Aprisionamento feminino no país passou da situação de quase inexistência para a superlotação
Por: Tatiana Lagôa e Aline Diniz
Em 23 anos, o número de mulheres encarceradas no Brasil cresceu mais de cinco vezes. Um salto de 5.600 para 33 mil entre 2000 e 2023. São 27 mil pessoas a mais em um sistema superlotado e não necessariamente arquitetado para recebê-las. Até pouco tempo atrás, as cadeias eram vistas praticamente como espaços exclusivos para homens. Agora, o país é o terceiro com a maior população carcerária feminina do mundo, atrás de Estados Unidos e China.
“As mulheres ficam em prisões que foram construídas para homens. A estrutura não foi pensada para elas em todo o Brasil, e, à medida que foi havendo necessidade, os espaços foram adaptados”, diz o presidente da Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis), o juiz Luiz Carlos Rezende e Santos.
E não é um exagero dizer que a história da mulher no crime chegou a ser desconsiderada por um longo tempo no país. No século XIX, o imaginário nacional era de um perfil feminino tão frágil que seria incapaz de transgressões graves. Durante um período, as presas eram vigiadas por irmãs de caridade, e o foco era fazer com que elas voltassem ao lar.
Até que, nos anos 2000, após a implantação da Lei de Drogas, que fez distinções entre usuários e traficantes e reforçou a existência de uma guerra contra o tráfico nos Estados, a quantidade de mulheres nos presídios passou a crescer. Em dez anos, de 2000 a 2010, quintuplicou o número de mulheres encarceradas.
De 2017 e 2018 em diante, os números começaram a diminuir. “A queda foi promovida pelo superencarceramento. A ausência de vagas e a impossibilidade do Estado de construir vagas na velocidade que as pessoas estavam sendo presas e mantidas lá geraram um contrapeso automático”, afirma Nana Oliveira, advogada popular criminalista, presidente da assessoria popular Maria Felipa.
Para o juiz Luiz Carlos, no caso das mulheres mães de crianças com até 12 anos incompletos que não tenham cometido crimes com violência ou grave ameaça, uma alteração legislativa de 2018 garantiu o direito de prisão domiciliar e fez diferença. “O entendimento dos juízes tem sido o de que as mães provedoras devem ficar próximas dos filhos, para evitar que o abandono crie soldados do tráfico”, elucida.
História do encarceramento feminino: da invisibilidade à superlotação
- Pelo mundo
1645: Surge, na Holanda, a primeira prisão no mundo ocidental a receber mulheres. The Spinhuis era uma prisão que recebia mulheres pobres, criminosas, prostitutas, bêbadas e meninas acusadas de mau comportamento para com seus pais. Nesse primeiro momento, algumas celas misturavam mulheres e homens.
1820: Foi construída a primeira prisão apenas para mulheres na França.
1835: Estados Unidos fazem sua primeira prisão feminina.
1850: Nessa década, Londres ergueu três prisões voltadas exclusivamente para mulheres. Um dos focos dos presídios femininos criados pelo mundo nesse tempo era fomentar “senso feminino e orgulho doméstico” nas mulheres. As detentas, além de seguirem as regras prisionais, tinham aulas de comportamentos considerados adequados para as mulheres da época.
1914: Na época da Primeira Guerra Mundial, houve uma mudança na visão do encarceramento feminino. Esse ideal de resgatar mulheres para serem “do lar” foi alterado por uma visão estigmatizada de que as prisões deveriam ser locais para aprisionar prostitutas, alcoólatras e usuárias de drogas. Esses grupos eram vistos como irrecuperáveis aos olhos da sociedade desse tempo.
- No Brasil
Segundo especialistas, informações históricas sobre a mulher prisioneira no Brasil são esparsas, truncadas e descontinuadas. Era como se a mulher encarcerada não existisse no Brasil, já que as leis nacionais e os regimes internos do sistema prisional tratavam apenas do homem preso. O histórico da mulher criminosa surgiu por volta do século XIX, momento em que a delinquência pela mulher passa a ser pensada como algo possível. Nessa época, foi feito um relatório mencionando a adaptação de cinco células de um antigo manicômio no país para aprisionar mulheres.
1921: Antes de existir efetivamente uma prisão feminina estabelecida, já que mulheres ficavam presas junto com os homens, houve no Brasil o Patronato das Presas. O espaço tentava dar um atendimento mais humanizado às mulheres em condições de cárcere. Era composto por senhoras da sociedade carioca e irmãs da Congregação de Nossa Senhora do Bom Pastor d’Angers.
1928: Diante da precariedade das prisões e para tratar a questão carcerária feminina, foi elaborado o relatório “As Mulheres Criminosas no Centro mais Populoso do Brasil”, pelo então presidente do Conselho Penitenciário do Distrito Federal, Cândido Mendes de Almeida Filho. Nele, constatou-se que, no ano de 1926, seis mulheres estavam presas no Distrito Federal, duas em Niterói (então capital do Estado do Rio de Janeiro), 18 em todo o Estado de São Paulo e 15 em Minas Gerais. No Espírito Santo, havia 16 presas, no ano de 1927. As principais causas de prisão eram infanticídio, homicídio, roubo e uso de narcóticos. Elas eram enquadradas, em sua maioria, por “vadiagem”.
Décadas de 1930 e 1940: São criados os primeiros presídios femininos no Brasil. Alguns exemplos: Instituto Feminino de Readaptação Social, em 1937, no Rio Grande do Sul; em 1941, em São Paulo, o Presídio de Mulheres; no Rio de Janeiro, em 1942, a Penitenciária Feminina do Distrito Federal, no bairro de Bangu. Administrados por congregações religiosas, os presídios eram regidos pelo “Guia das Internas”, no qual existiam apenas duas alternativas de recuperação:
1 – Tornar-se “adequada” para retornar ao convívio social e familiar;
2 – No caso de idosas, solteiras ou sem vocação para o casamento, preparação para a vida religiosa.
1955: A Penitenciária das Mulheres, no Rio de Janeiro, deixa de ser gerida pelas religiosas e passa para as mãos do governo. Atualmente, é denominada Penitenciária Talavera Bruce. Durante a ditadura militar, os presídios femininos e masculinos passam a ser espaços de tortura de presos políticos.
1977: O Presídio de Mulheres do Estado de São Paulo foi transferido para a administração laica. Antes era gerenciado pelas freiras.
Mulheres privadas da liberdade no Brasil (em mil pessoas)
- 2000: 5,6
- 2001: 5,7
- 2002: 5,9
- 2003: 9,9
- 2004: 16,5
- 2005: 12,9
- 2006: 17,2
- 2007: 19
- 2008: 21,6
- 2009: 24,3
- 2010: 28,2
- 2011: 29,3
- 2012: 31,6
- 2013: 32,9
- 2014: 33,8
- 2015: 37,4
- 2016: 40,97
- 2017: 37,83
- 2018: 36,4
- 2019: 36,9
- 2020: 29
- 2021: 30
- 2022: 28,7
- 2023: 33
Perfil: Etnia/ cor
- Cor/etnia pardas – 48,04%
- Cor/etnia branca – 35,59%
- Cor/etnia preta – 15,51%
Fontes: CNJ, Ministério da Justiça, pesquisa “Encarceramento feminino: aspectos psicossociais e gênero”, de Nabiha de Oliveira Maksoud
Fonte: O Tempo