Contribuição feminina à economia é grande, mas retorno deixa a desejar. Mulheres ainda ganham menos que os homens e estão em menor número nas esferas de poder
O machismo mata o lucro e contribui para a desigualdade social no Brasil. Esta é a constatação de um homem branco, paulistano e com curso superior, que só por ser quem é, sabe que ganha 69% a mais do que uma mulher branca, paulistana e com superior completo. Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, realizou entrevistas com 1.024 mulheres e 858 homens no país para traçar o panorama atual da mulher brasileira e seus diversos papéis na sociedade. Isto confirmou sua crença de que acabar com o machismo é uma questão urgente. “Se não for por justiça, que seja por inteligência”, afirma.
Meirelles escolheu as palavras para se arriscar a falar sobre protagonismo e luta por isonomia de direitos pelas mulheres. “A naturalização do machismo no Brasil é causa e consequência da desigualdade de gênero”, aponta. E este machismo afeta todas as esferas de vida das mulheres e traz prejuízos à economia. Ele estima que 461 bilhões de reais seriam injetados no país caso o salário das mulheres fosse equiparado ao dos homens.
A força de trabalho feminina há muito tempo contribui para o desenvolvimento do Brasil. Nos últimos 20 anos, mais de 9,3 milhões de brasileiras passaram a integrar o mercado de trabalho formal. “Isso equivale à população de Portugal”, explica Meirelles. A presença feminina no mercado de trabalho mudou a organização social do país. Em 1995, 20% dos lares brasileiros eram chefiados por mulheres. Atualmente, 40% dos lares dependem do trabalho feminino. Estes dados fazem parte de um estudo apresentado no seminário Brasileiras – Como elas estão mudando o rumo do país, que aconteceu no dia 2 de dezembro, em São Paulo.
Infelizmente, a contribuição feminina não é recompensada devidamente. Mulheres ganham menos que os homens e ainda são minoria em cargos de liderança e nas esferas de poder. O estudo mostra que homens e mulheres concordam que ambos são igualmente capazes de desempenhar diversos papéis sociais. Mas enquanto 60% das brasileiras concordam que mulheres deveriam ocupar ao menos metade dos cargos de chefia nas empresas, três em cada dez homens acreditam que é justo mulheres ocuparem menos cargos de chefia que homens, já que podem engravidar e sair de licença maternidade.
O machismo tira oportunidades e viola direitos fundamentais das mulheres. Sete em cada dez brasileiras conhecem alguma mulher que já sofreu preconceito ou violência no trabalho. Três em cada dez trabalhadoras já sofreram assédio de um superior. “Parece pouco, mas estamos falando de quase doze milhões de mulheres. Uma Dinamarca”, explica Renato.
Há outros números que chamam atenção: para dois em cada dez homens é constrangedor uma mulher ganhar mais. As mulheres reconhecem esta situação: 72% das entrevistadas afirmam que “o homem se sente inferior quando a mulher é mais bem-sucedida profissionalmente”.
A situação apresentada pela pesquisa é velha conhecida das mulheres. Mas há resistência. Nos últimos dois anos, a luta contra o machismo ganhou visibilidade na mídia, especialmente por força das redes sociais, o que vem afetando, inclusive, a esfera política.
No Brasil, só 10% das mulheres ocupam cadeira na Câmara dos Deputados. No entanto, 95% das mulheres e 88% dos homens acreditam que deveria haver mais mulheres na política. Por que não há? “Sempre tivemos um apartheid na política do Brasil entre homens e mulheres. São 14 Estados mais o Distrito Federal sem uma representante feminina na Câmara. Dos 57 mil vereadores eleitos, pouco mais de mil são mulheres”, afirma Janaína Lima, vereadora eleita pelo Partido Novo.
“Em São Paulo, tivemos uma melhoria, 20% das cadeiras de vereador foram ocupadas por mulheres Mas temos que lembrar que as mulheres não ocupam os espaços por falta de qualificação, mas por falta de sensibilidade dos homens que estão no poder em relação ao seu papel na sociedade”, lembra a vereadora.
No mundo corporativo, algumas empresas arejam o assunto com um trabalho incansável de valorização feminina. Carmela Borst, vice-presidente de marketing da Oracle para a América Latina, é uma que toma para si a urgência de tratar do assunto. “Temos que pensar a transformação do mundo, mas não colocar a responsabilidade no governo, ela é nossa, dos executivos”, afirma Borst.
A ONU definiu alguns instrumentos para isso, como a Agenda 2030, que é um plano de ação para as pessoas, para o planeta e para a prosperidade, baseada nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. “Estes são os instrumentos que mostram o comprometimento da humanidade com a mudança, seja em termos econômicos, de maior igualdade, de erradicação da pobreza extrema e de não deixar ninguém para trás. E quem costuma ser deixado para trás? As mulheres, as crianças, as mulheres negras e os indígenas”, Nadine Gassman, representa da ONU Mulheres no Brasil.
Fonte: El País