Os setores que o presidente Jair Bolsonaro e seus aliados dizem ser um reduto da esquerda e dos quais não acreditam poder angariar votos estão entre os que menos têm recursos do Orçamento federal executados neste ano. Levantamento do GLOBO revela que áreas em que há baixa utilização de verbas públicas pelo governo federal são as ações de enfrentamento de violência contra a mulher, fiscalização ambiental e reforma agrária.
O ministério que menos utilizou verba em 2021 foi o da Mulher, Família e Direitos Humanos. Sob o comando da ministra Damares Alves, uma das remanescentes do chamado núcleo ideológico do governo, a pasta empenhou (reservou para gasto futuro) apenas 53% da quantia reservada no Orçamento deste ano. Considerados apenas os valores efetivamente pagos, o percentual cai para 23%. Em outubro, o Ministério Público Federal abriu um inquérito civil para investigar a baixa execução na gestão de Damares em 2020.
Na pasta de Damares, algumas ações específicas foram afetadas: nos últimos dois anos, o governo reservou R$ 84 milhões para a Casa da Mulher Brasileira, mas pagou apenas R$ 1 milhão. Isso significa que há diversos contratos firmados pelo governo para construir e equipar unidades do programa, voltado para o atendimento de mulheres, que não estão sendo executados. Cerca de R$ 1 milhão voltado para a construção de um centro em Teresina (PI) está parado, por exemplo. O mesmo ocorre com R$ 500 mil destinados a construir uma unidade em Breves (PA), na ilha de Marajó. As casas centralizam serviços como apoio psicológico, assistência jurídica, defensoria pública e promotoria especializada.
Na ação de Políticas de Igualdade e Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, para a qual estavam previstos R$ 2,18 milhões, foram empenhados apenas R$ 850 mil, mas nada ainda foi pago. Esse orçamento é destinado a parcerias e convênios que, neste ano, praticamente não foram firmados pelo ministério.
O ministério diz que o atraso na aprovação da LOA (Lei Orçamentária Anual) deste ano atrapalhou a concretização dos acordos e que não é executor direto de políticas públicas, dependendo, portanto, de outros órgãos. “(…) a Pasta depende de parceria para implementar qualquer ação e não apresenta mecanismo de transferência direta de recursos”, diz a pasta.
Para Carmela Zigoni, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), os números mostram uma incapacidade gerencial do ministério.
— É incompetência para gastar. A demora para firmar convênios seria justificável no primeiro ano de governo, em que não se sabe como funcionam as coisas. Mas agora eles poderiam ter deixado as parcerias engatilhadas, para publicar o edital assim que a verba fosse liberada.
Recorde de desmatamento
No Ministério do Meio Ambiente, chama a atenção o baixo empenho da verba destinada à fiscalização do desmatamento, que atingiu o nível recorde dos últimos 15 anos. Até 17 de novembro, depois da temporada de incêndios florestais, apenas 65% de toda a verba da pasta havia sido empenhada; duas semanas depois, o patamar aumentou para 82%.
O orçamento para “controle e fiscalização ambiental” aumentou após o governo prometer na Cúpula de Líderes sobre o Clima que reforçaria o combate ao desmatamento. De R$ 82 milhões previstos inicialmente, o orçamento passou a R$ 234 milhões. A suplementação ocorreu em maio, mas não foi aproveitada pelo governo. Só foi empenhada 60% dessa verba e apenas R$ 66 milhões foram pagos.
Além disso, há deficiência nas ações de monitoramento. Dos R$ 3,6 milhões destinados ao setor que cuida das imagens de desmatamento, apenas 36% foram empenhados.
O desestímulo à aplicação de multas no governo Bolsonaro também é apontado como um fator que incentivou o desmate. Na fiscalização ambiental, o dinheiro parado é reflexo da falta de vontade política do governo em combater o crime contra o meio ambiente, segundo especialistas.
O país tem cerca de R$ 3 bilhões do Fundo Amazônia paralisados. O dinheiro doado por países, como Noruega e Alemanha, ainda não encontrou destinação porque os projetos desenhados pelo governo brasileiro não saíram do papel.
— (O governo) Assume compromisso internacional de combater o desmatamento, mas não faz a lição de casa — disse o deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista.
Procurados, o Ibama e o Ministério do Meio Ambiente não comentaram.
Outra área com baixa execução está no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). As ações de reforma agrária, que correspondem a R$ 263 milhões administrados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) estão paralisadas, com apenas 4% empenhados. Não é por acaso. O tema é rejeitado pela bancada ruralista no Congresso, aliada do governo Bolsonaro.
Também são afetadas pela baixa utilização de recursos as ações voltadas para a Promoção e Fortalecimento da Estruturação Produtiva da Agricultura Familiar, Pequenos e Médios Produtores Rurais, à qual foram destinados R$ 151 milhões, mas, até o momento, só R$ 49 milhões (32%) foram de fato empenhados.
Procurado, o ministério disse que “a execução do restante do orçamento da ação está sendo direcionada para fomentar projetos de estruturação produtiva para agricultores familiares da região do Semiárido, que estão na fase final de análise técnica”. A pasta garante que o valor será empenhado antes do prazo, no próximo dia 10. Diz ainda que parte das ações foram suspensas devido à interrupção da execução do “orçamento secreto”, emendas de relator cuja destinação, definida pelo Congresso, ocorre sem transparência.
Para o defensor público da União, João Paulo Dorini, a baixa execução orçamentária é um mecanismo que o governo Bolsonaro encontrou para esvaziar as pautas com as quais não concorda:
— Isso só ilustra que o principal projeto do Executivo federal hoje é acabar com a promoção e proteção de direitos fundamentais, desmantelando as políticas públicas de sucesso existentes e deixando de investir em novas.
Fonte: O Globo