O feminismo foi um dos principais movimentos que impactaram a sociedade nas últimas décadas. Assim como deve acontecer com as recentes manifestações que levaram milhares de pessoas às ruas do país pedindo mudanças, o feminismo gerou novas atitudes e valores tanto para as mulheres, como para os homens, nos mais diversos setores. Para que seja conhecida a biografia de quem fez história buscando maior espaço para as mulheres na sociedade, a professora Margareth Rago, do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), elencou e pesquisou como feministas brasileiras viveram e atuaram desde os violentos anos do regime militar, utilizando referências teóricas e políticas do filósofo francês Michel Foucault. O trabalho da pesquisadora apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) poderá ser conhecido no próximo mês, quando será lançado o livro A aventura de contar-se: feminismos, escrita de si e invenções da subjetividade (Editora da Unicamp), em Campinas e em São Paulo. Margareth contou nessa entrevista detalhes de seu trabalho, as principais descobertas e surpresas que a força das mulheres ainda é capaz de causar. Metrópole – Como surgiu a ideia da pesquisa e do livro? Margareth Rago – Quando se considera o período de 1970 para cá, observa-se uma grande revolução nos costumes, na moral, na vida. Acaba a ditadura. Muitos movimentos sociais emergem, as mulheres entram no mercado de trabalho e elas também se transformam. Eu quis trabalhar com as memórias e as narrativas autobiográficas de feministas militantes de diferentes áreas, que tinham 20 e poucos anos na década de 1970, eram de esquerda, algumas foram presas ou se exilaram e aderiram ao feminismo na segunda metade daquela década. São mulheres com histórias de vida interessantes, com experiências da inserção política e que se saíram muito bem, apesar das dificuldades que enfrentaram. Foi uma geração que jogou tudo para o alto, que não quis saber do casamento como único caminho. Quem são estas mulheres? As ex-presas políticas Criméia Schmidt de Almeida e Maria Amélia de Almeida Teles, fundadoras da União de Mulheres de São Paulo; a filósofa e teóloga feminista Ivone Gebara, autora de diversos livros e antiga assistente de Dom Helder Câmara, no Recife, por 17 anos; a líder do Movimento Autônomo das Prostitutas e fundadora da grife Daspu, Gabriela Silva Leite; a socióloga feminista e professora da Unicamp, Maria Lygia Quartim de Moraes; a antropóloga e historiadora Norma Telles, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); e a historiadora Tania Navarro Swain, da Universidade de Brasília (UnB), editora da revista digital feminista Labrys, Estudos Feministas. Como a senhora as escolheu? Há alguns anos, quando estudava a Revolução Espanhola, descobri o grupo Mujeres Libres e li muito sobre ele. Para seguir a pesquisa, precisaria ficar mais tempo na Espanha. Mas eu quis voltar para o Brasil e pensei em procurar as “mulheres livres” do nosso país. Como aqui não havia um grupo formado, decidi montar um para compor o meu trabalho, com mulheres que causaram transformações também na esfera pública. Elas não tinham referências e mostraram suas ideias. Foi um enfrentamento muito ousado para a época. Escolhi essas sete mulheres, mas acho que existem muitas outras. O que elas fizeram que tanto chamou a atenção da senhora? A Criméia e a Maria Amélia foram militantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). A Maria Lygia, que foi ligada ao jornal feminista Nós, Mulheres, teve o marido assassinado brutalmente, foi exilada com a filha pequena, tendo vivido em Cuba, no Chile e na França, e tornou-se professora da Unicamp. Gabriela Leite foi de uma ousadia impressionante. Hoje é mais velha, tem companheiro há 30 anos e um movimento social atrás de si. Mas quando começou, deu a cara a tapa em uma sociedade muito conservadora. A Ivone comprou uma das brigas mais difíceis: com Deus! Foi chamada de “freira do aborto” por uma publicação brasileira e mandada para a Bélgica para ficar quieta. Ela dizia e ainda diz que a igreja é uma instituição masculina, machista e elitista. A Norma saiu em busca das escritoras do século XIX, que não constavam nos livros de história da literatura brasileira e eram desconhecidas até então. Já a Tania é uma feminista radical na maneira de viver. O que mais surpreendeu a senhora em sua pesquisa? Foi um mundo de surpresas, com histórias de vida interessantíssimas. Quando comecei a gravar as entrevistas, descobri na socióloga Maria Lygia uma pessoa de enorme sensibilidade. Outro exemplo foi a Criméia, que relatou a dificuldade de viver como clandestina, que foi uma vida de muita solidão, porque sua condição de clandestinidade política não permitia que ela falasse de seu passado, nem pudesse contar suas histórias. De maneira geral, acho que em cada uma das entrevistadas, descobri outra pessoa bem diferente da que eu imaginava. Hoje, a situação mudou muito, assim como o mundo. As pessoas são mais informadas, tem a internet e as redes sociais. Mudou a tal ponto que, quando a Dilma foi eleita presidenta, o debate não foi se ela era mulher, mas sim sobre a posição dela em relação ao aborto. Foi muito diferente de quando a Luiza Erundina foi prefeita de São Paulo. Nem o Partido dos Trabalhadores (PT) aguentou uma mulher nordestina e solteira. Vinte anos depois, ninguém mais perguntou se Dilma seria capaz de governar. A página tinha sido virada. Os homens também mudaram? Muito. Por mais que se diga que existem machões. Há uma grande diferença geracional. Os homens do pós-feminismo têm outra cabeça e lidam com as mulheres de outra maneira. Até mesmo nas manifestações feministas é possível ver esta mudança. Antes, eles ficavam nas laterais apenas dando apoio, fotografando e levando água. Agora eles se juntam às mulheres e levantam cartazes apoiando mães, irmãs, namoradas e esposas. É outra masculinidade emergindo. |
Fonte: Metrópole
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