O Cerrado é o berço de uma rica biodiversidade e o guardião de grande parte da reserva hidrológica do país. Dessa forma, o desmatamento no bioma não é apenas um problema ambiental, mas também um obstáculo social e econômico para o Brasil.
O cenário preocupante no Cerrado não é nenhuma novidade. Em 2022, o bioma registrou a maior taxa de desmatamento nos últimos sete anos, com 10.689 km² destruídos, segundo o Prodes Cerrado, ligado ao Inpe.
O diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), André Guimarães, destaca que, para conseguir reverter o desmatamento no Cerrado, é necessário uma regularização das terras privadas por meio do Cadastro Ambiental Rural (CAR), e para isso é preciso um diálogo melhor entre governos federal e estaduais.
“Uma primeira ação que tem que acontecer no Cerrado é a validação urgente dos CARs. Isso está fora do escopo do Ministério [do Meio Ambiente] do governo federal. Isso tá sobre responsabilidade dos estados. Então, um diálogo mais azeitado entre o poder federal e os estados é necessário para podermos avançar na validação do CAR”, destaca André Guimarães.
O diretor-executivo do Ipam explica que, com o CAR, é possível saber se uma propriedade privada está legal ou não, além de informar se a área rural necessita cumprir planos de recuperação ambiental ou se possui ativos ambientais.
O coordenador administrativo da Rede Cerrado e diretor da Fundação Pró-Natureza (Funatura), Pedro Bruzzi, considera que só será possível reverter o desmatamento no Cerrado se o governo federal abrir diálogo com as secretarias estaduais de fiscalização ambiental.
“O governo federal precisa fazer de maneira mais urgente, efetiva, incisiva, essa aproximação com os governos estaduais para que esses órgãos estaduais de meio ambiente possam de fato exercer essa competência de fiscalização, de monitoramento, para que a gente minimamente tenha mais transparência, para saber que essas autorizações, os atos administrativos cumpriram a legislação”, salienta Pedro Bruzzi.
Avanço da agropecuária
O valor bruto da produção agropecuária (VBP) no Brasil é de aproximadamente R$ 1,2 trilhão, segundo dados do Ministério da Agricultura e Pecuária. Os estados responsáveis por grande parte deste montante estão no Cerrado, como é o caso do Mato Grosso e Goiás.
Há um movimento de expansão agrícola na região do Matopiba, que abrange Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Onde também é perceptível um crescimento expressivo do desmatamento do bioma, o que preocupa especialistas.
De acordo com o SAD Cerrado, o Matopiba registrou 81,5 mil hectares de área desmatada em outubro. Esse número representa 74,6% de tudo o que foi derrubado no bioma ao longo do mês.
O diretor-executivo do Ipam aponta a necessidade de frear o desmatamento no Cerrado em conjunto com medidas que estão sendo adotadas para impedir a comercialização de produtos oriundos de áreas destruídas.
A União Europeia, por exemplo, deve implementar em breve uma legislação que proíbe a importação de produtos oriundos de áreas desmatadas de florestas tropicais após dezembro de 2020. A medida deve afetar a exportação de cacau, café, soja, óleo de palma, madeira, carne bovina e borracha.
A medida ainda não abrange o Cerrado, mas a possibilidade de uma nova resolução ampliar os ecossistemas florestais alcançados não é descartada por especialistas.
PPCerrado
Uma das medidas adotadas pelo governo federal para frear o desmatamento no Cerrado é a implementação do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento no bioma (PPCerrado), divulgado no fim de novembro pelo Ministério do Meio Ambiente.
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A proposta tem a meta ambiciosa de frear o desmatamento no bioma até 2030, mas Pedro Bruzzi acredita que o PPCerrado ainda tem pontos que podem ser melhorados, uma vez que a proposta tem como objetivo apenas a derrubada de áreas nativas ilegais.
“Existe uma área gigantesca no Cerrado que pode ser desmatada por conta do Código Florestal, são em torno de 27 a 30 milhões de hectares. Essa área em tese é uma área passiva de desmatamento, se ela de fato for desmatada é possível que a gente não consiga mais salvar o Cerrado”, alerta o coordenador administrativo da Rede Cerrado.
O Código Florestal permite o desmatamento de até 80% da propriedade privada no Cerrado. Na Amazônia, esse percentual é de 20%.