A pesquisa A violência doméstica fatal: o problema do feminicídio íntimo no Brasil, apresentada em 30/04 no Ministério da Justiça, concluiu que há pouca adesão e resistência do sistema de justiça criminal à aplicação da Lei Maria da Penha de combate à violência contra a mulher. O levantamento foi feito pelo Centro de Estudos Sobre o Sistema de Justiça e pela Fundação Getulio Vargas (FGV).
De caráter qualitativo, a pesquisa foi feita em 34 processos relacionados a homicídio de mulheres por parceiros na Bahia, em Mato Grosso, no Pará, em Minas Gerais, no Paraná e em uma vara em Santo André, em São Paulo. Dois terços dos casos analisados eram processos posteriores à Lei Maria da Penha, de 2006. “Em metade desses casos, não havia qualquer menção à lei. Na outra metade, havia menção à lei, mas não necessariamente a aplicação”, disse a professora da Escola de Direito de São Paulo da FGV Marta Machado. “O cenário que a gente encontrou de resistência à Lei Maria da Penha é muito grande. Tem um esforço da Secretaria de Políticas para as Mulheres e de órgãos ligados ao Judiciário para tentar mudar esse cenário, mas isso é um desafio que ainda pode permanecer neste momento de aplicação da Lei do Feminicídio. Temos um grande desafio, que é a conscientização da questão de gênero dos operadores do sistema de justiça criminal”, destacou a professora. A lei que tipifica o feminicídio como homicídio qualificado e o inclui no rol de crimes hediondos foi sancionada no dia 9 de março. O texto modifica o Código Penal para incluir o crime – assassinato de mulher por razões de gênero – entre os tipos de homicídio qualificado. A proposta aprovada estabelece que existem razões de gênero quando o crime envolver violência doméstica e familiar ou menosprezo e discriminação contra a condição de mulher. As penas podem variar de 12 anos a 30 anos de prisão, dependendo dos fatores considerados. Além disso, se forem cometidos crimes conexos, as penas poderão ser somadas, aumentando o total de anos em que o criminoso ficará preso, interferindo assim no prazo para que ele tenha direito a benefícios como a progressão de regime. Segundo a professora da FGV, a tipificação do feminicídio tem o grande mérito de colocar a questão de gênero no centro do julgamento. “O que a gente via era uma falta de uniformidade na qualificadora [circunstâncias agravantes]. A questão específica do gênero não tinha lugar na legislação. A qualificadora para falar especificamente desse fenômeno [feminicídio] vem em boa hora para uniformizar os julgamentos.” Marta disse que o estudo revelou um baixo índice de mulheres que pediram ajuda antes do assassinato, seja por questões culturais, seja pelo histórico de violência doméstica sem intervenção do Estado ou por falha na aplicação de medidas protetivas de urgência. “Vimos juízes querendo investigar quem era a mulher, se era boa mãe, dedicada, mulher direita, ou se era uma mulher que não cumpria o papel social. Vimos a mobilização dos estereótipos femininos como forma de justificar a violência. As mortes aconteciam por um histórico de violência que era ignorado no momento do julgamento, que reduzia todo o debate a apenas um ato,” enfatizou Marta. A senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) considera a Lei do Feminicídio um marco na luta femininista, mas reconhece que há empecilhos para a aplicação da norma por questões culturais. “Muita mulher é agredida e morta pelo fato de ser mulher. Precisamos fazer com que a legislação seja cumprida. Para que seja cumprida, temos de romper as barreiras culturais. A violência é parte da discriminação contra a mulher e muitos homens não aceitam a independência da mulher”, afirmou a senadora. A ministra Cármen Lúcia, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, ressaltou que o Poder Judiciário está levantando quais são os gargalos para que a aplicação da Lei do Feminicídio seja efetiva. “A conquista de uma lei como essa é importante, mas somos nós os responsáveis pela implementação dessa lei.” |
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Fonte: Agência Brasil
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