Processos contra deputadas correm mais rápido no Conselho de Ética; em contrapartida, chefiam uma a cada sete comissões
Ainda que tenha aumentado de tamanho, na comparação com o mandato anterior, a bancada feminina segue enfrentando na Câmara dos Deputados percalços não vivenciados pelos homens. Processos que correm em ritmo mais acelerado no Conselho de Ética, presença ínfima nos cargos de liderança e na Mesa Diretora e distância da relatoria dos projetos mais relevantes compõem o retrato da largada desta legislatura.
No colegiado que analisa punições a parlamentares, as ações contra as deputadas andam praticamente no dobro da velocidade daquelas que têm homens como alvos. Das 11 representações que já tiveram ao menos escolha de relator, sete buscam sanções a mulheres. Em média, desde a apresentação da acusação, passaram-se 46 dias até que fosse escolhido um parlamentar para analisar o caso ou que o parecer fosse apresentado.
No caso dos homens, acusados em quatro processos, o caminho é mais lento: 86 dias, em média. A ação que mira o deputado José Medeiros (PL-MT), que, segundo o PT, intimidou a deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR) e empurrou o deputado Miguel Angelo (PT-MG), é ilustrativa. A representação foi formalizada em 15 de março, e o relator só foi escolhido mais de três meses depois. Até hoje, 138 dias após o início do trâmite, ainda não há parecer apresentado. À época, Medeiros negou a agressão.
Seis deputadas de PSOL e PT estão respondendo no Conselho de Ética a representações do PL, em sua maioria, e do PP, em um caso — todas consequências da votação do projeto que cria o marco temporal das terras indígenas, aprovado na Câmara. O partido alega que deputados favoráveis ao texto foram chamados de “assassinos”, especialmente o bolsonarista Zé Trovão (PL-SC). A legenda afirma ainda que algumas das parlamentares foram às redes e atacaram os colegas favoráveis e a própria Casa, promovendo “manchas à honra”.
As ações foram abertas em bloco em 14 de junho, 12 dias após a acusação ter sido feita e dois dias depois da chegada à comissão. Nos casos de Fernanda Melchionna (PSOL-RS), Talíria Petrone (PSOL-RJ), Célia Xakriabá (PSOL-MG) e Juliana Cardoso (PT-SP), já há parecer apresentado, enquanto na acusação a Erika Kokay (PT-DF), o relator já foi escolhido. Levando-se em consideração estes casos isoladamente, o andamento é ainda mais veloz: 39 dias. A acusação contra Sâmia Bomfim (PSOL-SP) ainda aguarda a definição. Há uma outra ação contra Juliana Cardoso, também pelo marco temporal, ainda em aberto.
O grupo de deputadas reclama de misoginia e perseguição política e começou uma série de atos pelo Brasil. Talíria, que, assim, como Sâmia, responde ainda a uma outra ação no conselho, fruto da CPI do MST, diz que a mobilização é necessária para chamar a atenção para o que classifica de “absurdo”.
— A repercussão negativa dessas representações foi um tiro no pé de quem agiu desta forma com um grupo de deputadas — avalia.
Já no episódio envolvendo a deputada Carla Zambelli, o PSB afirma que a deputada xingou o deputado Duarte Jr. (PSB-MA) com “palavras de baixo calão”. Da entrega da representação até o parecer, decorreram 90 dias.
O levantamento obtido pelo GLOBO foi realizado pela pesquisadora Tássia Rabelo, professora do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Desde que o órgão foi criado, as mulheres foram alvo de 30 denúncias por quebra de decoro. Já os homens, 193. No ano passado, elas responderam por 32% das acusações. A pesquisadora lembra que, até hoje, nenhum caso de violência política de gênero denunciado ao Conselho resultou em punição. Inclusive o que envolvia o ex-presidente Jair Bolsonaro, que afirmou que a deputada Maria do Rosário (PT-RS) não merecia ser estuprada. Na época, ele era deputado federal.
— A quantidade de representações contra mulheres sempre foi baixa, porque a presença de mulheres também é baixa historicamente. Embora a bancada tenha crescido, é desproporcional que um grupo minoritário responda por 70% das representações. Preocupa que um órgão que nunca protegeu as mulheres agora passe a ser usado para atacá-las — afirma Tássia.
O percentual a que a pesquisadora se refere diz respeito ao número de processos já instaurados este ano no Conselho: 13, dos quais em nove os alvos são mulheres. A bancada feminina elegeu 91 deputadas em 2022, contra 77 em 2018.
Além de Medeiros, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) também é alvo no colegiado por ter, segundo o PT, xingado e afirmado “meteria a mão na cara” do colega Marcon (PT-RS), em meio a uma discussão sobre a facada que Bolsonaro recebeu na campanha de 2018. Já o caso de Nikolas Ferreira (PL-MG), acusado de ter cometido um ato de transfobia no plenário, levou 105 dias entre o início e a apresentação do parecer. Completa a lista de homens sob investigação no Conselho de Ética o deputado Márcio Jerry (PCdob-MA), acusado de importunação sexual contra a deputada Julia Zanatta (PL-SC), o que ele nega.
O presidente do Conselho de Ética, Leur Lomanto Jr. (União-BA), afirma que não há misoginia e diz que os diferentes ritmos de tramitação são decorrentes de razões externas à comissão:
—Todos estes processos foram colocados imediatamente para apreciação e sorteio de relator. Os trâmites naturais, fora do Conselho, é que ditam esse ritmo. Os processos vão para a Mesa Diretora, eventualmente para a Corregedoria, e depois voltam. A natureza de um ou outro processo pode fazer com que sejam necessárias mais análises.
Uma entre sete
Fora do colegiado, o retrato também é desfavorável às mulheres. Dos sete cargos titulares da Mesa Diretora, apenas um, a Segunda Secretaria, é ocupado por uma mulher: Maria do Rosário (PT-RS). O presidente da Casa é Arthur Lira (PP-AL), repetindo a trajetória que se iniciou no Império e se manteve na República: nunca uma mulher comandou a Câmara.
Dos 23 cargos de liderança, apenas um é ocupado por mulher: Adriana Ventura (Novo-SP). Por ter apenas três deputados, sem ultrapassar a cláusula de barreira, o Novo tem uma estrutura mais enxuta, com menos assessores, e o cargo, formalmente, é de “representante”. Em plenário, ela tem os mesmos direitos dos outros líderes. No caso de Jandira Feghalli (PCdo-B), apesar de coordenar as reuniões de bancada, a vinculação com o PT via federação faz com que a liderança deste conjunto, que tem ainda o PV, seja exercida por Zeca Dirceu (PT-PR).
Das 30 comissões permanentes da Casa, só cinco são presididas por mulheres. A de Constituição e Justiça (CCJ), a mais importante delas, foi comandada por uma mulher apenas uma vez, em 2021, quando era chefiada por Bia Kicis (PL-DF). Nunca uma mulher foi indicada para ser relatora do orçamento no Congresso, e apenas três parlamentares presidiram a Comissão Mista de Orçamento (CMO) até hoje, incluindo a atual, a senadora Daniela Ribeiro (PSD-PB).
Mulheres também estão ausentes das relatoria das principais iniciativas da Casa. Foram homens os responsáveis pelos pareceres da Reforma Tributária, do novo marco fiscal e das medidas provisórias de reorganização dos ministérios, do novo Bolsa Família e do Minha Casa Minha Vida.
Uma lei aprovada no Congresso neste ano, no entanto, é uma reivindicação antiga da bancada feminina: o projeto da igualdade salarial entre homens e mulheres. Em março, a Câmara informou ainda que, na legislatura passada, 218 propostas de interesse da bancada feminina foram aprovadas. Procurada para comentar o quadro atual, a Casa não se manifestou.