Marta Suplicy apresentará um discurso com tom de volta para casa em sua refiliação ao PT, nesta sexta-feira (2), e evitará abordar as rusgas que a levaram a deixar o partido e o voto pelo impeachment de Dilma Rousseff, segundo pessoas que conversaram com a ex-prefeita nos últimos dias.
O ato terá a presença do presidente Lula (PT), que articulou o retorno dela à sigla —da qual saiu em 2015, após 33 anos— para ser vice de Guilherme Boulos (PSOL). A ideia de resgatá-la para turbinar a chapa na primeira eleição com o PT sem candidato próprio na capital foi antecipada pela Folha em novembro.
Com ar festivo, o evento na Casa de Portugal, espaço na região central, reunirá mil pessoas, conforme a expectativa dos organizadores, e contará também com Boulos e líderes petistas.
Marta vem preparando sua fala com máxima discrição, mas comentários e gestos recentes foram lidos por pessoas do entorno como indicativo de que ela exaltará seus vínculos com o PT e citará o enfrentamento ao campo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como motivo para seu retorno.
Um vídeo com a música “De Volta pro Aconchego” na trilha sonora, publicado nesta semana no perfil da ex-prefeita no Instagram, é tido como sinal de seu estado de espírito e do recado que vai transmitir. A canção na voz de Elba Ramalho acompanha imagens de Marta com Lula em diferentes fases, além de fotos dela com Boulos e líderes petistas. Por fim, aparece um convite para o evento desta sexta.
“Que bom poder tá contigo de novo” e “me alegro na hora de regressar” são alguns dos versos da letra.
A futura vice na chapa teve encontros nas últimas semanas com o próprio Boulos e parlamentares e dirigentes petistas nos níveis municipal, estadual e nacional. O objetivo foi estreitar relações, alinhar mensagens e vencer resistências a seu regresso —alas minoritárias do partido pretendem contestar a refiliação.
Marta quer aproveitar a ocasião para reafirmar sua identificação com valores presentes na fundação do PT, como a defesa de justiça social e de políticas para os mais pobres, e reforçar atributos que fizeram Lula buscá-la de volta, como experiência administrativa e capacidade de diálogo.
Tratada como um trunfo para Boulos, a ex-prefeita também terá aspectos negativos explorados pelos rivais, sobretudo Ricardo Nunes (MDB). O grupo do postulante à reeleição busca colar nela a pecha de traidora, por deixar o cargo de secretária da gestão dele para se aliar ao adversário.
A avaliação de interlocutores de Marta é que ela aparenta estar bem resolvida com sua biografia e disposta a empregar sua energia no que é descrito como uma convocação de Lula.
Marta tem repetido que sua trajetória é marcada por coragem e ousadia e que, no fundo, o PT nunca saiu dela. Em diálogos recentes, lembrou que viu o partido nascer em reuniões na sua casa e ajudou a consolidá-lo. Quando rompeu, ela disse que a sigla tinha deixado para trás seus “princípios éticos”.
A fala da ex-prefeita, a primeira desde que aceitou o convite de Lula, vai também apontar para o futuro e estimular a militância a se envolver na campanha.
Marta não quer se deter em explicações ou desculpas sobre sua guinada política, que incluiu passagens pelo MDB e pelo Solidariedade e o apoio a Bruno Covas (PSDB), que derrotou Boulos no segundo turno em 2020.
A principal intenção é reiterar o pragmatismo necessário para evitar uma vitória na capital de um aliado de Bolsonaro, no caso Nunes. A campanha se baseia na retórica de que o campo democrático precisa se unir contra a extrema direita no país e isolar o bolsonarismo —2026 é o pano de fundo.
Entusiasta da chamada frente ampla que deu a vitória a Lula sobre o ex-presidente, Marta avalia que seu apoio ao petista em 2022 simboliza seus compromissos e pode ajudar em sua reintrodução no petismo. Na época, ela ainda estava com Nunes, que não declarou apoio a nenhum dos dois.
O discurso desta sexta também dará mostras do papel que ela almeja ter na campanha e num eventual governo. A principal intenção é figurar como um ponto de equilíbrio, alguém que contribua para amenizar a fama de radical de Boulos e atue como um elo com setores avessos a ele.
Há um empenho para associá-la a características como esperança, generosidade, trabalho e maturidade.
A estratégia definida com PT e PSOL é que a ex-prefeita resgate marcas e realizações não só de sua atuação como prefeita (2001-2004), mas também das outras duas gestões da esquerda, as de Luiza Erundina (1989-1992) e Fernando Haddad (2013-2016).
Marta já chamou Haddad de “o pior prefeito que São Paulo já teve”. O hoje ministro da Fazenda teve a presença confirmada no ato de refiliação, no que foi anunciado como demonstração de que mágoas e críticas do passado estão superadas e que a vitória em outubro é prioritária.
Nessa linha, a ampliação das alianças será enfatizada no pronunciamento, com apelos por união e conciliação. Ela escreveu em rede social, dias atrás, que “a eleição será decidida pelo centro” e “tem que ampliar para derrotar de vez o bolsonarismo”. A união de Nunes com Bolsonaro foi sua justificativa para trocar de time.
A pré-candidata a vice, no entanto, deverá deixar para Boulos o confronto direto com o prefeito, para evitar constrangimentos pelo fato de ter integrado a atual gestão até o mês passado. A ideia é que ela aborde problemas urgentes e sugira propostas, mas evite vocalizar ataques a Nunes.
Pelo que foi traçado nos bastidores, deverá ser valorizado o protagonismo de Boulos, com a vice se portando como alguém que respeita o espaço de cada um e ainda acrescenta um olhar feminino à chapa. A ordem é somar forças e funcionar como uma parceira que traga soluções, não problemas.
“Nós decidimos que, mais do que o ato de filiação dela, será um evento para apresentar nossa candidatura”, disse Boulos à reportagem, na terça-feira (30), durante encontro com apoiadores no Jardim Peri. No giro pela zona norte, o psolista afirmou que a disputa será dura e pediu engajamento da base.
O nome de Marta foi mencionado várias vezes nas atividades, tanto com manifestações de aprovação ao retorno dela quanto por memórias de sua administração.
Segundo aliados, a ex-prefeita está empolgada para participar da campanha de rua, que também servirá para recuperar legados tidos como chamarizes para o voto em Boulos. Os dois terão nos próximos dias agenda em Parelheiros, região da zona sul onde ela conserva apoio.
“A presença dela tem também esse sentido de revigorar a militância”, afirma o presidente municipal do PT, Laércio Ribeiro, que diz ver Marta em um movimento de reencontro com suas raízes.
Fonte: Folha de São Paulo