Especialistas dizem que mercado para gestantes e bebês pode crescer apesar de queda na taxa de fecundidade
Sete a cada dez empreendedoras brasileiras decidem abrir um negócio depois da maternidade, mostra pesquisa do ano passado realizada pelo RME (Instituto Rede Mulher Empreendedora). A sondagem ouviu, de maneira remota, 3.386 mulheres em todo o Brasil. A a margem de erro é de 1,6 ponto percentual.
“Costumo falar que essas mulheres não são movidas a buscar o empreendedorismo, elas são empurradas para isso“, diz Ana Fontes, fundadora da organização, que tem como objetivo promover a autonomia financeira feminina.
“Um dos gatilhos mais importantes para as mulheres empreenderem é a maternidade. Aquele momento em que elas querem continuar profissionalmente ativas, fazendo o que gostam e sabem, mas também sendo acolhidas, reconhecidas e mais ligadas a seus propósitos”, acrescenta.
Como partem de experiências pessoais, essas empresárias acabam criando produtos e serviços voltados justamente para grávidas ou mães.
De acordo com relatório do IBGE baseado no mesmo censo, a taxa de fecundidade estimada do país, em 2000, era de 2,32 (mais de 3 milhões de nascimentos). A projeção para 2060 é de queda, para 1,66 (2,1 milhões de nascimentos).
Um fator que torna o setor atrativo é o chamado social commerce (comércio social), ou seja, a preferência por consumir dentro de um determinado círculo. “Vender e comprar em comunidade é um valor altamente feminino, vem na frente até da sustentabilidade”, afirma a paulista Dani Junco, 42, fundadora e CEO da aceleradora para mães B2Mamy, aberta em 2016 com recursos próprios.
Outro leva em conta a gama de produtos voltados para essa fatia da população.
“São muitas fases e há muitos tipos de maternidade, que abrangem desde produtos e serviços para crianças de 0 a 6 anos a roupas para gestantes, para a fase de amamentação, afirma Dani.
Segundo pesquisa da B2Mamy, nesse mercado, 78% das consumidoras miram produtos e serviços que economizem tempo, dinheiro e sanidade mental.
Exemplo disso é o macacão com bolsão frontal desenvolvido pela administradora paulistana Veronica Astrini, 44, fundadora e CEO da Let’Sleep, que começou a operar em 2021.
A ideia de projetar a roupinha que evita que o recém-nascido se vire no berço, a fim de protegê-lo da morte súbita, surgiu na gravidez de sua segunda filha, Giovana, hoje com 3. Trata-se da principal causa mortis entre crianças de até 1 ano, que ocorre principalmente quando o bebê dorme de barriga para baixo.
“Quando meu maior, Leonardo [8], tinha oito dias, ele engasgou no berço, ficou roxo e teve que ir para o hospital às pressas”, diz. O trauma a acompanhou durante todo o primeiro ano do menino e voltou a assombrá-la durante a gestação.
No segundo mês de atuação, o número de peças vendidas passou de 30, cifra registrada nos primeiros 30 dias da marca, para 200 –cada uma a R$ 129,90.
Segundo Dani, da B2Mamy, o empreendedorismo feminino vai acontecer em duas situações. Com a mulher que não tem estrutura para trabalhar fora de casa e precisa de uma renda extra ou, entre as de maior poder aquisitivo, porque a maternidade vai aflorar sonhos que estavam guardados.
Foi o que aconteceu com a própria fundadora. Farmacêutica de formação, ela passou a questionar seu modelo de vida durante a gravidez.
Segundo conta, a espera foi o gatilho que precisava para começar a trabalhar com propósito. Mais do que ganhar dinheiro, Dani queria fazer algo que desse orgulho ao menino que estava chegando.
Ela então compartilhou o desabafo em uma rede social: “Alguém toma um café comigo?”. Esperava encontrar duas ou três gestantes. Apareceram 80. “Percebi ali que as mulheres vão fazer uma transição de carreira após a maternidade”, afirma. “E não falo de algumas, falo de todas, de qualquer classe social.”
O negócio tem hoje uma comunidade de 50 mil mulheres e recolocou 500 puérperas das classes C e D no mercado de trabalho. De acordo com a empresa, o salário recebido por elas somado ao faturamento gerado por startups abertas ali dentro soma R$ 27 milhões.
Uma das empresas impulsionadas pela B2Mamy foi a Pulpa, plano de previdência para crianças, criada pela designer paulista Erica Fran, 33. O primeiro esboço do negócio aconteceu quando sua filha Sofia, 7, era recém-nascida e ganhou R$ 1.000 do padrinho para abrir uma poupança. “A burocracia era tanta [para abrir uma conta] que chegaram a perguntar a profissão da criança que havia acabado de nascer.”
Foi quando teve a ideia de criar um aplicativo em que amigos e parentes pudessem depositar, com a frequência que desejassem, quantias a partir de R$ 100 para os pequenos e ainda gravar uma mensagem em vídeo para a criança assistir na hora de quebrar o cofrinho —aos 18 anos ou quando for emancipada.
Aberta em dezembro de 2021, com aporte da seguradora Icatu via B2Mamy, a Pulpa fechou o primeiro ano de operação com cerca de mil contas abertas e prevê chegar a 10 mil no fim deste ano.
De olho nas mães que voltam a trabalhar no mercado corporativo, a gaúcha Susana Zaman, 39, e a mineira Luciana Cattony, 45, fundaram em 2017 a consultoria Maternidade nas Empresas. O objetivo delas é auxiliar as grandes corporações a quebrar o ciclo de exclusão de mulheres que voltam da licença-maternidade.
A ideia veio da dificuldade das amigas, uma profissional de RH, outra de marketing, de se adaptar ao ambiente corporativo depois de ter filhos.
“Estava grávida do meu segundo bebê, Nabil, quando, em 2016, a FGV divulgou uma pesquisa dizendo que 48% das profissionais interrompem suas carreiras depois de se tornarem mães”, diz Susana.
A conta para ela não fechava. “Eu me sentia muito mais potente. Como as empresas não enxergavam isso em mim?”. Aqui, “mais potente” quer dizer ter maior poder de negociação, escuta afiada e habilidade na gestão de pessoas, entre outras aptidões que ela desenvolveu com a maternidade.
Gigantes como Magalu, Comgás e Aon já estão sendo impactadas pela ação da dupla à frente da Maternidade nas Empresas, com programas de mentoria para mães na volta ao trabalho, treinamentos de acolhimento à parentalidade para gestores e cartilhas que orientam desde as lideranças até as equipes de recursos humanos.
Marcar o retorno da funcionária à empresa numa quinta-feira, e não no início da semana, é um exemplo.
“Essa mãe, que terá dois dias para experimentar sua rede de apoio e o fim de semana para fazer os ajustes necessários, vai voltar na segunda- -feira seguinte mais tranquila”, afirma Luciana