Tantos foram os homens mortos durante o notório genocídio de Ruanda, em 1994, que sobrou às mulheres a tarefa de reerguer o país – tarefa esta que não foi fácil. Em um dia recente, a capital Kigali estava em polvorosa para o show do rapper ugandense Dr. Jose Chameleone, que atraiu uma multidão de jovens e famílias. No show, Chameleone agitou a plateia, abriu uma bandeira de Uganda e, contrariando o estereótipo de popstar machista, gritou: “Mulheres, unidas! Digam não à violência doméstica!” Parece que o rapper sabe como conquistar a ala de mulheres modernas de Ruanda – obstinadas, independentes e ávidas para lutar por seus direitos. Esse entusiasmo pela igualdade de gêneros é influenciado por fatos ocorridos há quase 20 anos, quando um dos genocídios mais devastadores do século 20 dizimou muitos dos homens do país. O genocídio, em que membros da etnia hutu massacraram tutsis e hutus contrários à carnificina, resultou na morte de mais de 1 milhão de pessoas ao longo de cem dias. Após a matança e o exílio de muitos homens, as mulheres passaram a compor 70% da população ruandesa. “O trabalho de reconstruir Ruanda recaiu sobre nós”, diz a parlamentar Faith Mukakalisa. “Desde então, estamos gritando pelo poder para as mulheres.” Nada de donas de casaTrabalhar como dona de casa deixou de ser uma opção, diz Faith. Era preciso comandar os negócios, cultivar os campos agrícolas e tomar decisões importantes. Atualmente, as mulheres detêm 56% dos assentos do Parlamento de Ruanda, de longe a maior taxa de parlamentares femininas do mundo. A Constituição pós-genocídio, promovida pelo partido governista RPF, garante uma quota de 30% para congressistas femininas e também determina a igualdade de gêneros na educação, na posse de terras e na economia. As mulheres têm poder de revisar leis e colocar em prática medidas de combate à discriminação. “É inegável”, diz Mukakalisa. “As mulheres foram a fundação da nação relativamente estável que você vê hoje.” Mas não foi fácil alcançar essa estabilidade. E isso fica evidente em uma visita a um grupo de artesãs em uma fábrica local. “Imagine chegar ao trabalho e sentar-se ao lado da esposa do homem que matou o seu marido, ou da mulher cujo parceiro está vivendo exilado depois de assassinar o seu irmão”, conta uma delas. NormalidadeAinda assim, a determinação de voltar à normalidade, de voltar a colocar comida na mesa e aprender novas habilidades deu a elas força para se unir. Apesar de suas famílias terem guerreado entre si, elas decidiram sentar ao lado umas das outras, cantando e discutindo a vida comunitária. A dona da fábrica diz ter orgulho cada vez que uma mulher ganha seu próprio dinheiro e abre uma conta bancária pela primeira vez. Só que ainda há muito há fazer. Nos últimos cinco anos, cerca de 1 milhão de ruandeses saíram da pobreza, mas o salário médio do país é pouco mais de US$ 1 por dia. A expectativa de vida média é de meros 50 anos. E, como lembrou o rapper Chameleone, a violência doméstica ainda afeta muitas das mulheres ruandesas. De qualquer forma, para muitas mulheres, a percepção é de que elas podem ir longe. Marie Aimee Umugeni, gerente de um centro de mulheres no distrito de Nyamirambo, está grávida de uma menina e muito feliz por isso. Questionada a respeito do que sonha para sua filha, ela diz: “Que Ruanda continue a melhorar. Que o meu bebê tenha uma boa educação. Quem sabe ela vira uma política, uma professora ou uma engenheira quando crescer.” “Não é como quando eu era jovem”, prossegue Umugeni. “Nada vai ser capaz de impedi-la de fazer o que ela quiser.” |
Fonte: BBC Brasil
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