Theresa Flores, 48, tinha pouco mais de 15 anos quando foi capturada por traficantes sexuais nos Estados Unidos. Ela foi enganada, chantageada e forçada à prostituição. Atualmente, lidera uma instituição que fundou para combater o problema. Com a ajuda de voluntários, distribui em motéis sabonetes com um número de telefone para denúncias na embalagem. Em 2014, quer trazer a experiência para o Brasil. Eu fui uma adolescente de família de classe média alta em Detroit, uma família normal. Era ingênua, como toda menina, e acabei me apaixonando por um garoto um pouco mais velho que frequentava a minha escola. Por mais de seis meses, ele foi simpático comigo, sempre dizendo que eu estava bonita. Qualquer garota gosta desse tipo de atenção. E assim ele foi me conquistando, até o dia em que se ofereceu para me levar em casa. No meio do caminho, porém, mudou a rota e foi para a casa dele. Disse que gostava de mim, me convenceu a entrar e me deu uma bebida, que devia conter alguma droga. Então eu fui estuprada. Foi o início de dois anos em que me tornei uma escrava sexual. Ele não estava sozinho e fotografava a cena. Dias depois, ele me contou o que tinha acontecido e me mostrou as fotos, dizendo que as levaria para o meu pai, para o chefe do meu pai e que as espalharia pela escola se eu não os obedecesse. A partir daí, começou a ir me buscar algumas vezes por semana, depois que meus pais iam dormir. Eu tinha de sair escondida e era levada a porões da região, onde ficava até as 4h da manhã sendo estuprada por cerca de dez homens por noite. Às vezes era um por vez, outras vezes apareciam juntos e usavam objetos. Ele era um menino atuando como recrutador para pessoas mais velhas, que fizeram muito dinheiro com isso. Depois me deixava em casa e eu tinha de acordar cedo para ir à escola. Sem entender por que eu me deprimi, meus pais me mandaram para a terapia, mas eu não consegui contar nada. Além das chantagens, eles me batiam, me drogavam, diziam que matariam minha família, mataram meu cachorro com um tiro e deixavam pássaros mortos na minha caixa de correio. Não me sequestrar e permitir que eu continuasse vivendo com os meus pais foi um meio de me manter sob controle. Na pior noite, depois de me leiloarem para mais de 20 homens e me largarem em um motel imundo, eu consegui sair andando pela rua. Foi quando uma garçonete de um restaurante próximo me percebeu, ofereceu ajuda e chamou a polícia. Hoje eu tenho um projeto chamado SOAP (Save Our Adolescents from Prostitution [a sigla, que significa sabonete em inglês, é um apelo ao combate à prostituição de crianças e adolescentes]). O nome do projeto faz referência à única coisa que me dava algum conforto depois de horas de estupro: uma barra de sabão com que eu pudesse me lavar. Levamos voluntários aos pequenos hotéis e motéis onde essa exploração pode acontecer e fornecemos milhares de sabonetes com um número de telefone para denúncias nas embalagens, na esperança de que uma dessas meninas tenha acesso. Também divulgamos fotos de crianças desaparecidas e treinamos funcionários dos estabelecimentos para que identifiquem comportamento suspeito entre os hóspedes. No ano que vem, levarei esse trabalho ao Brasil, na Copa do Mundo. Segundo o FBI [polícia federal americana], que realizou uma grande operação contra a prostituição infantil nesta semana, um dos principais ambientes para esse tipo de crime são os grandes eventos esportivos, que atraem um volume maior de turistas homens. Durante o Super Bowl [final do torneio de futebol americano], o esforço de 300 voluntários costuma resgatar até oito meninas. Para a Copa, estimamos 14. Minha recuperação foi difícil até eu descobrir que a minha história não é única. Quando comecei a estudar sobre tráfico humano, aprendi que esse é um dos crimes mais recorrentes nos Estados Unidos e que precisa ser combatido. |
Fonte: Folha de São Paulo
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