A falta de banheiros públicos na Índia, onde há mais pessoas com acesso a um telefone celular do que a um banheiro, faz com que muitas mulheres dedicadas à política considerem renunciar aos seus cargos por terem de fazer suas necessidades ao ar livre e correr o risco de sofrer violência de gênero. Nove meses depois de eleita presidente do conselho de sua aldeia, Krupa Shanti, de 36 anos, foi a responsável por mudanças importantes em Mallampeta, a 570 quilômetros de Hyderabad, capital do Estado de Andhra Pradesh. “Desde que assumi o cargo, 300 pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza conseguiram seu cartão de racionamento e recebem alimentos subsidiados, e outras 200 tramitaram seus cartões de votação”, disse Shanti à IPS. Mas a primeira mulher a dirigir a aldeia não conseguiu mudar o que mais lhe interessava: espaços sanitários para as mulheres de sua comunidade. “Não recebi o dinheiro necessário para construir um único banheiro”, contou. Ela e suas colegas são obrigadas a fazer suas necessidades no campo ou no morro. A 600 quilômetros, no povoado de Chowtapalli, a presidente do conselho, Sandhya Rani, se queixa do tempo que perde no trabalho pela falta de saneamento. O escritório de Rani, que assumiu o cargo em agosto de 2013, fica em um prédio antigo e em mau estado, que não tem água corrente nem instalações sanitárias. “Cada vez que preciso ir ao banheiro tenho que correr para casa. Como uma pessoa pode trabalhar nessas condições?”, perguntou a IPS. Mas Rani tem sorte. Das nove mulheres que integram o conselho de dez membros, é a única que conta com um banheiro em sua casa, e com isso evita a vergonha de ter de urinar ou defecar ao ar livre. A falta de vasos sanitários é um problema comum na Índia, país de 1,2 bilhão de habitantes onde quase 60% de seus cidadãos carecem de saneamento adequado. Um informe recente da Organização Mundial da Saúde (OMS) situa a Índia à frente dos países com maior número de pessoas que defecam ao ar livre, com 58% da população, incluindo mulheres e meninas. O censo de 2011 mostra que quase 70% das moradias rurais e 18% das urbanas carecem de um banheiro. Os dados do censo desse ano confirmaram que mais pessoas têm telefone celular, com 59% das famílias, do que banheiros, com 47%. A situação é especialmente preocupante para as mulheres políticas do meio rural, que afirmam que o terrível processo de ter de fazer suas necessidades em público as impede de levar a cabo suas funções. Muitas também estão alarmadas pela série de ataques violentos contra mulheres na Índia rural, assediadas sexualmente quando vão ao campo à noite. Um incidente que atraiu a atenção dos meios de comunicação deste país aconteceu em 28 de maio, quando duas adolescentes de Katra Shadatganj, 228 quilômetros a sudoeste de Nova Délhi, foram violadas e penduradas em árvores. Desde então foram denunciados quatro casos semelhantes na mesma área. Posteriormente se soube que todas as vítimas viviam em casas sem banheiro e que foram atacadas quando tentavam fazer suas necessidades à noite. Agora, as conselheiras locais começam a temer por suas vidas como consequência da insuficiência de instalações sanitárias. Thotakurra Kamalamma, uma política de Kodi Thadi Parru, disse que seu conselho nunca teve um banheiro. Isso não impediu que ela participasse da política, mas o incidente de Katra Shadatganj a espantou, e agora teme ter um destino semelhante, contou à IPS. “Tenho uma filha. Se algum dia isso me acontecer, quem cuidará dela?”, perguntou essa mulher que decidiu renunciar ao cargo. A conselheira de Chowtapalli, Swaroopa Chamtla, também pensa em deixar o cargo, algo que seu marido a está impedindo de fazer. “Tenho rivais políticos que derrotei nas eleições. O que acontece se me seguirem no campo e me atacarem? Está acontecendo em todas as partes, não?”, argumentou à IPS. O governo indiano fornece material de construção a custo subsidiado, bem como doações em dinheiro, para as famílias rurais construírem banheiros. Mas Krupa Shanti, uma das primeiras mulheres que tentou fazer o pagamento inicial de dez mil rúpias (US$ 170), afirma que o custo é proibitivo para muitas famílias rurais do país, onde se calcula que 30% da população vive abaixo da linha da pobreza, de US$ 1,25 por dia. Ela também acredita que os funcionários dos governos são indiferentes à situação das mulheres nos povoados, e, portanto, atrasam a aprovação dos fundos para banheiros. Estudos independentes apoiam parcialmente sua opinião. Um informe do Banco Mundial de 2011 diz que os fundos públicos para o saneamento são extremamente insuficientes na Índia. O Banco Mundial também calculou que o país perdeu US$ 53,9 bilhões só em 2006 devido à falta de saneamento, valor equivalente a cerca de 6,4% do produto interno bruto indiano. Enquanto organismos como a Organização das Nações Unidas (ONU) reclamam maior participação das mulheres na política em nível local, pouca atenção é dada aos problemas específicos que traz a escassez de saneamento generalizada. Aparajita Ramsagar, consultora de saneamento independente e ex-diretora de projetos do Sewa Bharat, um sindicato de trabalhadoras autônomas, disse que no biênio 2010-2011 o governo aumentou de 33% para 50% a cota de cadeiras para as mulheres nos conselhos das aldeias. “O objetivo era que mais mulheres se somassem ao processo político. Mas o governo não previu a necessidade de contar com banheiros para elas nos conselhos locais”, pontuou à IPS. Entretanto, a maioria dos funcionários nega a acusação. Segundo Narsimha Rama Murthy, engenheiro do departamento de saúde de Visakhapatnam, a maior cidade de Andhra Pradesh, os atrasos no financiamento se devem à burocracia própria do Estado e não à indiferença das autoridades. “Temos que inspecionar e comprovar a situação antes de aprovar os pedidos de dinheiro. É preciso seguir o processo”, argumentou à IPS. por Stella Paul, da IPS |
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Fonte: Envolverde/IPS
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