Malala é uma de várias garotas que estão sendo idolatradas pelos adultos, depois de uma mudança paralela ao movimento feminista dos anos 1960 e 70 Quando Malala Yousafzai, a estudante de 16 anos e mais jovem indicada ao Prêmio Nobel, participou do programa Daily Show no início deste mês, o âncora Jon Stewart pareceu, pela primeira vez, desarmado. Mais tarde, ele emudeceria diante de sua eloquência, mas suas primeiras palavras balbuciadas foram: “Sinto-me humildemente honrado em conhecê-la. Você tem só 16 anos…” Essas duas declarações resumem uma admiração internacional em duas partes: primeiro, por ela ser tão corajosa e formidável e, segundo, por ser tão jovem. Malala vem fazendo campanha pelos direitos das meninas à educação desde os 11 anos, quando começou a escrever um blog para a BBC sobre a vida no Paquistão sob o regime Taleban. Mas tornou-se um símbolo internacional de resistência pacífica e coragem depois de sofrer um atentado contra sua vida no ano passado. Ela disse que até então, apesar de lhe dizerem que era um alvo, não acreditava que alguém tentaria matar uma adolescente. “Eu estava preocupada com meu pai [que também é ativista]. Nós achávamos que os taleban não fossem tão cruéis a ponto de matar uma criança”, disse. Sua coragem e suas realizações são enormes, independentemente de sua juventude: ela desafiou o regime que talvez seja o mais tirânico e brutal do mundo, e não apenas sobreviveu à tentativa de assassinato aos 15 anos, como foi encorajada por esse fato. Em um discurso que fez na ONU pouco depois, Malala disse: “Os terroristas pensavam que mudariam nossos objetivos e conteriam nossas ambições, mas nada mudou em minha vida exceto isto: a fraqueza, o medo e a desesperança morreram. Força, poder e coragem nasceram”. Tudo isso é mais que suficiente para justificar os elogios mundiais que ela provocou. Mas o que a torna interessante mesmo além disto, e por que ela vai perdurar, é sua condição de menina. Assim como ela, todos nós achamos bárbara a ideia de alguém atirar em uma criança. Mas quando essa criança é uma menina parece ainda mais chocante: dizem-nos que as meninas são mais vulneráveis que os meninos. De maneira mais insidiosa, dizem-nos que as meninas são banais, dispensáveis e inerentemente ridículas. A palavra “menina” ainda é uma espécie de insulto: chutar como uma menina, agir como uma menina, chorar como uma menina. A ex-secretária de Estado americana Hillary Clinton pareceu reconhecer esse desprezo e comemorar sua subversão quando se uniu às fileiras de líderes mundiais que elogiam Malala. Em abril, ela disse: “Os taleban reconheceram essa jovem, de 14 anos na época, como uma séria ameaça. E sabem de uma coisa? Eles estavam certos. Ela era uma ameaça”. Malala, então, não é apenas um símbolo da paz: ela anuncia uma mudança no modo como valorizamos e adulamos as meninas. Lorde, a garota neozelandesa de 16 anos Ella Yelich O’Connor, não sobreviveu a ferimentos de bala na cabeça como Malala ou foi indicada para o Prêmio Nobel da Paz, mas hoje é, como a afegã, uma heroína adolescente quase global. (Ela acaba de lançar um disco de estreia chamado, de forma apropriada, embora insolente, “Heroína Pura”) Não há nada novo ou notável em uma adolescente chegar ao topo das paradas — a juventude sempre foi a matéria-prima preferida do pop –, mas há tudo de novo e notável em uma estrela pop em idade escolar que fala de modo eloquente sobre feminismo, cita a influência de escritores como Wells Tower e Tobias Wolff e se refere ao relacionamento entre Raymond Carver e Gordon Lish. A atitude e a precocidade de Lorde estão em jogo em “Royals”, que é a canção número 1 nos EUA nas últimas três semanas. Esta deve ser a primeira vez que uma crítica à riqueza — inteligente, profunda e lírica, escrita por uma escolar — chega ao primeiro lugar. Lorde tem uma fã, e vice-versa, em Tavi Gevinson, 17 anos, que começou sua carreira aos 11 com Style Rookie, um blog de moda tão esperto que os canais de notícias britânicos sugeriram que seria escrito por uma fonte privilegiada. Nesses anos Gevinson navegou habilmente seu caminho, do mundo de curiosidades da moda – uma belezinha com óculos de vovó com a qual pessoas famosas adoravam ser fotografadas – a uma locomotiva da mídia global, uma figura pública de 17 anos idolatrada tanto por adultos quanto por adolescentes. O Rookie, fundado em 2011, se anuncia como um site para garotas, mas, com algumas das entrevistas e colunas mais esclarecidas do setor, encontrou um público apaixonado entre mulheres adultas. Eu tenho quase 30, mas, como toda mulher que conheço, leio o site todos os dias. Como disse recentemente a revista online Slate: “As pessoas parecem reconhecer que Tavi Gevinson está fazendo coisas ótimas para as meninas. A verdade é de fato muito mais impressionante: ela está fazendo coisas excelentes. Os adultos não precisam recorrer ao Rookie por saudade ou para experimentar a catarse. Leem-no porque é original”. Entre várias mulheres adultas empregadas por Gevinson (dizem que sua equipe a chama de “chefinha”) está Anaheed Alani, de 42 anos, que disse: “Eu disse que não trabalharia para ninguém que não seja mais inteligente que eu, e isso continua valendo”. Das muitas coisas espertas que saíram da boca de Gevinson, talvez esta seja a mais importante: “Feminismo para mim significa lutar. É uma coisa muito complexa e matizada, mas no fundo sou uma feminista, porque não acho que ser uma garota me limite de alguma maneira”. Figuras como Tavi, Malala e Lorde – garotas admiradas publicamente por suas convicções e pela ousadia de seus atos – poderiam nos ajudar a todas a reivindicar a condição de menina como uma situação de força. Através delas, poderíamos começar a pensar de modo diferente na expressão “ídolo adolescente”. Poderíamos na verdade invertê-la totalmente. Porque mais que celebridades púberes adoradas por jovens (e monetizadas pelas indústrias da música e do cinema) por sua atração não ameaçadora, são adolescentes idolatradas pelos adultos por sua inteligência e coragem. A cultura pop adora a versão agressiva das meninas. É uma linhagem que começou nos anos 1990 com “Buffy, a Caça Vampiros” e chega até “Xena: A Princesa Guerreira” e a Katniss de “Jogos Vorazes”. Mas, a grosso modo, essas personagens de meninas são apresentadas como heroínas simplesmente através da violência que encenam. Parecem frias ao praticá-la (Jennifer Lawrence fervendo na mira do arco e flecha em “Jogos Vorazes”, uma Hailee Steinfeld vingativa empunhando a pistola em “Bravura Indômita” ou Chloe Moretz dando golpes de caratê como super-heroína nos filmes da série “Kick Ass”), mas, emprestando as palavras de Malala: “Se você atingir um taleban com um sapato, não haverá diferença entre você e o taleban. Você não deve tratar os outros com crueldade e com aspereza; você deve combater os outros por meio da paz, do diálogo e da educação”. Colocando de outra forma, o heroísmo do ativismo pacífico é maior que as fundas e flechas da agressividade desenfreada. Veja o caso de Tuesday Cain, uma menina de 14 anos que protestou contra as leis do aborto no Texas com um cartaz que dizia: “Jesus não é um pênis, então não o ponham na minha vagina”, e foi chamada de “prostituta” na web. Mas, escrevendo no site feminino xojane.com, ela disse que a experiência não a tornou menos apaixonada por “lutar pelo direito de uma mulher escolher e pela separação entre igreja e Estado”. Ilana Nash é professora-adjunta na Universidade do Oeste de Michigan no Departamento de Estudos Femininos e de Gênero e autora de “American Sweethearts: Teenage Girls in Twentieth-Century Popular Culture” [Queridinhas da América: Garotas adolescentes na cultura pop do século 20]. Eu lhe pergunto por que a cultura está produzindo essas meninas heroínas na vida real. “A adolescência feminina seguiu um movimento paralelo ao movimento das mulheres nas décadas de 1960 e 70”, diz ela. “Assim como foi a consequência da segunda onda do feminismo para as mulheres tornarem-se ícones políticos, hoje é possível que as adolescentes sejam admiradas e divulgadas como atores políticos. Em outras palavras, as meninas começam, de maneira discreta, a seguir a mesma trajetória que as mulheres adultas na última geração.” Ela também identifica como um fator o movimento educacional “de sala de aula centrada no estudante” dos anos 1990, enquanto as escolas públicas americanas colocam o estudante e suas necessidades em primeiro lugar. “Nossa mudança para tornar os jovens um ‘centro’ de discussão”, diz ela, “é que hoje somos mais inclinados a levar a sério os atos dos jovens. Quando um jovem de qualquer sexo faz algo politicamente incrível ou socialmente poderoso, somos mais inclinados a lhe dar mais espaço na mídia. Especialmente as jovens mulheres.” A artista Lorde superou Miley Cyrus como número 1, mas seria redutor tomar isto como uma espécie de vitória simbólica da consciência sobre a sensualidade (como se as duas fossem mutuamente exclusivas). Afinal, se fez mais barulho sobre o corpo de Cyrus do que sobre as palavras de Lorde. “Ainda é um mundo onde a sensualidade e a beleza dominam as imagens das meninas”, concorda Nash. “A diferença hoje é que não é mais a única história que se conta. Existe uma ampliação do discurso — discutir as adolescentes como atores políticos hoje faz parte do que é possível.” Em uma entrevista recente a Kamila Shamsie, Malala refletiu sobre o taleban que atirou nela: “Ele era bem jovem, tinha 20 e poucos anos… era muito jovem, poderíamos chamá-lo de menino”. Poderíamos – e admitir sua juventude é um ato de magnanimidade quase sobre-humano de parte dela. Quando Malala o chama de menino, o está virtualmente perdoando. Em contraste, quando agora a chamamos de menina, estamos simplesmente lhe fazendo um cumprimento. |
Fonte: Carta Capital
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