A rápida ascensão das mulheres no mercado de trabalho ainda é vista com ressalvas por boa parte dos brasileiros, sobretudo se elas ganharem mais que os maridos. É dentro de casa e entre os familiares que o desconforto – e, em vários casos, preconceito – torna-se mais evidente. Para muitos homens, conviver com uma companheira de sucesso é uma afronta, uma ameaça à virilidade daqueles que foram criados para serem os provedores da casa. Há situações em que a dificuldade para a aceitação é tamanha que casamentos até então embalados pelo clima de felicidade acabam. Quando os maridos se mostram compreensivos, são os familiares que atormentam as profissionais bem-sucedidas, a ponto delas ouvirem questionamentos do tipo: “Como pode sustentar aquele vagabundo?”. Essa situação se agrava no Distrito Federal e no Amapá, onde segundo a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), o salário médio das mulheres é maior do que o dos homens.
A médica Suzane Coimbra, 35 anos, não esconde os traumas das cobranças. No início, quando montou seu consultório, só recebia elogios do marido, Marcos, 37, vendedor de produtos farmacêuticos. “Ele sempre ressaltava a minha força de vontade, o meu empenho em melhorar”, conta. À medida, porém, que a clientela de Suzane foi aumentando, e ela assumindo a maior parte das despesas de casa, o marido começou a ficar ressabiado. O quadro piorou quando Marcos perdeu o emprego e foi obrigado a se recolocar em outra companhia ganhando menos. “Daí em diante, foi um inferno. Ele se sentiu humilhado e passou a me tratar com ironias e desrespeito. Para piorar, meus pais e meus irmãos passaram a ver a nossa relação como problemática e a classificar Marcos como aproveitador, que não parava em emprego nenhum, porque tinha uma mulher que o sustentava”, relembra Suzane. Tanta foi a pressão que o casamento de quase seis anos se desfez. “O bom de tudo foi que não tivemos filhos. Certamente, o processo de separação teria sido ainda mais traumático”, diz a médica, que está noiva de um colega de profissão, Felipe, 39. “Sinceramente, não penso em passar novamente por cobranças bobas, por causa de salário. Já disse isso a Felipe e ele garantiu não ter o menor problema em lidar com mulheres bem-sucedidas profissionalmente”, afirma Suzane. Apartamento e carro Para a perita criminal Helen Cristina Pereira, 30, felizmente, a diferença salarial é vista com normalidade dentro de casa. Ela ganha mais que o marido, João Henrique de Lima, 29. Engenheiro da computação, ele saiu da universidade há dois anos e trabalha em uma empresa de tecnologia. Helen passou no terceiro concurso público e alcançou, há dois anos, o cargo que tanto almejava desde que saiu da universidade formada em biologia. “Acho natural uma mulher ganhar mais que o marido. Não tenho problemas com isso. São ramos diferentes. Trabalho no setor privado e ela, no público. São características diferentes, remunerações distintas”, diz Henrique. Helen sabe, porém, que não são todos que agem com naturalidade. “Pessoas próximas a mim criticam a situação. Há quem diga que Henrique entrou ganhando no relacionamento, já que tenho um salário mais alto, apartamento e carro”, conta. A perita está no segundo casamento e se acostumou às cobranças e ironias. O primeiro marido também ganhava menos. “Ele não se importava com nada, mas a minha família achava estranho”, ressalta. A servidora Joana Ferreira, 54, assegura que não dá bola para o preconceito. Há 30 anos no serviço público, sempre ganhou mais que o marido, Antonio, 59, também funcionário do governo. O salário dela é quase um quarto maior que o dele. “Meu cargo é de nível superior, o dele, de técnico. Mas a diferença não é vista como um problema por nós. As despesas de casa são divididas de acordo com os nossos salários, e nunca passamos por nenhum tipo de constrangimento. Acho que, hoje em dia, essa situação é mais corriqueira, e nossos amigos e familiares a veem com naturalidade.” Joana acredita que os concursos públicos podem ter a ver com essa visão. “No meu meio, não conheço casos em que uma mulher ganhe menos que um homem no mesmo cargo. Mas em empresas privadas, o quadro é diferente”, afirma. Na avaliação de Tânia Navarro Swain, especialista em estudo feminista da Universidade de Brasília (UnB), quando se olha o universo dos casais, “ainda é uma situação incomum” os homens ganharem menos do que as mulheres. A própria estrutura do mercado de trabalho leva a isso. Conforme dados da Rais, que dá uma amostra clara das diferenças salariais, os rendimentos das mulheres vêm crescendo de forma mais rápida que os dos homens. Mesmo assim, a remuneração média real das trabalhadoras no ano passado foi R$ 433 menor. A distorção é tão grande que, somente em 2011, a média salarial feminina ultrapassou a remuneração que o sexo masculino tinha em 2003. “Por isso, para muitos, é tão difícil entender o fato de a mulher ganhar mais que o marido”, frisa Tânia. Postos importantes O estranhamento não ocorre somente em relação aos salários mais altos das mulheres, mas também em relação aos cargos. “As mulheres dificilmente atingem postos de comando, de direção geral, nas empresas. Um estudo da consultoria Bain & Company mostra que apenas 4% dos CEOs (Chief Executive Officer, o principal executivo) de grandes empresas no Brasil são do sexo feminino. O número contrasta com a realidade de mulheres que saem das universidades: elas são 58% dos alunos. “Várias pesquisas mostram que as mulheres estudam mais, buscam uma maior quantidade de títulos acadêmicos. Grande parte disso para se destacar nos processos seletivos. É muito comum que, se o candidato homem tiver o mesmo nível, a mulher seja preterida”, explica Karina Boner, CEO da Empresa Brasileira de Florestamento Ambiental (EBFlora) e vice-presidente da Associação de mulheres Empreendedoras (AME), entidade que capacita profissionalmente trabalhadoras do sexo feminino. Para Tânia Fontenele, coordenadora do Instituto de Pesquisa Aplicada da mulher (Ipam) e autora do livro mulheres no Topo da Carreira, elas estão avançando na educação, mas o processo de conquista de igualdade ainda é muito precários. Tânia conta que, durante a pesquisa que deu origem à publicação, chegou a entrevistar mulheres bem-sucedidas que se sentiam constrangidas por ganhar mais que os companheiros. “Uma das pessoas que entrevistei teve que se separar do marido, que não deu conta de estar em um relacionamento em que ela ganhava mais. É a perpetuação da ideia de que a mulher tem que estar atrás do homem. Acredito que é um cenário que começa a mudar, mas mudanças sociais vêm em longo prazo”, completa. Bárbara Nascimento |
|||
Fonte: Correio Braziliense
|
|||