Para juíza Elaine Cristina Cavalcante (TJSP) a perspectiva de gênero é fundamental para a efetividade da Lei Maria da Penha
A Lei 11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, completou 10 anos em agosto deste ano, num momento em que a discussão sobre a importância de se levar em consideração a perspectiva de gênero na rede de atendimento – desde a polícia que atende a um chamado de violência doméstica até o juiz que irá julgar o agressor – ganha espaço entre operadores do direito. Essa é a avaliação da juíza Elaine Cristina Cavalcante, titular da Vara Central de Violência Doméstica da cidade de São Paulo e integrante da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário do Estado de São Paulo (COMESP).
A Juíza coordena o Seminário Dez Anos da Lei Maria da Penha, promovido entre os meses de setembro e outubro na capital paulista e no qual a necessidade da incorporação da perspectiva de gênero será justamente um dos temas em foco.
Não só no âmbito da justiça, mas também no âmbito da segurança pública, da assistência social, da saúde e da educação é muito importante que todos os operadores tenham formação em questões de gênero. É certo que ainda persistem práticas discriminatórias, quando equivocadamente se busca a ‘preservação da harmonia familiar’ em detrimento de valores como a integridade física, por exemplo. Por isto a importância do aprofundamento sobre o estudo do conceito de violência de gênero mencionado na Lei 11.340/2006?, destaca a juíza Elaine Cristina Cavalcante.
Questões de Gênero
Segundo o Balanço da Central de Atendimento Ligue 180 divulgado em agosto deste ano, 86,64% das denúncias de violência contra as mulheres se referiram a situações de violência previstas na Lei Maria da Penha, sendo que 67,63% das agressões foram provocadas por parceiros das vítimas. Neste cenário, entender a situação de vulnerabilidade baseada nas desigualdades de gênero que atinge a vítima, desde o momento do atendimento da denúncia, pode contribuir para uma mudança nos paradigmas patriarcais a fim de propiciar a correta aplicação da lei, segundo a juíza Elaine Cristina.
No âmbito do julgamento, a juíza destaca que a perspectiva de gênero deve ser observada na produção de provas, principalmente na questão da prova oral. “A prova consubstanciada na palavra da ofendida deve receber maior credibilidade, sobretudo quando amparada por outros elementos de convicção produzidos nos autos. A prova pericial consubstanciada no laudo de exame de corpo de delito, no laudo de exame em local dos fatos e outras perícias também se revestem de grande importância probatória, inclusive, para fins de caracterização de feminicídio“, explica a Juíza.
A juíza explica ainda que a compreensão da violência de gênero é importante não só para aplicação da Lei Maria da Penha no caso de agressões cometidas por homens contra suas parceiras, mas para entender as desigualdades de poder que vulnerabilizam o feminino nas diferentes relações e situações que existem.
A juíza explica que a Lei, por exemplo, não se aplica apenas à mulheres cisgênero, (mulheres que atendem a expectativa social de coerência da matriz de gênero. Ou seja, uma mulher feminina heterossexual que se reconhece como tal, segundo definição do Dossiê Violência contra as mulheres), como também para mulheres trangênero (quando uma pessoa tem sua identidade de gênero diferente daquela esperada para seu sexo biológico, por exemplo: quando nasce designada como sendo do sexo masculino e tem identidade feminina). “É preciso conhecer e interpretar a lei para aplicá-la corretamente, principalmente levando-se em conta as grandes mudanças nas relações sociais e de gênero em que se discute a aplicabilidade da lei em comento a transexuais e outros grupos vulneráveis”, aponta.
Medidas protetivas
Além da perspectiva de gênero, o fortalecimento das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha é outro tema essencial para pensar o enfrentamento à violência contra as mulheres no Brasil. De acordo com a juíza, as medidas são ferramentas importantes para preservar a integridade física e psicológica das vítimas de violência doméstica.
“As medidas protetivas de urgência consistem em um importante mecanismo jurídico de proteção às mulheres”, define. No entanto, a iniciativa nem sempre garante que a violência não irá se concretizar ou se repetir, podendo inclusive chegar ao desfecho fatal – o feminicídio. Segundo o Atlas da Violência 2016, 13 mulheres são assasinadas por dia no Brasil,. Para a magistrada Elaine Cristina para que as medidas de proteção sejam mais eficazes é preciso fortalecer sua fiscalização. “Hoje já existem convênios celebrados em alguns locais para a efetiva fiscalização”, considera.
Em São Paulo, assim como em outras cidades do país, existe uma parceria entre o poder judiciário e a polícia nesse sentido. Conhecidas como Patrulha Maria da Penha ou Ronda Maria da Penha, tratam-se de um serviço sensibilizado em relação às dinâmicas da violência contra as mulheres, que busca atender a chamados de urgência para manter os agressores longes das vítimas e garantir a efetividade das medidas protetivas. “O que falta é a ampliação dessas parcerias de fiscalização, o que já está sendo objeto de estudos, principalmente levando-se em consideração as dimensões geográficas e populacionais de uma cidade como São Paulo”, frisa.
O Seminário
O Seminário Dez Anos da Lei Maria da Penha, realizado pela Escola Paulista da Magistratura em parceria com a COMESP, pretende promover a integração de todos os profissionais que atuam na área da violência doméstica, tais como magistrados, procuradores, promotores de justiça, defensores públicos, advogados, bacharéis, psicólogos, assistentes sociais, profissionais da área da saúde, conciliadores, policiais civis e militares, guardas municipais, servidores do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo, docentes, universitários e demais interessados.
A proposta é aprofundar o estudo sobre aspectos importantes da Lei Maria da Penha. A expectativa é identificar os problemas que envolvem a atuação dos diversos segmentos que atuam com a violência de gênero e promover a apresentação de propostas para adequada aplicação da lei aos casos concretos de violência doméstica e familiar contra as mulheres, com o propósito de uniformizar entendimentos.
O seminário encerra o ciclo de atividades que marcaram a comemoração dos dez anos da Lei Maria da Penha, que se iniciou com o lançamento de um selo comemorativo para marcar o aniversário da lei, no dia 08 de agosto de 2016, pelo Presidente do Tribunal de Justiça Paulo Dimas de Bellis Mascaretti.
Tainah Fernandes
Fonte: Portal Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha