O perfil da atriz Christy Mack no Twitter, sempre usado para divulgar os shows, eventos e filmes adultos estrelados pela modelo norte-americana, mudou de tom nas últimas semanas. Christy postou fotos do rosto desfigurado e das marcas do espancamento que quebrou 18 ossos, rompeu o fígado e estraçalhou seus dentes. As lesões teriam sido causadas por seu ex-namorado, o ator pornô e lutador de MMA Jon Koppenhaver, que mudou legalmente o nome para War Machine em 2008. As imagens, chocantes, despertaram reações diferentes entre os seguidores: alguns manifestaram solidariedade e apoio; outros disseram que ela “mereceu”.
Machine está preso e vai responder por mais de 30 crimes, entre eles o de tentativa de homicídio. As 32 acusações incluem ainda agressão sexual, espancamento, coerção, impedir ou dissuadir uma vítima de relatar um crime e sequestro em primeiro grau. Após a primeira audiência diante da corte, no último dia 3, ele foi colocado diante da possibilidade de ser condenado à prisão perpétua. A próxima audiência será em 17 de outubro. Para os fãs do lutador, é uma injustiça. Christy foi fotografada 15 dias após o ataque saindo de uma sorveteria e a foto gerou uma nova onda de insultos. Vários seguidores de War Machine a acusaram de ter ‘exagerado as lesões’ e ter ‘se recuperado rápido demais’. Acusações semelhantes recebeu Ângela Souza, bailarina agredida na última sexta-feira (5) pelo ex-BBB Yuri Fernandes. Segundo alguns internautas, ela teria usado maquiagem para simular o olho roxo, mesmo depois de ter passado por exame de corpo de delito e exigido uma medida protetiva. Veja mais informações em ‘Personagem da Notícia’, logo abaixo. A atitude de Christy e de Ângela – divulgar o fato publicamente – foi alvo também de elogios. “Obrigada, Christy Mack, por nos mostrar a verdadeira face da violência doméstica”, escreveu Laura Bates, colunista do jornal britânico ‘The Guardian’ e fundadora do projeto “Sexismo do dia a dia”, que reúne mais de 10 mil depoimentos sobre experiências de desigualdade de gênero. Qualquer mulher pode acessar a plataforma e deixar seu texto.
Por outro lado, analistas de segurança pública apontaram que, embora a ação possa motivar um debate saudável, a exposição nas redes sociais poderia incentivar novos ataques do agressor, reforçar a culpabilização da vítima, e até mesmo abrir brecha para processos judiciais. A delegada Elizabeth de Freitas, da Delegacia de Mulheres de Belo Horizonte, bate na tecla de que a primeira coisa a ser feita, diante de uma situação de agressão dentro de casa, é procurar a polícia. Se possível, preservando as provas. “A denúncia deve ser feita após o primeiro ato de agressão. Só assim é possível quebrar o ciclo da violência”, afirma. “Ele já havia me batido outras vezes, mas nunca dessa maneira. Ele pegou o meu telefone e cancelou todos os meus compromissos para a semana seguinte, para certificar-se de que ninguém iria se preocupar com o meu paradeiro. Ele disse que ia me estuprar… Depois de me bater mais algumas vezes, me deixou no chão sangrando e tremendo. Saiu do quarto e foi até a cozinha, onde eu podia ouvi-lo mexendo nas minhas gavetas. Supondo que ele estava procurando uma faca e um modo mais eficiente de acabar com minha vida, corri para a porta dos fundos. Bati nas casas vizinhas, nua e com medo. Finalmente, alguém atendeu a porta e me levou para o hospital.” Relato de Christy Mack no Twitter. Elizabeth pondera também que as redes sociais podem ser acessadas por qualquer um, com muita facilidade. “Uma pessoa que está em situação de violência deve evitar informar onde está, com quem está, deve restringir o alcance das informações sobre sua vida pessoal e sua rotina. O agressor pode utilizar-se desses meios para chegar até a vítima”, alerta. Elizabeth acredita que a atitude de Christy, por ser incomum, contribui para uma discussão – tanto positiva quanto negativa. “Foi uma escolha dela fazer essa publicação e não nos cabe julgá-la. Mas o que ajuda a acabar com esse tipo de violência é a denúncia ao órgão policial, que vai acolhê-la e realizar todos os procedimentos para solucionar o crime e, principalmente, para responsabilizar o agressor pelo seus atos”, reforça. ONDE DENUNCIAR Delegacia de Mulheres Rua Aimorés, 3.005 – Barro Preto (31) 3291-2931 Casa de Direitos Humanos Avenida Amazonas, 588 (atendimento 24 horas) Armadilha psicológica Christy Mack tem 23 anos. War Machine, 33. Ângela tem 26 e Yuri, 28. Jovens e conhecidos nas áreas em que atuam, essas histórias mostram, de forma cruel, que a violência doméstica não escolhe idade ou classe social. Também não escolhe profissão ou etnia. Um estudo envolvendo 7.443 mulheres atendidas em clínicas de primeiros socorros nos EUA relatou que as mulheres brancas revelavam abuso com uma frequência de 8,9%. No caso das afronorte-americanas e hispânicas, respectivamente, essa frequência foi de 6% e 5,3%. Outro estudo constatou que médicos e estudantes de medicina eram tão propensos a serem vítimas de violência doméstica quanto os membros da população em geral, assim como adolescentes e idosos. Em uma amostragem aleatória de 370 mulheres com idade igual ou superior a 65 anos, constatou-se que 3,5% haviam sofrido violência por parte de um parceiro íntimo nos últimos cinco anos. De acordo com a a superintendente da Coordenadoria de Proteção à Mulher em Situação de Violência Doméstica Familiar do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), desembargadora Evangelina Castilho Duarte, a situação aqui não é tão diferente. “Homens violentos existem em qualquer classe social”, afirma a desembargadora, ao constatar que parte considerável dos relatos de agressões vem de famílias ricas – cerca de 30% dos casos registrados nos bairros recordistas de BH envolvem vítimas de classe média ou média-alta. Em Belo Horizonte, pelo menos 1,8 mil novos processos referentes a agressões contra mulheres chegam mensalmente para julgamento, o que levou o TJMG a instalar, em agosto, a quarta vara criminal especializada em julgar crimes relacionados à Lei Maria da Penha. Quarenta e quatro mil casos que aguardam apreciação serão redistribuídos às quatro varas. Outras iniciativas são o serviço de atendimento ao homem agressor – a reincidência é de apenas 1% entre aqueles que buscam ajuda – e também a criação do programa “Justiça vai à escola – Chega de violência”. “Vamos conscientizar o menino adolescente de que ele é igual à menina, que um não pode agredir o outro e que deve haver respeito. A partir dessa construção é que vamos conseguir diminuir esse tipo de violência”, acredita a desembargadora.
Dois pesos, duas medidas O fato de Christy Mack ser atriz pornô, no entanto, fez com que sua decisão de expor a agressão tivesse um custo alto, com xingamentos e ofensas que faziam referência à sua profissão, repetidamente. “Bem-feito. Uma pessoa que se aproveita do pecado e da luxúria para ganhar dinheiro não poderia esperar outra coisa”, diz um dos comentários mais brandos. Por outro lado, a revelação já motivou também uma campanha de arrecadação financeira para cobrir as despesas médicas, além da doação de cirurgias plásticas e de tratamento odontológico. “Enquanto Mackinday estava estirada no chão do banheiro, depois de apanhar diversas vezes no rosto, Koppenhaver disse que ‘aquela vagina era dele, e que ia tomá-la de volta agora mesmo’. Koppenhaver então a violentou sexualmente com as mãos.” Trecho do relatório policial que registrou a ocorrência. O advogado de War Machine, Brandon Sua, afirmou que o lutador estava sendo demonizado pela mídia. Enquanto ainda era considerado foragido, Machine disse, também no twitter, que era inocente, um “bom homem” que “precisou lutar por sua vida”. O irmão dele declarou em entrevista que Machine teria agido em legítima defesa, porque Christy Mack o teria atacado com uma faca. “Meu cliente não é um monstro, é um bom rapaz. A coisa mais difícil para ele está sendo ver as reações da mídia, do público. As declarações foram ouvidas apenas de um lado”, disse o advogado. Apesar desses protestos, Machine foi incluído na lista dos “Dez maiores safados do mundo esporte”, compilada pela Revista GQ, ao lado do ciclista condenado por dopping Lance Armstrong e do empresário do UFC Dana White, acusado de dar o calote em alguns lutadores e vender uma imagem que não corresponde à realidade da modalidade. Scott Coker, presidente da Bellator, também emitiu uma declaração, descolando a imagem da empresa de promoção de MMA da figura de War Machine: “Temos uma política de tolerância zero no que se refere a qualquer forma de violência doméstica. Depois de sermos informados do mais recente incidente envolvendo Jon Koppenhaver/War Machine, a Bellator está liberando-o de seu contrato promocional com a organização”. Machine já havia sido detido, em 2009, após acusações criminais de violência doméstica. Na última sexta-feira (5), o ex-BBB Yuri Fernandes foi detido em Maceió (AL) por agredir a namorada, a bailarina do Faustão Ângela Sousa. De acordo com informações concedidas pela Delegacia da Mulher de Alagoas, para onde o casal foi encaminhado, o lutador foi preso em flagrante após funcionários do hotel em que os dois estavam hospedados chamarem a polícia. Depois de voltarem de uma festa, Yuri estaria alcoolizado e teria partido para cima da namorada. Os funcionários ouviram gritos e ligaram para o quarto, mas o casal teria afirmado que estava tudo bem. Segundo a Delegacia, no início da manhã, a bailarina voltou a fazer contato com a recepção do hotel pedindo ajuda. Ângela estaria com hematomas no rosto e fortes dores na barriga, decorrentes da agressão do namorado, que é lutador de MMA e Muay Thai. Fernandes foi preso em flagrante, sem direito à fiança. A delegada da mulher Fabiana Leão confirmou que houve agressão também por parte de Ângela. A bailarina foi ouvida e liberada em seguida, após fazer o pedido de uma medida protetiva. Ângela manifestou-se publicamente no último sábado (6). “Aprendi com esse episódio que um aperto mais forte ou um esbarrão proposital também são agressões. Ninguém imagina quando vai acontecer, ninguém está livre de acontecimentos inesperados, tampouco vindo de partes que você ‘confia’. Precisei passar por tudo para aprender…mas aprendi (…) Reparei que receber um soco no olho vindo de trás de você, enquanto está agachada chorando, não é legítima defesa. Tão pouco um pisão nas costas enquanto se está caída no chão. A diferença de força entre um homem e uma mulher é óbvia. Isso qualquer um sabe…Principalmente vinda de um lutador que usa o que aprendeu no ringue em casa. E só quem esta sentindo as dores por ter sido surpreendida com um chute ‘frontal’ na barriga ao levantar da cama, sou eu. Mesmo sendo em menor intensidade. Com tudo não sinto mágoa, raiva, pena, etc… Anulei automaticamente parte dos meus sentimentos. Exaltei o amor próprio (mesmo que tardio). Sinto orgulho de mim! Em meio a isso só consigo desprezar pensamentos para um ser humano que se afunda na própria ignorância. Veja bem: leigo é quem não sabe, ignorante é quem não quer aprender. Por fim em meio a alegações de legítima defesa e chutes imaginários, fico com a hombridade, dignidade e segurança de estar sendo leal a mim, a lei dos homens e a Deus, que é o mais importante. Não desejo mal a ninguém, penso que tudo que vai, volta. Me reservo apenas o direito de ter direitos. Acredito que Deus tem um propósito para cada um. E talvez de mim saiam forças que possam encorajar aquelas que pensam duas vezes para denunciar seus agressores. Nenhuma violência é justificada. Homem/mulher, homem/animal, homem/criança, e por aí vai. Preciso agradecer por todas as mensagens, todas mesmo! As de carinho que me alimentam e fortalecem e as grosseiras que lhes obrigarão a repensar seus atos e assim enchem meu coração por não sermos iguais. #Amém #NãoSintaVergonha #LeiMariaDaPenha #Denuncie #ContraAviolênciaDoméstica #coragem #NãoSomosSacoDePancada #DeuséJusto #DeusNaFrente”. Yuri negou a agressão em comunicado oficial. “Diante de algumas matérias publicadas nesta manhã, acerca da detenção do empresário Yuri Fernandes em um hotel em Maceió, por supostamente ter agredido sua namorada, Angela Sousa, o mesmo vem declarar, por intermédio de seus advogados, que os acontecimentos da última noite não ocorreram da forma veiculada. Realmente houve uma discussão entre o casal, motivada por uma crise de ciúmes de sua namorada, mas em momento algum houve agressão física por parte dele. Ele apenas a conteve, no intuito de evitar que ela se machucasse em razão do seu estado emocional”. O ex-BBB foi liberado no fim de semana, após assinar um termo de compromisso que determina distância de 100 metros da bailarina e que não tente entrar em contato com ela ou com qualquer pessoa da família da moça. Caso as medidas protetivas sejam descumpridas, ele pagará uma multa de R$ 20 mil. Assim como no caso de Christy Mack, Ângela foi acusada de ‘produzir’ o olho roxo com maquiagem e de exagerar as agressões do ex-namorado. Aproximação – adianta fechar os olhos? Por que a primeira agressão nunca é denunciada? A imagem de uma mulher espancada no Twitter aproxima e torna mais ‘real’ uma questão que geralmente queremos fingir que não existe. Os comentários mostram, mais uma vez, que a necessidade de conscientizar a sociedade sobre a violência de gênero nunca foi tão grande. Mas porque existe a tendência em ignorar o problema? “A sociedade patriarcal e o pensamento machista sempre colocaram o homem na posição de provedor da casa e detentor do poder, enquanto a mulher é reduzida a funções reprodutoras e submissas. Ainda hoje, uma mulher que ocupar o mesmo cargo que um funcionário homem vai ganhar um salário menor. E até pouco tempo, nem havia a possibilidade de denúncia. A violência doméstica era, até certo ponto, considerada uma parte ‘natural’ da vida cotidiana”, afirma a psicóloga Fernanda Seabra, especialista em Terapia Familiar Sistêmica. Mas há outros motivos, mais íntimos: a influência do poder e do ciúme na relação e o histórico familiar de cada um. “Toda pessoa que sofreu violência em casa vai perpetuar isso? Não. Mas, na maioria dos casos de agressões domésticas, o agressor tem histórico de abuso físico, psicológico ou moral na família. Pais que agridem os filhos são quase sempre crianças que foram agredidas e se sentiram rejeitadas ou abandonadas. Nas relações amorosas, o agressor transfere esse mecanismo para o ciúme, geralmente. A mulher não pode olhar para o lado, sair com as amigas, ter interesses. Só ele tem direito ao ‘poder’. A mulher que é agredida vai ficando cada vez mais envergonhada e impotente, sem autoestima”, diagnostica Fernanda. São raros, portanto, os casos em que a denúncia acontece depois da primeira agressão, ainda que haja mais facilidade e incentivo atualmente. “Essa dinâmica é afetada pelo tipo de ‘contrato’ estabelecido entre as partes – se são namorados, se são casados, ou ainda se têm marido/esposa e mantêm amantes. Mas está vinculada também a pessoas que não aprenderam a lidar com a frustração, a rejeição e a separação, desde a infância. São egocêntricas, arrogantes, têm baixa tolerância ao ‘não’ e têm nível de narcisismo exagerado”, explica Fernanda Seabra. Entre essas pessoas, estão os psicopatas e sociopatas, por exemplo, mas não necessariamente quem agride uma mulher é portador de um desses distúrbios. Em uma relação como essa, uma das partes quer levar vantagem, quer ser ‘servido’. “Tem mais a ver com posse, poder e dependência do que com amor. Quando Jon Koppenhaver diz que aquela vagina é dele, ele quer afastar outros machos, não demonstrar que ama”, salienta. De acordo com Fernanda, entretanto, para quem está vivendo essa relação, ouvir o pedido de desculpas e o ‘eu te amo’ supostamente arrependido, que vem depois das brigas, alimenta o ciclo de dependência e co-dependência. “A pessoa acredita que não consegue viver de outra maneira, acredita que ama. E não denuncia. A impunidade, por sua vez, alimenta a possibilidade de agressão. Não há tranquilidade, troca e parceria, e mesmo assim os integrantes do casal não veem saída”, explica a psicóloga. Fernanda não ignora a existência de mulheres que também agridem os homens e tomam atitudes escandalosas para assediar moralmente um ex-companheiro ou atual companheiro, seja por ciúme ou por não aceitar o fim do relacionamento. Mas lembra que a imposição física é feita pelo sexo masculino. “É muito perigoso estabelecer quem é a vítima e quem é o algoz nas relações. Casais que atendemos dentro da terapia sistêmica demonstram formas de comunicação que podem ser ‘enlouquecedoras’, confusas. Quem vem de uma história de relações de dependência na família vai, muitas vezes, buscar alguém que possa alimentar esse vício”, pondera. Fernanda aponta que as desculpas para manter o relacionamento são muitas. Se muitas vezes não há mais aquela dependência financeira, que prendia as mulheres em casa no século passado, há os filhos, a família que vai julgar, os conceitos religiosos e a vergonha. O sofrimento psíquico, o medo e a angústia levam à depressão e à incapacitação no trabalho, fazendo com que a mulher se sinta ainda menos valorizada, sem saída. “É o típico raciocínio do ‘ruim com ele, pior sem ele’. Uma pessoa muito submissa revela problemas de autoestima que remontam às suas primeiras experiências afetivas. Ela nunca tem direitos, só deveres. São empobrecidas afetivamente, convivem com o desamor e a perda da qualidade de vida. Daí a extrema importância de que esses aspectos sejam trabalhados ainda na infância e na adolescência”, ensina a especialista. Silêncio A psicóloga reforça a necessidade de se buscar um tratamento, sob pena de que as consequências de uma relação tóxica se tornem crônicas. A mulher pode continuar buscando parceiros com o mesmo perfil, ou pode se fechar e desistir dos relacionamentos amorosos, por exemplo. “Isso acontece por medo ou incapacidade de se sentir mulher e de se sentir amada, por medo de nunca ser boa o suficiente. As consequências vão da depressão crônica até à visão estigmatizada dos homens. Quando essa mulher tem um filho, corre o risco de passar essa imagem estigmatizada para ele também”, salienta. Fernanda Seabra lembra que esse tipo de comportamento pode aparecer nas relações em que um é ‘carcereiro’ do outro. O futebol com os amigos incomoda; o cinema com as amigas incomoda, tudo tem que contar com a autorização do outro. “São relações tóxicas, que não dão espaço a sonhos e aspirações individuais”, destaca. No caso de Christy Mack, que decidiu divulgar as fotos, Fernanda Seabra faz uma crítica. Mas não à atriz. “Se houvesse um apoio penal e jurídico mais eficiente, ela não precisaria ter feito isso. Ela soube usar a fama a seu favor, mas não é toda mulher que terá essa possibilidade. A denúncia na rede social faz refletir – as mulheres não devem ser agredidas nunca –, mas nossa orientação é também de que, além da denúncia, elas busquem psicólogos, advogados e líderes religiosos, se for o caso. Qualquer ajuda que traga conforto e forças, mas que não as deixe ficar em silêncio”, alerta. Não faltam exemplos de que nem sempre o sistema de proteção à mulher agredida consegue evitar as tragédias. Mulher que tinha medida protetiva é agredida por ex-companheiro, Ex-namorado que matou estudante de medicina em MG descumpriu medida protetiva, são casos recentes. O jornal Estado de Minas também destacou esse problema agora em setembro, na matéria Proteção para mulheres vítimas de violência é lenta em BH.
Coisas ou pessoas? A especialista reforça que outro sinal de perigo nas relações afetivas é quando o outro se torna uma coisa. “Na relação de dependência, a pessoa não se sente forte o suficiente para sair desse ciclo. Além de ficar na ilusão de que o outro vai mudar, passa a acreditar que não vale muito mais do que um objeto. Passa a se ver mesmo como uma simples propriedade”, define Fernanda. Apesar de ser um assunto muito delicado, a terapeuta lembra que, do ponto de vista psicológico, os dois têm sua parcela de responsabilidade. Ficar calada é uma forma de contribuir para a repetição da agressão. “Há um comunicação dupla, entre quem aprendeu que ’quem ama, bate’ e quem aprendeu que o outro deve servi-lo. São escolhas inconscientes, histórias que se atravessam. A verdadeira coragem é refletir: ‘o que eu faço que alimenta esse comportamento’? ‘Eu mereço isso?’. Só essa reflexão supera a sensação de medo e a impotência, enfrenta a preocupação com o julgamento da sociedade e permite sair da passividade”, salienta a psicóloga. Segundo ela, a agressividade, em si, não é ruim. “Ela nos protege de várias coisas, nos livra da passividade. E mesmo o fato de muitos agressores serem lutadores não necessariamente os levou à agressão. Artes marciais exigem disciplina e foco, não agressividade. É muito mais provável que o problema seja a falta de amadurecimento das emoções, a baixa tolerância à frustração e os excessos – bebidas e drogas, por exemplo”, orienta. “Como terapeuta de casais, percebo que não se pode avaliar os fatores psicológicos sozinhos, e sim o encontro das histórias de cada um. A disfunção é da relação; e não só do homem. Na nossa sociedade, no entanto, temos o agravante de que, culturalmente, a mulher é educada para ser submissa e o homem para ser predador. Isso contribui para que as discussões entre os casais virem caso de polícia”, conclui a especialista. O que mudou com a Lei Maria da Penha? Câmara analisa proposta que pune violência doméstica com mais rapidez O que mudou com a Lei Maria da Penha? “Mudou a credibilidade. Mais mulheres acreditam, hoje, que devem procurar a Delegacia de Mulheres, um órgão que vai recebê-las prontamente, com profissionais capacitados e atendimento 24 horas. Antes, esses casos eram tratados na vala comum, como qualquer outro crime de agressão. Hoje, a partir da denúncia, há a possibilidade de prisão em flagrante, prisão preventiva, prisão temporária, monitoramento eletrônico com tornozeleiras e medidas protetivas, dependendo de cada caso. O que mudou, principalmente, foi a crença na efetividade da lei e na responsabilização do agressor”, afirma a delegada Elizabeth de Freitas. Apesar dos avanços trazidos com as punições impostas pela Lei Maria da Penha, aprovada há oito anos, os crimes cometidos dentro de casa ainda atingem mais de 100 mil mulheres por ano no Brasil. No Congresso, várias propostas modificam a legislação para aumentar a punição. Entre elas, está a que determina que o Ministério Público e o juiz analisem, imediatamente, se há elementos para decretar a prisão preventiva de agressores de mulheres. Nos Estados Unidos, o Congresso aprovou a Lei da Violência contra as Mulheres em 1994, que criou o Escritório para a Violência contra as Mulheres no Departamento da Justiça. O escritório ajudou comunidades e municípios com assistência financeira e técnica enquanto desenvolviam programas, políticas e práticas “com o objetivo de pôr fim à violência doméstica, violência no namoro, agressão sexual, incluindo assistência jurídica para as vítimas, melhoria dos tribunais e formação para as forças da lei e para os tribunais.” As estatísticas mostraram que, entre 1993 e 2010, o número de mulheres mortas por um parceiro íntimo diminuiu em cerca de 30%. E as taxas anuais de violência doméstica contra as mulheres caíram em cerca de dois terços. |
|||
Fonte: Saúde Plena
|