O México elegerá, segundo a projeção oficial de resultados, neste domingo (2) a candidata Cláudia Sheinbaum, do partido Morena, como sua próxima presidente. O feito histórico em um país tradicionalmente machista ocorre seis anos após mudança constitucional que exigiu paridade a mulheres nos cargos eleitorais do país latino.
Quem é Claudia Sheinbaum
Nova presidente já foi prefeita da Cidade do México. Ela tem 61 anos, vem de uma família rica e de origem judaica, é cientista e engenheira ambiental.
Apoiada por Andrés Manuel López Obrador, candidata se movimenta entre esquerda e centro-esquerda. Em seus discursos, ela manifestou intenção de continuidade do projeto do atual presidente, que tem boa aprovação no país, atribuía por especialistas aos sequenciais benefícios sociais às populações de baixa renda.
Políticas de combate ao narcotráfico e relações internacionais devem ter pouca alteração. Especialistas ouvidos pelo UOL afirmaram que Claudia deve manter as boas relações com os Estados Unidos e enfatizar o discurso de punição e “política de paz” com os traficantes, apontados hoje como um dos maiores problemas do país.
Candidata eleita vai enfrentar o peso de ser primeira mulher presidente
Predominância do machismo no México fez candidata se afastar da ideia de feminismo. Ao longo de toda a campanha, Sheimbaum se colocou na disputa como alguém forte e capaz de lutar pelo direito das mulheres. “México se escreve com ‘M’ de ‘Mãe’ e de ‘Mulher”, foi um dos lemas dela.
Como em todo novo governo, decisões e movimentações tomadas por ela serão analisadas de perto pela sociedade mexicana e internacional. Para a coordenadora da pós em Relações Internacionais da FESP Flávia Loss de Araújo, porém, o fato da vencedora do pleito ser uma mulher fará com que o papel de gênero dela seja constantemente questionado.
Ver disparidade no tratamento de mulheres e homens eleitos em outros países é exercício que ajuda a prever futuro da candidata. Dentro da América Latina, o Brasil, onde uma mulher e um homem presidentes sofreram impeachment, a observação sobre como a sociedade e a mídia tratou cada um dos casos mostra a disparidade.
Vimos o que Dilma passou por ser mulher. Foi um processo de impeachment muito mais agressivo do que foi com o Fernando Collor na década de 1990. Havia até adesivos da Dilma, fazendo alusão a posições sexuais nos carros. Uma coisa horrível mesmo. Ainda há muita violência no discurso político brasileiro em relação às mulheres. No México é a mesma coisa.Flávia Loss de Araújo, coordenadora da pós em Relações Internacionais da FESP
Lei de paridade de gênero nas eleições
A lei de paridade de gênero nas eleições do México foi promulgada em reforma eleitoral no ano de 2014 e entrou em vigor em 2018. Ela prevê que os partidos apresentem 50% de candidatas mulheres e 50% de candidatos homens para os pleitos.
O México adota um sistema eleitoral chamado de “lista fechada”. Nele, os eleitores votam especificamente nas legendas, que determinam a ordem dos seus candidatos. Isso facilita que o número de mulheres seja equilibrado não só na candidatura, mas também no momento da posse, explica a professora Flávia Loss de Araújo, coordenadora da pós em Relações Internacionais da FESP.
Ordens de paridade impedem que lista seja burlada. As listas apresentadas pelos partidos têm que ter dois tipos de paridade no México. A primeira delas é a paridade vertical, que distribui mulheres e homens de forma sequencial. A segunda é a paridade horizontal, que obriga a aplicação das listas para todos os cargos e estados disponíveis, explica Regiane Bressan, professora de relações internacionais da Unifesp.
O México está tentando essa paridade nos dois sentidos, tanto no horizontal quanto no vertical. E as ações afirmativas funcionam justamente pensando em composição de listas que garantam a eleição efetiva de mulheres nos três poderes do governo. As ações afirmativas, elas endossam bastante essa política.Regiane Bressan, professora de relações internacionais da Unifesp
Escândalo das “Juanitas” marcou uma das primeiras tentativas de paridade de gênero
No começo do novo século, as discussões sobre igualdade eleitoral se intensificaram na América Latina. No pleito de 2009, mudanças no código eleitoral do México exigiram que pelo menos 40% de mulheres concorressem a cargos de deputado.
Após o aparente sucesso da medida, 11 mulheres eleitas pela ação afirmativa pediram licença do cargo, deixando as vagas para seus suplentes homens. A manobra chamou atenção da sociedade e gerou repercussão, o que fez com que as licenças das candidatas fossem negadas.
Com as licenças negadas, as candidatas pararam de frequentar as sessões parlamentares. Elas acabaram afastadas dos cargos devido às faltas sequenciais e, assim, homens assumiram seus postos.
Nas eleições seguintes, um adendo ao código eleitoral obrigou que os candidatos e suplentes tivessem sempre o mesmo gênero. Dois anos depois, a reforma eleitoral hoje em curso foi aprovada.
Brasil fica para trás na discussão sobre igualdade eleitoral
México está em 4º lugar e Brasil em 135º no ranking de paridade de gênero nos parlamentos mundiais. Os dados são da Inter-Parliamentary Union e mediram a representação feminina em 193 nações no ano de 2022.
Sistema de votação do México pode “facilitar” equidade. Com o sistema de lista aberta, o Brasil acaba resumindo a representatividade feminina às concorrentes dos cargos, mas não conseguindo propagar essa representatividade para quem assume as cadeiras.
PEC que garantiria assentos a mulheres no Brasil tramita há quase 10 anos. Proposta pela deputada Soraya Santos (PL-RJ), a PEC 134/2015 determinaria uma cota mínima para mulheres no poder legislativo e nas câmaras municipais do país.
A cota mínima valeria por três legislaturas e ocorreria de forma gradual, caso a PEC fosse aprovada. Na primeira legislatura, 10% dos assentos seriam reservados para mulheres; na segunda, o número subiria para 12% e, na terceira, para 16%. Apesar de aprovada por uma comissão especial em 2016, ela ainda não foi votada.
O Brasil adota o sistema de lista aberta. Então a cota feminina é para a formação das listas. Mas quem vai ordenar essa lista são os eleitores com o voto. Quem é mais votado “passa na frente”, digamos assim. As vagas conquistadas pelo partido ou pela coligação são ocupadas pelos candidatos mais votados. Então, as mulheres ficam para trás.Flávia Loss de Araújo, coordenadora da pós em Relações Internacionais da FESP
Longo caminho deve ser percorrido até a igualdade efetiva
Eleições municipais ainda apresentam grande disparidade. Apesar dos avanços na Câmara, Senado e, agora, na presidência, somente 14% das prefeituras do México são ocupadas por mulheres. A lei de equidade também é obrigatória para as eleições locais, mas o machismo arraigado no interior pode ser um dos motivos contribuintes para o baixo sucesso das medidas localmente.
“Uma das explicações é que no nível local a preponderância dos homens na política é maior”, explica a professora da Fesp. Ela também aponta que a perseguição e violência contra as mulheres costuma ser mais forte do que contra os homens dentro do ambiente político.
Número de feminicídios no México ainda é alto. Em 2023, 852 crimes do tipo foram registrados no país, que tem pouco mais da metade da população do Brasil. No mesmo período, o Brasil registrou 1.463 feminicídios. A diferença entre as duas nações, porém, é de que o México sinaliza uma tendência de queda, enquanto o Brasil mostra crescimento dos números.
“Mulheres que estão em posição de candidatas, ou de políticas eleitas, sofrem perseguição e até violência de fato. A violência política é muito disseminada em todo o México, também contra homens, mas a gente vê que as mulheres estão se tornando cada vez mais um alvo desse tipo de violência, além do feminicídio”. Flávia Loss de Araújo, coordenadora da pós em Relações Internacionais da FESP.
Fonte: UOL