A arrogância das elites está na raiz da violência institucionalizada do Estado brasileiro. A opinião é da senadora Lídice da Mata (PSB-BA) que, impactada pelo depoimento do coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra à Comissão da Verdade, traçou um paralelo entre os atentados contra os direitos humanos chancelados pelo País no período da escravatura, com as ditaduras experimentados já no período republicano, em pronunciamento feito na tribuna do Senado no último dia 13 de maio, data em que registra os 125 anos da abolição da escravatura. Comandante do DOI-CODi em São Paulo, Ustra negou que tivesse praticado abusos, ainda que colocado frente à frente com um vereador que disse ter sido torturado por ele, ou mesmo quando confrontado com registros que apontavam 50 mortos durante o período entre 1970 e 1974, quando o órgão de repressão foi dirigido pelo coronel. Declarou ainda que lutou para defender o País da ameaça comunista e acusou a Presidente Dilma de ter pertencido aos quadros de quatro organizações terroristas.
Lídice declarou solidariedade à Dilma e situou o que chamou de hipocrisia do coronel Ustra em nossa história de violência e discriminação. Uma história de 388 anos de exploração do trabalho escravo de homens e mulheres traficados da África, pelo simples fato de serem negros, e de apenas 125 anos de trabalho livre, o que coloca o Brasil como o último país independente do continente americano a abolir a escravatura.
“Essa violência institucionalizada do Estado brasileiro sempre respeitou uma regra fundamental: a de se restringir aos pobres e aos afrodescendentes. As ditaduras, no entanto, romperiam essa regra – especialmente a ditadura de 1964 –, com o arbítrio político, a tortura e os maus tratos policiais atingindo também a classe média engajada na resistência democrática contra os golpistas”, frisou a senadora.
Utilizando-se como referência o conto “Pai contra Mãe”, do escritor Machado de Assis, Lídice alertou para a necessidade de “cuidarmos de nossas máscaras e de como ocultam a verdadeira face subterrânea da violência que, ao forjar nossa sociedade, hoje, toda hora, nos assalta em nosso cotidiano”.
Para Lídice, ao descrever de forma irônica a utilização do ferro ao pescoço, do ferro ao pé e da máscara de folha de flandres como instrumentos de prisão e punição sobre os escravos, Machado de Assis nos oferece um retrato das práticas corriqueiras de uma violência tão cruel que marcaram profundamente a formação de nossa sociedade, e ainda lançam suas sombras sobre muitas das práticas ainda presentes em nossas instituições.
A senadora entende que uma das maiores heranças desse período é a violência policial e a prática generalizada da tortura como método de interrogatório. “A violência em nosso País sempre foi uma estratégia das nossas elites para perpetrar o sistema cruel e injusto: a tortura e a chacina étnica ainda continuam representando a velha forma do preconceito nas relações sociais, condição esta que se perpetua desde o sistema econômico escravocrata. Constatamos que a abolição ainda está inconclusa”, concluiu.
“Urge reconhecer que o negro não é apenas o portador de monumental contribuição às artes, à cultura, à culinária, ao idioma, aos costumes da sociedade brasileira, mas que ele é parte indissociável do nosso processo civilizatório, juntamente com os europeus e os indígenas. Este reconhecimento é condição sine qua non para trilharmos o necessário caminho da reparação a esta vergonha histórica chamada escravidão”, apregoa Lídice.
A senadora mencionou o reconhecimento de que negros e pardos constituem a maioria da população brasileira pelas estatísticas oficiais e o sistema de cotas nas universidades públicas como sinais de avanço para superar estas contradições. No entanto, pondera, os índices de violência cometida contra a população afrodescendente ainda são alarmantes. Segundo o Mapa da Violência de 2013, que se baseia em dados de 2010, disponibilizado pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (Cebela), foram assassinados 26.049 negros e 10.428 brancos. As taxas de homicídio da população negra – 19,7 óbitos para cada 100 mil pessoas – são 88,4% maiores do que as taxas da população branca – 10,5 óbitos para cada 100 mil pessoas.
“Como o senador Requião destacou, morrem pretos, pobres, jovens, adolescentes neste País onde alguns segmentos clamam, de forma extraordinária e surpreendente para nós, pela diminuição da maioridade penal para continuar a perpetrar esse crime contra a nossa juventude, desta vez já criando um arcabouço legal para que a violência continue”, declarou Lídice, que integra Frente Parlamentar da Criança e do Adolescente.
“Nós, como políticos, não podemos deixar de marcar a denúncia do que foi a escravidão para a vida do povo brasileiro e de saudar a decisão histórica da Câmara, do Senado, e mesmo da Princesa Isabel, de participar desse 13 de maio, sem esquecer a grande luta de resistência do povo negro, que morreu lutando e se organizando nos quilombos – até hoje algumas comunidades quilombolas existem – e da necessidade de garantir os seus direitos”.
Esta sociedade, sem a violência que foi transmitida por diversas gerações e formas à civilização brasileira, exige que respeitemos os direitos de todos: negros, mulheres, homossexuais, quilombolas para que possamos ter um Brasil digno de ser chamado Brasil democrático.”
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Assessoria de Comunicação Social da Liderança do PSB no Senado
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