O partido questiona diversos pontos da lei atualmente em vigor, como, por exemplo, o fato de ter sido mantido um prazo de 60 dias entre a decisão da mulher de realizar a laqueadura e a efetivação da cirurgia, período em que ela deve ser acompanhada por uma equipe formada por ginecologista, psicólogo, assistente social, obstetra, dentre outros, a fim de “desencorajar a esterilização precoce”, de acordo com o trecho da lei.
O partido também pede a redução da idade mínima para 18 anos – nesse caso, só mulheres que tenham dois filhos vivos estariam contempladas –, alegando que as exigências afetam, principalmente, as camadas mais vulneráveis da sociedade, que não têm acesso à medicina particular. A Defensoria Pública da União corroborou a tese do PSB. Para Leonardo Santos, há uma “indevida interferência do Estado na autonomia da mulher”.
O advogado recorre, inclusive, a artigos da Constituição, que preveem a “dignidade da pessoa humana, direitos à saúde e ao planejamento familiar”. “Além disso, nós não podemos esquecer que a laqueadura pode ser extremamente benéfica para mulheres cuja gravidez representa risco de morte…”, salienta Leonardo.
Avanços e barreiras a serem superadas
O advogado Leonardo Santos destaca que a chamada “nova lei da laqueadura” alcança também as “mulheres que nunca tiveram filhos, desde que observada a idade mínima de 21 anos”. Outro ponto inovador é a possibilidade de a laqueadura ser realizada logo após o parto.
Para a ginecologista e obstetra Beatriz Aroeira, essas mudanças vão ao encontro das “demandas de uma sociedade que não é mais conivente com condições que limitem e determinem o que deve ser feito sobre os corpos das mulheres”. “É importante que se propague a informação, para que sejam superados velhos estigmas sociais, já que a existência da lei, por si só, não é suficiente”, avalia ela, entre a esperança e precaução.
Beatriz considera que, “em uma sociedade machista, fazer com que as mulheres tenham cada vez mais ciência sobre seus direitos é o caminho para que elas se sintam cada vez mais fortes e seguras”. “Elas precisam saber quais são os hospitais que prestam esse serviço e como podem ter acesso a eles. Nesse contexto, se faz também importante o papel do Estado em garantir às mulheres o poder de escolha”, finaliza ela.
Fonte: O Tempo