Após ter fotos íntimas vazadas na rede, a jornalista Rose Leonel fundou ONG para apoiar vítimas
A vida da jornalista Rose Leonel virou “um inferno” quando ela teve suas fotos nuas publicadas em 7 milhões de sites pornôs pelo mundo. Seu ex-namorado disparou 15 mil e-mails com as imagens para os moradores de Maringá, no Paraná. A apresentadora de 44 anos perdeu o emprego de colunista social na cidade, passou a ser humilhada toda vez que saía de casa, teve depressão, e seu filho mais velho, à época com 11 anos, teve que trocar de escola diversas vezes, antes de, enfim, mudar-se para os Estados Unidos, por não aguentar mais o bullying dos colegas. Hoje, oito anos após o incidente, Rose administra a ONG Marias da Internet, que existe há um ano e ajuda mulheres que foram vítimas da pornografia de vingança (ou “revenge porn”, em inglês). Tendo vivido na pele o problema, ela sabe que é impossível apagar as marcas do crime virtual, mas, ao expor sua experiência pessoal, busca confortar as moças assustadas. – Lembro que meu telefone não parava de tocar, porque ele também tinha divulgado minhas informações pessoais na rede. Homens do Brasil inteiro me ligavam propondo programas ou só para me ridicularizar. Abriu-se um buraco debaixo dos meus pés, e eu caí de cara nele. Nem meu filho aguentou a pressão, e precisei mandá-lo para fora do país para ele ter alguma chance de crescer saudável – recorda Rose, que, depois de alguns meses, reuniu as forças que restaram para processar o ex-namorado e começar o projeto da ONG. – A sociedade vilaniza a vítima, e não o criminoso. Coloquei na minha cabeça que não vou ser punida por ser a vítima. SEM INDENIZAÇÃO ATÉ HOJE Como mora no interior do Paraná, onde não há muitos especialistas nesse tipo de crime, ela precisou contratar um advogado de São Paulo para cuidar do caso. Em 2010, o ex foi condenado a um ano e 11 meses de prisão por difamação, além de ter que pagar R$ 30 mil por danos morais, mas recorreu da decisão. Por isso, até hoje Rose não recebeu a indenização. – O valor é irrisório. Gastei R$ 28 mil só para mover o processo – diz a jornalista. – Não existe valor que pague os danos que sofri. Esse crime deveria ser considerado hediondo, porque rouba a vida da pessoa: a identidade, os amigos, a autoestima, a saúde psicológica, a carreira, a vida amorosa… Sofri um assassinato real, embora o crime tenha ocorrido no mundo virtual. Ainda sofro preconceito todos os dias. Rose acredita que, até que sejam criadas leis específicas para punir esse tipo de crime, o número de casos só vai aumentar. Ela apoia o Projeto de Lei 6.630 de 2013, criado pelo deputado federal Romário (PSB), segundo o qual o acusado poderá pegar pena de até três anos de prisão e deverá indenizar a vítima por seus gastos com mudança de casa e de escola, tratamentos médicos, psicológicos e perda de emprego. – Nós, mulheres, precisamos lutar pela aprovação dessa lei, porque esse é um crime de gênero. Quando imagens íntimas de homens caem na web, eles não são demitidos ou humilhados. Pelo contrário, passam a ser valorizados pela sua virilidade. A sociedade só condena as mulheres – opina. FOTOS NUAS: AMPLA CIRCULAÇÃO Rose contará sua história hoje no Fórum Fale Sem Medo, em São Paulo, idealizado pelos institutos Avon e Data Popular. No evento será divulgada a pesquisa “Violência doméstica: os jovens estão ligados?”, feita com com 2.046 pessoas de 16 a 24 anos, das cinco regiões do Brasil. O levantamento, realizado por meio de um questionário on-line, mostrou que 47% das mulheres e 59% dos homens já receberam fotos ou vídeos de mulheres nuas desconhecidas. O índice é um pouco mais baixo quando se trata de imagens de mulheres conhecidas: 32% das moças e 41% dos rapazes já receberam esse tipo de conteúdo. Os números mostram que as mulheres, além de vítimas, também participam da rede, mesmo que passivamente, ao receber imagens de outras. – Muitas mulheres julgam as outras e dizem: “Eu nunca faria isso”. Mas elas precisam entender que quem colocou a vítima naquela situação foi o ex-companheiro. Ele é que deve ser punido – ressalta Rose. A ONG administrada pela paranaense, por enquanto, funciona exclusivamente pela internet e disponibiliza profissionais especializados em crimes virtuais: advogados, peritos digitais e psicólogos, todos voluntários, que prestam assistência às moças. Elas podem entrar em contato com o time por meio do site Marias da Internet (mariasdainternet.org) ou pelo Facebook. Os voluntários da entidade também visitam escolas a fim de alertar sobre as consequências da cibervingança. Com a ajuda do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico, o órgão, em breve, aumentará sua rede de advogados gratuitos e terá profissionais credenciados em todos os estados. |
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Fonte: O Globo
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