Para Elizeta Ramos, resolução do governo de São Paulo fere direitos e aumenta estigmatização
A procuradora-geral da República, Elizeta Ramos, manifestou-se contra uma resolução da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo (SAP), que condiciona a transferência de mulheres trans para presídios femininos somente àquelas submetidas a cirurgia de redesignação sexual. A exigência, segundo ela, está amparada em “argumento simplista e reducionista”.
Em parecer encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quarta-feira (18), Elizeta diz que a exigência é inconstitucional – leia a íntegra do parecer. A PGR concorda, em partes, com a ação proposta pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), que acionou o STF, em agosto, contra a resolução paulista, em vigor desde 2014. O processo é relatado pelo ministro Alexandre de Moraes.
Para a associação, os trechos da resolução são incompatíveis com direitos fundamentais previstos pela Constituição, como livre identidade de gênero e direito de bem-estar psicossocial das mulheres transexuais e das travestis. A Antra também pondera que os custos para esse tipo de cirurgia são altos e é longo o tempo de espera para realizá-la pelo SUS.
No entendimento da Antra, deve caber à pessoa a decisão de escolher se deseja ficar em penitenciária masculina ou feminina. A associação pede a suspensão imediata da exigência.
A SAP alega que a resolução está baseada na aplicação da legislação federal (Lei de Execuções Penais), que só permite pessoas do sexo feminino em unidades prisionais para mulheres.
Para Elizeta, no entanto, a SAP confronta direitos estabelecidos pela Constituição e amplia a “estigmatização” de pessoas trans. A procuradora-geral afirma que o STF já decidiu que não se deve exigir cirurgia afirmativa de gênero para assegurar o reconhecimento identitário de pessoas trans.
O parecer lembra também decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que assegurou a aplicação da Lei Maria da Penha a mulheres trans. Por essas razões, a PGR classifica como “descabido” a SAP argumentar que está impedida de colocar mulheres trans, sem cirurgia, em presídios femininos por causa do texto da lei.
“Ainda que textos normativos esparsos façam referência apenas a ‘sexo’, o Direito deve ser capaz de acompanhar as mudanças cotidianas, estar atento às realidades sociais”, escreve Elizeta, para quem a atuação judicial deve se pautar pela “premissa máxima” de garantir dignidade a todo ser humano.
“(Condionar a escolha àquelas que fizerem cirurgia) significa adotar argumento simplista e reducionista que incrementa o tratamento preconceituoso e discriminatório contra esse grupo socialmente vulnerável e estigmatizado”, complementa.
Elizeta, no entanto, não acatou a solicitação da Antra para tornar obrigatória a escolha da pessoa trans sobre qual unidade prisional irá. Embora seja contra a exigência de cirurgias, ela entende que cabe ao juiz do caso analisar a opção e verificar a viabilidade de atendê-la.
A Advocacia-Geral da União (AGU) também já se manifestou sobre o pedido da associação. A exemplo da PGR, a AGU considerou o trecho da resolução “incompatível com a Constituição”.