Há sete anos foi sancionada a Lei de nº 11.340/06 que criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. A Lei Maria da Penha, uma das mais eficientes e severas do mundo, prevê, a partir de uma denúncia, a punição de autores que praticam todos os tipos de violência. Com a implementação da Lei ficam tipificadas e definidas as formas de agressão que passam a ser tratadas como crime. Hoje, são passíveis de punição a violência física, que causa dano aparente, a violência psicológica, que desequilibra emocionalmente e não deixa marcas aparentes, a violência sexual, que consiste na prática forçada em momentos, lugares e formas não desejadas, a violência moral, que é a desonra e a degradação, a violência patrimonial, em que a renda gerada pela mulher é usada e administrada pelo parceiro, além do assédio sexual e do tráfico. A Lei Maria da Penha é um avanço no campo dos direitos humanos no país. Além de prever punição rigorosa do agressor, também faz com que o poder público estruture uma ampla rede de aparato voltado especificamente para o combate à violência contra mulheres. Delegacias, poder judiciário, hospitais e casas abrigo fazem parte desse aparato, assim como a formação de pessoas que compreendam a dimensão e a necessidade de uma estrutura tão extensa que vai da denúncia ao cerceamento da liberdade do agressor. Como denunciar O mecanismo mais eficiente de denúncia é por meio da Central de Atendimento à Mulher, o Ligue 180, criado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República. O papel fundamental do Ligue 180 é de orientar e encaminhar as denúncias para os serviços especializados mais próximos das localidades em que a vítima se encontra. Esse serviço fez mais de 3 milhões de atendimentos entre de 2006 e 2012. Os relatos de violência cresceram 700%: 88.685, em 2012 em relação aos 12.664, em 2006. Só no primeiro semestre de 2012, foram registrados 388,9 mil atendimentos, dos quais 56,6% (47,5 mil) foram relatos de violência física. A violência psicológica aparece em 27,2% (12,9 mil) dos registros no período. Foram 5,7 mil chamadas relacionadas à violência moral (12%), 915 sexual (2%) e 750 patrimonial (1%). Os dados revelam ainda que em 66% dos casos os filhos presenciam as agressões contra as mães. Para Dora Pires, secretária nacional de mulheres do PSB, “só por meio da denúncia é possível avançar no combate à violência contra as mulheres e é muito importante fortalecer a rede de enfrentamento por todo o país com a formulação e implementação de políticas públicas voltadas para as mulheres vítimas de violência”. O drama da violência é complexo e o Estado brasileiro precisa cumprir o papel de assegurar a assistência às famílias, “a violência envolve relações afetivas, vergonha e humilhação e as vítimas precisam de todo tipo de apoio para refazer as próprias vidas”, conclui Dora. Mapa da violência 2012 Uma publicação atualizada, de autoria de Julio Jacobo Waiselfisz com o apoio do Centro Brasileiro de Estudos Latino-americanos (Cebela) e da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso), faz um apanhado de 1980 a 2010 e revela o crescimento da violência contra mulheres nesse período. O Mapa detalha os assassinatos em números, faixa etária de vítimas, locais de crimes, armas e estados brasileiros com as maiores taxas de homicídios. O autor, Julio Jacobo Waiselfisz ressaltou que, “o Mapa da Violência atua como um termômetro e o que se vê é que a febre está muito alta e não sabemos qual a enfermidade”. Ele diz ainda que, “os esforços ainda são insuficientes para estagnar a espiral de violência contra a mulher e que os mecanismos como a Lei Maria da Penha ainda não estão dando o resultado pretendido”. Em um ranking de 84 países o Brasil está em 7º lugar em taxa de homicídio feminino a cada grupo de 100 mil mulheres. São 4,4 em 100 mil. O país perde para El Salvador (10,3), Trinidad e Tobago (7,9), Guatemala (7,9), Rússia (7,1), Colômbia (6,2) e Belize (4,6). O documento também revela que há mais vítimas entre 15 e 29 anos, que 41% sofre a violência em casa e armas de fogo são as mais utilizadas. Percepção da violência Nessa semana foi lançada a pesquisa Percepção da sociedade sobre violência e assassinato de mulheres, realizada pela Data Popular e Instituto Patrícia Galvão. A pesquisa revelou que há uma relevante preocupação da sociedade com a violência contra mulheres e que a Lei Maria da Penha é conhecida por 98% da população. Entre os entrevistados, homens e mulheres, 54% conhecem uma mulher que já foi agredida por um parceiro, 56% conhecem um homem que já agrediu uma parceira e 69% afirmaram acreditar que a violência contra a mulher não ocorre apenas em famílias pobres. No entanto, os números também revelam que apenas 45% conhecem um número de apoio a mulheres e destes, só 20% mencionam o 180. Incrível também é que 9% ainda acham que bater na mulher não deve ser crime e 85% concordam que mulheres que denunciam o marido/namorado correm mais risco de serem assassinadas por eles. Antes e depois da Lei · Antes não existia uma lei específica sobre violência doméstica e hoje a Maria da Penha define o que é e estabelece as formas física, psicológica, sexual, patrimonial e moral; · Antes, os casos de violência doméstica iam para os Juizados Especiais Criminais, onde só se julgam crimes de menor potencial ofensivo com pena máxima de dois anos. Hoje foram criadosJuizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência cível e criminal, que abrange as questões de separação, pensão e guarda dos filhos; · Antes era possível cumprir a pena com cestas básicas e multas e hoje é proibida a aplicação dessas penas; · Antes a autoridade policial tinha o papel de apenas registrar a ocorrência e hoje há delegacias especializadas para o atendimento às vítimas; · Antes a mulher podia desistir da denúncia na delegacia e hoje apenas diante de um Juiz; · Antes era a mulher quem entregava a intimação ao agressor e hoje essa prática é proibida, · Antes não era previsto o flagrante e hoje pode ser decretado o flagrante e a prisão preventiva do agressor; · Antes o agressor podia continuar frequentando os mesmos lugares que a vítima e hoje o Juiz pode fixar um limite mínimo de distância entre agressor e vítima. Maria da Penha Maia Fernandes Cearence, biofarmacêutica, sofreu a primeira tentativa de assassinato em 1993 quando o então marido disparou um tiro nas costas da vítima enquanto ela dormia, deixando-a paraplégica. Foram mais de quinze anos em busca de justiça. Maria da Penha denunciou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), a tolerância que o Estado brasileiro teve com a violência praticada contra ela. O Brasil é signatário de documentos da Convenção sobre a eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, da ONU, desde 1984, e da Convenção para Erradicar, Punir e Prevenir a Violência contra a Mulher, da OEA, desde 1994. Esses documentos revelam estudos e análises com objetivo de criar recomendações que ofereçam subsídios para formulação de políticas aos signatários. E com a denúncia de Maria da Penha a essas organizações, o Brasil foi instado a legislar enfrentando a violência doméstica e familiar contra mulheres, além da OEA recomendar ao País uma homenagem a essa vítima da violência. Por isso a Lei 11340/2006 é chamada de Lei Maria da Penha, que em 2012 foi alterada, pelo Supremo Tribunal Federal, decidindo que não apenas a vítima pode registrar ocorrência contra o agressor, mas qualquer pessoa pode comunicar a agressão à polícia e o Ministério Público poderá apresentar denúncia contra o agressor mesmo contra a vontade da mulher. |
Virgínia Rapôso Ciarlini – Imprensa SNM/PSB
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