A advogada indiana Vrinda Grover se tornou uma das vozes mais fortes do feminismo moderno ao conseguir transformar arcaicas leis da Índia, que poupavam agressores sexuais. Em entrevista ao site de VEJA, ela aponta como o preconceito contra a mulher está arraigado na sociedade.
A advogada indiana Vrinda Grover se tornou uma das vozes mais poderosas na luta global pelos direitos femininos. Os holofotes se voltaram para ela há dois anos, quando manifestações contra leis arcaicas, que não protegiam as mulheres contra assédio sexual e estupro, proliferaram pela Índia. “Ainda havia o conceito bárbaro, refletido na legislação, de que a culpa era da mulher, não do agressor”, lembra Vrinda. Ela liderou um movimento popular que mudou a lei indiana, que agora prevê rigorosas punições para crimes sexuais. O feito fez com que a revista americana Time a elegesse uma das 100 pessoas mais influentes do mundo. Com isso, ela se tornou uma das mais reconhecidas defensoras dos direitos femininos, com livre trânsito no governo da Índia e na ONU. Na entrevista a seguir, Vrinda defende que houve, sim, avanços significativos no combate ao machismo, mas que ainda há muito trabalho a ser realizado. Vrinda Grover trabalha em casos de violência contra as mulheres para transformar a sociedade em um lugar mais justo(Sipra Das/The India Today Group/Getty Images) Por que o machismo é uma característica tão arraigada ao redor do mundo? Essa é uma consequência clara da sociedade patriarcal, da forma como somos ensinados que o papel das mulheres é servir ao homem, seja em casa, seja como objeto sexual. Todos nós, independente do gênero, temos de ter a consciência de que a desigualdade é construída dentro da sociedade. E, por isso, só pode ser combatida com efetividade se houver uma clara união dos membros dessa sociedade. É possível construir uma cultura completamente livre do machismo? Sim, mas admito que isso levará muitas gerações. A melhor estratégia é nos unirmos aos movimentos de outras minorias, como o LGBT e o de negros. No fim das contas, todos batalhamos pelo mesmo objetivo, que é a igualdade, a fraternidade e os direitos humanos. Mas parte da sociedade, principalmente dos homens, defende que os avanços já são notáveis e que a causa feminista pode perder o sentido… Olha, isso é mais uma prova de machismo. O preconceito aparece nesse ato, na oposição ao simples fato de que as mulheres agora lutam por seus direitos. Como exemplo, ainda se vê o assédio sexual, a exemplo de um xaveco, como uma coisa normal, que faz parte da vida, que deveria ser aceito. Por essa visão, nós, mulheres, não teríamos senso de humor, pois o assédio verbal não seria violento, mas um tipo de elogio, uma piada. Julgar como exageradas nossas reclamações por direitos iguais ou pelo combate a esses atos ilusoriamente pequenos de assédio é, sim, machismo. Estamos no momento de levantar a voz e dizer que não, nada disso é normal, e queremos ser tratadas com respeito e igualdade. Como a senhora combateu na Índia os atos de machismo extremo, como a cultura do estupro coletivo como forma de punir mulheres por condutas supostamente imorais? Os casos dos estupros coletivos, que ganharam destaque na imprensa a partir de 2012, serviram para inflar a revolta popular. Nossos problemas e nossas lutas existem há décadas, mas foram as situações extremas, como os estupros coletivos, que deram força e apoio popular às nossas reinvindicações. Para se ter ideia: em 2012 alguns indianos ainda diziam que se uma mulher fosse estuprada, isso teria acontecido porque ela quis, por ter instigado o agressor. O pior era que isso era refletido nas leis do país, muito brandas, que livravam os estupradores e muitas vezes até puniam as vítimas. Felizmente, conseguimos mostrar à população que esses conceitos bárbaros estão errados. Nosso movimento popular teve grandes conquistas, como a modificação da legislação, que agora determina, por exemplo, que estupro é qualquer ato sexual forçado – mesmo que não haja evidências de resistência da vítima. As punições ficaram mais duras e, com isso, poderemos reprimir adequadamente os crimes. A médio prazo, isso logicamente se refletirá em uma sociedade cada vez menos machista. Mas atos brutais como estupros e agressões físicas são reflexo de machismo ou de violência?Existe reflexo do machismo nesses atos criminosos. Ao ver o pai maltratar a mãe, a desigualdade estabelecida nas ruas e no ambiente de trabalho, o homem com tendências violentas pode achar normal agredir uma mulher. Na mente do agressor, conceitos machistas certificam decisões ruins tomadas por ele. Afinal, se a mulher é vista como alguém que ocupa uma posição inferior, o homem pode achar que tem o direito de abusar dela. Países desenvolvidos são menos machistas? O desenvolvimento econômico não faz com que nos libertemos de certas raízes culturais. Já ouvi suecas reclamando de machismo excessivo, por exemplo. Nos Estados Unidos, onde tanto se fala em liberdade, ainda não surgiu uma presidente mulher. Por que será? A verdade é que todo o mundo ainda sofre com o machismo. A senhora é conhecida por defender que temos que parar de estereotipar os agressores como monstros e entender que a violência sexual está relacionada à violência do dia a dia na sociedade. Isso não vai contra seu discurso feminista? Acredito que agressores sexuais têm conhecimento da gravidade de seus atos, mas não creio que chamá-los de monstros seja a solução. Estaríamos alimentando um estereótipo que só gera mais ódio. São tantas formas de violência sexual que não temos mais controle sobre o todo. No caso do estupro coletivo de 2012, muitos homens foram às ruas para protestar contra a tibieza das leis indianas na punição desses bandidos. Até por isso, conseguimos reverter a situação e punir agressores. Mas tenho certeza que muitos dos homens que defenderam o fim do assédio sexual depois voltaram para casa e trataram mal, com grosserias, suas mães, irmãs ou esposas. Eles não percebem que esse ato também é violento. Isso não quer dizer que sejam monstros. São pessoas que precisam aprender que seus conceitos morais estão errados. Jennifer Ann Thomas |
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Fonte: Veja
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