*Marianne Pinotti
A violência em todos os seus níveis e contra toda e qualquer pessoa é inadmissível.
Quando nos deparamos com situações de violência contra meninas e mulheres, principalmente aquelas com deficiência e consequentemente mais vulneráveis, o sentimento de abominação e desejo de justiça imediata é ainda mais latente.
Sensação essa que toma proporções enormes quando se é mulher, médica ginecologista, mãe de filhas adolescentes e lida diariamente com pessoas com deficiência.
A Lei Maria da Penha, em vigor desde 2006, trouxe enorme avanço com penas mais rigorosas, incluindo o aumento de um terço na punição quando a vítima é uma mulher com deficiência. Apesar disso, todos os dias são registrados novos casos.
Além de sofrerem os mesmos atos de brutalidade que mulheres comuns sofrem, as com deficiência estão expostas a outros tipos de abusos, como laqueadura compulsória, confinamento na própria residência, negação de cuidados necessários e estupro por parte de cuidadores.
Procedimentos médicos intrusivos, sem fins terapêuticos e administrados sem o livre consentimento da pessoa podem também constituir tortura, cujas motivações podem estar atribuídas ao preconceito.
É impressionante a história da mulher que deu origem ao nome da lei. Maria da Penha Maia Fernandes foi espancada pelo marido durante seis anos e foi vítima de duas tentativas de assassinato por ciúme. Na primeira, ele atirou nela de costas enquanto dormia, deixando-a paraplégica. Na segunda, empurrou-a da cadeira de rodas e tentou eletrocutá-la no chuveiro.
Após as agressões, ela o denunciou. O marido foi punido após 19 anos de julgamento e ficou apenas dois anos em regime fechado. Revoltada com a falta de justiça, Maria da Penha conseguiu, com a ajuda de ONGs, enviar o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), que, pela primeira vez, acatou uma denúncia de violência doméstica. A OEA condenou o Brasil por negligência e omissão. Uma das punições foi a recomendação para que fosse criada uma legislação adequada à violência doméstica.
O combate à violência contra a mulher é uma causa sem fronteiras, mas demanda ações locais. Recentemente, o prefeito Fernando Haddad assinou o termo de adesão ao programa do governo federal Mulher, Viver sem Violência.
A região central de São Paulo ganhará, nos próximos meses, uma unidade da Casa da Mulher Brasileira, equipamento público especializado no atendimento às vítimas.
Na ocasião, foi assinado o termo de adesão ao Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra a Mulher, parceria entre as três esferas de governo com o intuito de fortalecer as políticas públicas, visando ampliar e integrar os serviços de acolhimento e orientação às mulheres nessa situação.
Como gestora pública de ações voltadas para as pessoas com deficiência, vislumbro que o Estado precisa agir na prevenção, com campanhas educativas, e no amparo às vítimas de abusos. Mas é preciso também que haja esforço da Justiça para punir com rigor qualquer situação de violência em relação às mulheres. Essa é a melhor forma de coibir novos casos.
MARIANNE PINOTTI, 46, médica ginecologista e mastologista, é secretária da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida da Prefeitura de São Paulo