Na superlotação de ônibus, trens e metrôs que circulam na capital paulista, usuários se espremem uns contra os outros em busca de espaço. Esse roçado facilita “mãos bobas” nada bobas, sussurros indecorosos e encoxadas propositais, reportados por uma a cada três paulistanas entrevistadas pelo Datafolha em pesquisa sobre assédio.
Segundo o levantamento, que entrevistou 1.092 homens e mulheres, o transporte público é o local onde mais ocorre assédio às mulheres da cidade: 35% dizem já ter sido alvo de algum tipo de assédio nesses apertos. 22% delas dizem ter sofrido assédio físico, enquanto 8% foram alvo de assédio verbal e 4% de ambos. Em seguida ao transporte público, os palcos de assédio são a rua (33%), a balada (19%) e o trabalho (10%). Este resultado vai ao encontro da movimentação de ativistas e de coletivos feministas para que empresas de transporte público criem campanhas e mecanismos facilitados de denúncia. As ações vão desde protestos em estações de metrô ou da distribuição de alfinetes em plataformas e pontos de ônibus como forma de autopreservação até mulheres que conseguiram forjar a criação de campanhas e do treinamento de funcionários do metrô. É o caso da pesquisadora de políticas públicas Ana Carolina Nunes, 24. Usuária do metrô desde adolescente, e alvo de assédio ali muitas vezes, ela passou a se questionar: “Não é possível que o Metrô não saiba o que fazer pra acabar com isso?”. O que descobriu, disse, é que a empresa não sabia mesmo. “Não só o Metrô, mas todas as empresas de transporte não sabem como lidar com a questão do assédio. Antes de tudo porque não existem mulheres em posições de comando nessas estruturas”, avalia. Ana Carolina entrou pelo canal do cliente pedindo providências e sugerindo uma campanha. Ao longo de um ano e meio de contato com equipes do Metrô, já ajudou em iniciativas de conscientização dos usuários, canais de denúncia e treinamento de pessoal. “Mas esse tem de ser um processo contínuo, e não algo pontual”, alerta. Para ela, o reconhecimento do assédio está colado no reconhecimento social de que assédio é violência. “Dizer que é crime já faz assediadas e assediadores perceberem que é errado.” De acordo com o Metrô, as ações resultaram num aumento de manifestações pelo SMS-Denúncia: em 2013 foram dez casos, em 2014, 61 casos e, até outubro de 2015, 111 -um aumento de 82% do ano passado para este. Em nota, o Metrô informou que, em 2015, 115 boletins de ocorrência foram registrados na Delegacia do Metropolitano, órgão responsável pela investigação dos crimes no sistema, e que mais de 80% dos casos denunciados resultaram na identificação e encaminhamento dos infratores. Segundo a SPTrans, 36 denúncias de abuso dentro de ônibus foram registradas de janeiro a outubro de 2015. Em 2014, foram 38. Gestora do sistema de ônibus de São Paulo, ela diz fazer campanhas contra o assédio em seu site, mas não havia nada em sua página na última sexta. Para Luise Bello, 26, gerente de comunicação e conteúdo da ONG Think Olga, que criou as campanhas #primeiroassedio e Chega de Fiu-Fiu, a superlotação do transporte público favorece “uma proximidade excessiva que ainda é utilizada como desculpa para abusos físicos”. “Nesse tipo de situação, dentro de um ônibus ou um trem, muitas vezes a mulher tem menos possibilidade de escapar do abuso.” Caróu Oliveira, 28, da Frente Contra o Assédio, que reúne mais de 20 coletivos, acha que as empresas fazem muito pouco pela segurança de suas usuárias. “Há um discurso de que a mulher, no espaço público, torna seu corpo também público. E a lotação facilita o assédio. A circulação de mulheres não é cuidada pelas empresas, que estão se lixando para a superlotação do serviço.” Caróu, cuja mãe levava uma agulha de tricô na bolsa quando embarcava em trens da CPTM, avalia que o caminho é ajudar a mulher “a se defender, a reagir e a denunciar”. MENINAS Escândalo nas últimas semanas, o caso da participante de 12 anos do MasterChef Junior alvo de comentários de cunho sexual nas redes sociais motivou a campanha #primeiroassedio e abriu o debate sobre a violência à qual meninas estão submetidas desde cedo. A pesquisa Datafolha espelha esta realidade e aponta que 51% das mulheres que sofreram assédio na vida foram alvo até os 17 anos -12% delas antes mesmo dos 12 anos de idade Para a antropóloga Beatriz Accioly, o dado é assustador. “Isso só mostra a necessidade de se discutir a questão do assédio cada vez mais e cada vez mais cedo, em especial em espaços como a escola”, diz. “O problema é que este tema enfrenta muita resistência nos nossos planos educacionais.” Outro resultado da pesquisa que chamou a atenção de especialistas é a quase uniformidade na taxa de ocorrência de assédio nas várias faixas etárias. Considerando as mulheres que foram vítimas de assédio, 23% têm entre 16 a 24 anos, 27% entre 25 e 34 anos, 22% das mulheres entre 35 e 44 anos e 22% entre 45 e 59 anos. No total, metade das mulheres disseram já ter sofrido assédio. “Esses dados indicam que o fenômeno é mais abrangente do que se imagina”, avalia a socióloga e pesquisadora Fátima Pacheco Jordão, do Instituto Patrícia Galvão. “Se meninas mais jovens têm a mesma taxa de reconhecimento do assédio das mulheres mais velhas, é porque elas estão sendo alvo de assédio já muito cedo na vida. E que, portanto, este é um fenômeno que não está evoluindo positivamente.” SMS-Denúncia: 97333-2252 (Metrô); 97150-4949 (CPTM) e pelo fone 156 (ônibus) O QUE É? Assédio verbal Ato obsceno Assédio sexual Estupro Fernanda Mena e Juliana Gragnani |
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Fonte: Folha de S. Paulo
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