Mulheres negras tem o dia 25 de julho como um marco na luta contra o racismo e contra as desigualdades. A data comemora o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e o Dia Nacional de Tereza de Benguela. Por conta das duas celebrações, o mês de julho é chamado popularmente de “julho das pretas”.
O Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha nasceu em 1992 em um encontro de mulheres negras em Santo Domingos, na República Dominicana. Elas definiram a data e criaram uma rede para pressionar a Organização das Nações Unidas (ONU) a assumir a luta contra as opressões de raça e gênero. Já no Brasil, desde 2014, pela Lei nº 12.987/2014, celebra-se na mesma data o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra.
Por que ainda é preciso lutar?
O Dia da Mulher Negra Latina e Caribenha reforça a luta histórica das mulheres negras por sobrevivência em uma sociedade estruturalmente racista e machista. A data é um símbolo de resistência para as mulheres negras, que são consideradas a base da pirâmide social no Brasil e no mundo.
A celebração desse dia é sempre uma oportunidade para trazer este tema à tona, pois os dados sobre violência e desigualdade demonstram a realidade que atinge massivamente a população negra, principalmente mulheres, incluídas as transsexuais.
De acordo com Associação Mujeres Afro, na América Latina e no Caribe, 200 milhões de pessoas (54% da população) se identificam como negras. E tanto no Brasil quanto fora, esse grupo é o que mais sofre com as desigualdades socioeconômicas e raciais.
Mulheres negras e o mercado de trabalho
Uma pesquisa realizada pela Triwi, empresa de consultoria em marketing digital, comprovou que embora tenha crescido os debates em torno das questões raciais, os negros, principalmente as mulheres, ainda enfrentam muitas barreiras no mercado de trabalho.
Segundo a pesquisa, 24% das empresas que eles entrevistaram não têm mulheres negras no quadro de funcionários – cerca de 1 em cada 4. E quase 70% não contam com colaboradoras com alguma deficiência física.
Ainda segundo o levantamento, 27,4% das empresas entrevistadas contam com mais de 51% do quadro de funcionários representado por mulheres e 53,2% das empresas contam com até 30%. Em relação ao percentual de mulheres negras, a pesquisa aponta que 46,8% das empresas entrevistadas contam com até 10% do quadro de funcionárias representado por mulheres negras, e apenas 3,2% contam com mais de 51% de funcionárias negras.
A pesquisa revelou que 27,4% das empresas entrevistadas não possuem mulheres em cargo de chefia e 32,3% das empresas contam com até 10% de mulheres no comando. A pesquisa ainda mostra que em 48,4% das empresas entrevistadas as mulheres ganham menos que os homens. Apenas em 3,2% das empresas as mulheres ganham mais que os homens e em 19,4% das empresas as mulheres ganham igual aos homens.
Autorreforma do PSB comtempla mulheres negras
Ao fazer um recorte de raça e gênero, na estrutura do sistema tributário vigente, percebe-se que, proporcionalmente à renda, são as mulheres negras pobres que mais pagam impostos e as que recebem os menores salários.
O PSB é solidário e copartícipe – por meio de suas instâncias partidárias, e que tem na Negritude Socialista seu principal porta-voz – das demandas dos movimentos negros que não se restringem à questão racial, mas também se relacionam com problemas sociais, econômicos e culturais, que incidem sobre a população negra.
Os socialistas entendem que as ações afirmativas e compensatórias precisam ser aprimoradas para garantir a permanência da população negra nas instituições públicas de ensino. O PSB defende que isso seja feito por meio de programas de acompanhamento social e apoio à alimentação, moradia, acesso a livros e transporte, para que a lei de cotas seja efetiva.
“A falta de representatividade negra, nos espaços de poder, é um fator que contribui fortemente para manter essa população na base da pirâmide social, com os piores postos de trabalho, a média salarial mais baixa, e vivendo sob as condições mais vulneráveis no que se refere à saúde, segurança e educação.”
Autorreforma do PSB
O PSB ressalta a necessidade do aumento da representação dos negros e negras nos poderes executivo, legislativo e judiciário, e, nos demais espaços de poder, deve superar a afirmação meramente casual e se converter em ações concretas.
O partido destaca a necessidade de ajustes para a plena aplicação das leis que expressam o espírito compensatório, como o Estatuto da Igualdade Racial, que determina o ensino da história afro-brasileira nas escolas, o decreto que regulamenta o reconhecimento e a demarcação de terras ocupadas por descendentes de quilombolas, e a proibição de diferenças de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo de raça.
Os socialistas também advogam pela correta observação da Lei Complementar 150, que regula o emprego doméstico e o fim dos autos de resistência, no qual a morte de um suspeito é justificada pela sua resistência ao ser preso, sem que a necessária autópsia seja feita no caso de morte envolvendo agentes de Estado.
Mulheres negras no contexto da pandemia
A crise causada pelo coronavírus reforçou as desigualdades no país. O vírus não faz distinção de raça ou gênero, mas as desigualdades sim, e elas agravam a situação para algumas pessoas, em especial, mulheres negras.
A pesquisa Coronavírus – Mães das Favelas, realizada pelo Data Favela e pelo Instituto Locomotiva aponta que as favelas do Brasil têm 5,2 milhões de mães, em sua maioria, mulheres negras. 72% delas afirmam que a alimentação de sua família ficará prejudicada pela ausência de renda, durante o isolamento social.
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Além disso, 73% dizem que não têm nenhuma poupança que permita manter os gastos sem trabalhar por um dia que seja e 92% dizem que terão dificuldade para comprar comida após um mês sem renda.
Por fim, oito a cada dez dizem que a renda já caiu por causa do coronavírus e 76% relatam que, com os filhos em casa sem ir para a escola, os gastos em casa já aumentaram.
Violência contra a mulher negra
Em relação à violência, a situação é crítica. A mulher negra é, ainda hoje, a principal vítima de feminicídio, das violências doméstica, obstétrica e da mortalidade materna. No crime de feminicídio, a maior parte das vítimas (66%) são mulheres negras, segundo dados do Atlas da Violência de 2019.
Nem na política a mulher negra escapa da violência, como aconteceu com a ex-vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, que foi assassinada em 2018. A professora do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos (DEPP-DH) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Fernanda Barros fala sobre a importância de uma pauta antirracista no país no campo de políticas públicas efetivas.
“Dentro da estrutura patriarcal pós-escravidão, a mulher negra é vista como uma mulher brutalizada, que aguenta todo tipo de pancada. Ao mesmo tempo, é hipersexualizada. É necessário que o país incorpore uma pauta antirracista. Os partidos de esquerda e centro-esquerda precisam se unir e incorporar a agenda do feminismo negro, e assegurar o cumprimento do que é previsto na Constituição”.
Fernanda Barros
A presidenta da Comissão Nacional de Promoção da Igualdade (CNPI) da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Silvia Cerqueira afirma que aqueles que historicamente são privilegiados precisam se aliar à luta das mulheres negras, e cita a filósofa estadunidense Angela Davis: “Não basta não ser racista, precisamos ser antirracistas”.
“É necessário que mulheres negras ocupem mais e mais espaços de destaque na sociedade, por meio de políticas de inclusão e abertura de privilégios”.
Silvia Cerqueira
A socióloga Thaís Silva dos Santos afirma que as mulheres negras resistem ;não por uma solidariedade branca, mas por uma resiliência negra.
“Desde 2015 fala-se muito sobre a pauta do bem-viver da mulher negra, que significa o direito de ficar em casa sem medo da violência doméstica, de ter atendimento no Sistema Único de Saúde, de ter um trabalho de qualidade. É um massacre sistemático e fica difícil de fugir. Por isso a gente tem que exigir o bem-viver”.
Thaís Silva
Para Fernanda Barros, o Brasil vive hoje um grande retrocesso no âmbito de conquistas e frisa a necessidade de uma unificação da luta.
“A gente tem que avançar enquanto sociedade igualitária, em conjunto. É preciso que a sociedade brasileira reconheça o racismo, e que essa pauta não fique segmentada só na voz das mulheres negras, mas que o Brasil reconheça essa desigualdade social e racial”. Fernanda Barros
“Apagamento histórico”
Mulheres negras também sofrem com um fenômeno social chamado “Apagamento histórico” que consiste em uma das tecnologias mais perversas das opressões estruturais. Neste contexto, mulheres negras foram escondidas debaixo dos tapetes da história e seus feitos, suas produções foram extorquidos e desfrutados pelo sistema patriarcal e machista. Trata-se de um dos propósitos desse apagamento, talvez o mais grave denominado usurpação.
Pouco se sabe acerca de produções de mulheres negras que contribuíram para a formação do pensamento social brasileiro. Certo é que há uma potente participação destas mulheres, tendo em vista as fortes denúncias de bases violentas, racistas e misóginas sob as quais se apoia o capitalismo global, o patriarcado e as mais diversas formas de segregação.
A especialista em História e Cultura Indígena e Afro-brasileira, Cristina Tadielo destacou que mulheres negras de histórias diversas, em vários setores como na política, na educação, na saúde, nas lideranças comunitárias, nas periferias construíram um pensamento de engajamento e luta para a formação de um país mais justo sem terem, por isso, visibilidade e o devido reconhecimento por suas produções.
A escola, por exemplo, sempre atribuiu aos homens as grandes mudanças sociais, as valorosas conquistas bem como os mais importantes acontecimentos, usurpando e deixando de lado a fundamental importância das mulheres, principalmente as negras”.
Cristina Tadielo
Nomes como Esperança Garcia, considerada a primeira mulher advogada do Brasil, no século XVII; Tereza de Benguela, líder quilombola no século XVIII; Maria Firmina dos Reis, talvez a principal escritora negra brasileira do século XIX; Antonieta de Barros, jornalista, educadora, militante e deputada no início do século XX; Virgínia Bicudo, pioneira nos estudos sanitários e na psicanálise nos anos 40; Carolina Maria de Jesus, escritora, favelada, autora improvável nos anos 60; Lélia Gonzáles, intelectual, política, professora e antropóloga, ativista antirracista nos anos 70/80, são pouco conhecidas, porém são fortes referências nas lutas e em conquistas sociais.
Não se pode negar que o Brasil, dentro de certas perspectivas, muitas delas resultado de lutas encabeçadas por mulheres negras, avançou socialmente. Todavia, as estruturas de opressão, capitalistas, patriarcais e racistas ainda imperam e como consequência tem-se ainda, em pleno século XXI, o potencial pensamento de inexistência de mulheres negras. As mazelas sociais causadas pelo racismo trazidas à tona nos últimos tempos são resultado de potenciais enfrentamentos por mulheres negras que, embora invisibilizadas, resistiram e sobreviveram a violências seculares.
Para Cristina, o “julho das pretas” levanta reflexões acerca da importância da mulher negra na estruturação social e no combate a violência e as desigualdades, assim como a indignação e o combate mais eficaz a violência (física e emocional) que o racismo e o sexismo produzem.
“Precisa que ser provocativo ao levantar questões do racismo epistemológico que apagou as pessoas negras, principalmente mulheres, da história; no reconhecimento de que condição humana é uma prerrogativa também de negros e a sua valorização é fenômeno produzido pela força e coragem de mulheres negras ao longo dos tempos, através de suas produções, lutas, ativismos e a resistência diária. Ao celebrar a data, há que reverenciar as energias da determinação impetradas por mulheres negras ao longo da história. Mulheres, cuja memória foi intencionalmente suprimida, mas que resistiram e construíram um caminho de fortaleza, objetivando o direito igualitário e afirmativo na diversidade, sem racismo e sem sexismo”.
Cristina Tadielo
Quem foi Tereza de Benguela
Conhecida também como Rainha Tereza, a líder quilombola representa um símbolo na luta contra o racismo e o patriarcado do século 18.
Assim como parte do apagamento da contribuição dos povos africanos no Brasil, há poucos dados históricos sobre a vida de Tereza. Historiadores acreditam que ela tenha nascido na Angola, outros apontam o Brasil como o seu local de nascimento. O que se sabe é que Tereza foi uma mulher escravizada que, junto com o marido José Piolho, eram os representantes do Quilombo do Quariterê, (1730-1795), no Vale do Guaporé, atual estado do Mato Grosso.
Há quem acredite que ela só comandou o quilombo após a morte do marido, que foi assassinado por colonizadores. O fato é que Tereza foi uma revolucionária e adotou um sistema de organização responsável por manter o quilombo, que abrigou negros e indígenas por duas décadas. Informações do Anal de Vila Bela, de 1770, indica que o Quilombo do Quariterê funcionava em modo de Parlamento, tendo uma divisão política destinada para a administração, manutenção e segurança dos mais de três mil moradores da comunidade.
“Governava esse quilombo a modo de parlamento, tendo para o conselho uma casa destinada, para a qual, em dias assinalados de todas as semanas, entrava os deputados, sendo o de maior autoridade, tipo por conselheiro, José Piolho, escravo da herança do defunto Antônio Pacheco de Morais, Isso faziam, tanto que eram chamados pela rainha, que era a que presidia e que naquele negral Senado se assentava, e se executava à risca, sem apelação nem agravo”, diz um trecho do documento.
Sob o comando da Rainha Tereza, o sustento dos quilombolas vinha da agricultura. A comunidade também produzia algodão para a confecção de tecidos, que eram trocados em feiras por armas e equipamentos utilizados na proteção da comunidade contra os invasores colonizadores.
Visionária, Tereza sabia que essa estrutura seria responsável por manter o Quilombo, que resistiu sob a sua liderança até 1770, quando ela foi presa e morta pelos colonizadores Bandeirantes. Uma outra versão é de que ela teria se matado após a prisão. O que não muda é que o final trágico marca a trajetória de uma mulher que morreu sob as terras do Brasil Colônia com um único objetivo: proteger os seus na busca pela liberdade.
O legado de Tereza de Benguela mostra como a organização de uma mulher preta é capaz de inverter toda uma estrutura sociopolítica. A história dessa mulher negra, líder e guerreira, se traduz na fala da filósofa norte-americana Angela Davis, que diz: “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”.
A vida e morte da Rainha reverbera até os dias atuais, tanto que, em 1992, mulheres negras latinas e caribenhas se reuniram, pela primeira vez, na República Dominicana como um levante contra todo tipo de opressão e racismo que atingem a comunidade negra. O Brasil, local da vida e morte de Tereza de Benguela, só incluiu o dia 25 de julho, data da celebração de Tereza, na agenda nacional em junho de 2014, durante o governo da presidenta Dilma Rousseff.
Fonte: Socialismo Criativo