O ano de 2014 será marcado por uma contradição nas tendências de consumo. É o que revela o relatório “As dez tendências globais de consumo para 2014? da agência internacional de inteligência estratégica da Euromonitor. A pesquisa mostra uma dualidade entre os consumidores, que balançam entre o desejo por itens de luxo – ao lado do uso mais frequente de aplicativos de compra e o apelo pelo visual – e a maior consciência ambiental e social, com hábitos mais frugais e compras de produtos locais. O estudo aponta que acrise financeira mundial, iniciada em 2009, trouxe mudanças globais dos padrões de consumo, comportamento esse que deve permanecer nos próximos anos. Mas onde as mulheres brasileiras da nova classe média ascendente se encaixam nessa história? A chamada classe C inclui 54% da população feminina e deve continuar a ascensão econômica verificada nos útimos anos. Segundo Renato Meirelles, sócio-diretor do Instituto Data Popular (o q é isso?), “isso se deve principalmente pela manutenção da taxa de emprego e do processo de melhoria no nível educacional dessa faixa de renda.” Segundo a entidade, essa classe média só existe porque a mulher foi para o mercado de trabalho e passou a ser uma fonte extra de renda. Para se ter uma ideia de como isso impacta a economia, nos últimos 20 anos o número de mulheres trabalhando cresceu 38% em relação à população, sendo que aquelas que conquistaram um posto com carteira assinada subiu 162% no mesmo período. Hoje as mulheres representam R$ 1,2 trilhões da economia no Brasil. E as da classe C são protagonistas do consumo. Um olho no peixe, outro no gato Naiza Rodrigues dos Santos é um exemplo dessa parcela da população brasileira que viu suas condições econômicas melhorarem. Para ela, consumir mais e melhor é um desafio cotidiano. Naiza está com 31 anos, é depiladora e trabalha na mesma empresa há 11 anos. Casada, tem dois filhos:uma menina de 12 e um menino de 9 anos. O marido, que faz manutenção de piscinas, ganha mais que o dobro do que ela, o que não a impede de realizar seus sonhos. “A vida melhorou muito na época do governo Lula, mas atualmente tenho sentido um aumento da inflação”,avalia. “Alimentação e lazer ainda são coisas de luxo como, por exemplo, ir ao cinema com filhos. Mas conseguimos adquirir a casa própria, mobiliamos tudo, compramos eletroeletrônicos e até viajamos. Fomos para a Bahia três vezes”, comemora a jovem mulher, que divide com o marido as decisões de compra no lar. “Eu acho que a mulher gasta mais do que o homem. Somos muito mais ligadas à aparência”, admite Naiza. Mas ela revela que a prioridade dos gastos é com a família e a casa. Cuidados pessoais, só de vez em quando. “Gosto de gastar, mas primeiro pago as contas e reservo um pouco que sobra para emergências”, calcula. Tanto Renato Meirelles, quanto DalbertoAdulis, gerente de conteúdo e de metodologias do Instituto Akatu para o Consumo Consciente, concordam que a mulher da classe C faz o dinheiro render mais e compra de uma maneira menos supérflua do que uma mulher da classe A. Mas nesse contexto da ascensão econômica de milhões de brasileiros, como ficam os sonhos e escolhas de consumo dessa mulher, que, em geral, estudou mais do que o homem? Naiza se considera mais sonhadora que o marido, que “é mais prático”, como ela diz. “Meu sonho de consumo é mudar de casa e de bairro (atualmente ela mora em Carapicuíba). Gostaria de morar em Barueri, pois a infraestrutura ali é melhor. Mas imóvel hoje ainda é muito caro, e onde eu quero morar está fora dos nossos padrões atuais”, admite. A jovem tem o sonho de fazer faculdade, porém mais do que isso, seu projeto é de que os dois filhos também façam curso superior para que tenham melhores condições de vida que as dela e do marido. Mas acha que faculdade só não basta: “é preciso fazer pós-graduação; quero que minha filha faça intercâmbio em outro país”. Bem diferente de Naiza foi o percurso de Janete Pereira Santos. Obrigada pelo pai, a baiana de Feira de Santana largou os estudos aos 14 anos para trabalhar na roça da família,. Sempre sonhou em ser professora, mas aos 16 anos, grávida da primeira filha, veio para São Paulo com o ex-marido para trabalhar na área de limpeza de uma fábrica de alimentos. Dispensada pelas turbulências dos planos econômicos do governo Collor, tornou-se diarista. Hoje, aos 37 anos, está separada, e tem uma filha de 21 e um filho de 15 anos. Janete também comemora as conquistas da ascensão da classe C. Apesar de não ter conseguido a casa própria, equipou a moradia. Hoje ela tem TV de tela plana, DVD e máquina de lavar roupas. Recentemente, comprou um smartphone a prazo para o filho e realizou sua primeira viagem de avião. Consumo consciente Se o ingresso da mulher da classe C no mercado de trabalho mudou muitas coisas em seu dia a dia – ela passa menos tempo em casa, compra mais roupa, depende menos do marido e influencia mais nas decisões de compra do lar e na educação dos filhos -, essas chefes de família seriam promotoras de um consumo mais consciente? DalbertoAdulis, que trabalha pela conscientização da sociedade para o consumo consciente há 20 anos, afirma que essa questão não está diretamente ligada a classes sociais. “Consumo consciente é quando há consciência pessoal dos impactos causados por aquilo que se está consumindo”, define. Essa consciência implica as escolhas de consumo, e deve estar presente antes, durante e depois do ato de consumir. Antes de comprar, a pessoa consciente buscará saber de onde veio o produto, como ele é feito, e conhecer as consequências de sua decisão, isso não apenas em termos econômicos, mas também sobre o meio ambiente e para a sociedade. Na última pesquisa do Akatu – “Rumo à Sociedade do Bem-Estar” (2012) – aparece que há no Brasil 5% de consumidores conscientes e 22% engajados, o que significa que 27% já têm comportamentos de consumo mais conscientes.Os números se mantêm de alguns anos para cá e o resultado destaca que os consumidores estão mais bem informados sobre sustentabilidade, têm mais interesse pela Responsabilidade Social Empresarial e estão mais críticos em relação às empresas do que dez anos atrás, quando o Akatu iniciou a avaliação dos comportamentos de consumo. Já Renato Meirelles entende que a classe C tem total preocupação com meio ambiente.Talvez até mais que as classes A e B, pois muitas vezes o problema impacta diretamente o dia a dia dessas pessoas. Por exemplo: o lixo descartado nas ruas pode fazer transbordar o córrego próximo à sua residência; já a latinha descartada corretamente pode ser fonte de renda complementar. O sócio-diretor do Data Popular vê dois desafios para a Sustentabilidade: “um é fazer com que o produto não sustentável subsidie o sustentável (uma questão tributária); outro é trazer esse conceito para a vida real dessas pessoas. Em países como Brasil, Índia ou China há um contingente de pessoas que sempre tiveram pouco acesso a recursos básicos, comoalimentos, água e produtos de primeira necessidade. A inserção de novas populações ao mercado é o lado bom da inclusão socioeconômica: as pessoas podem agora consumir. Mas há riscos. Hoje, no Brasil, vêm aumentando o número de obesos, mais do que o de subnutridos. O Akatu, que sempre se ocupou do problema da obesidade versus desperdícios de alimentos, entende que ao educar e conscientizar as pessoas para esse tipo de problema torna o consumo consciente relevante. “Em sustentabilidade, é fundamental haver esses dois esforços: educação e conscientização”, diz Adulis. A novidade na pesquisa do Akatu de 2012 é que há questões sobre os desejos das pessoas. E as respostas mostraram um estilo de vida mais sustentável. “As pessoas estão mais preocupadas com a saúde e a educação (delas próprias, como dos familiares) e em ter alegria”, enfatiza Adulis. O dinheiro ocupa apenas o quarto lugar nas preocupações dos 800 entrevistados maiores de 16 anos, de todas as classes sociais e de 12 capitais e/ou regiões metropolitanas de todo o País. Investimento Ponto para Naiza! Elaprocura sempre as escolas públicas mais bem conceituadas para os filhos, enquanto o casal ainda não consegue pagar escolas particulares. Em contrapartida, a filha já cursou dois anos de inglês em escola particular, o que deve acontecer também para o filho mais novo neste ano. No quesito saúde, Naiza e o marido optaram por deixar de pagar o convênio médico para toda a família (preferiram trocar essa despesa pelo financiamento da moradia), permanecendo o seguro hospitalar para os filhos. Segundo o Censo de 2010, as taxas de escolarização foram crescentes com o aumento do rendimento domiciliar per capita. O brasileiro está gastando mais para estudar e deverá gastar em 2014 cerca de R$ 72 bilhões em educação. Pagar por mais qualificação é um investimento. Afinal, “cada ano de estudo impacta em 15,7% a mais no salário médio dos brasileiros”, avalia Meirelles. Mas esse aquecimento no mercado d educação não passou em branco para os bolsos dos brasileiros. Como aponta outro estudo do Instituto Data Popular, nos últimos 12 anos, descontada a inflação do período, as despesas com mensalidades escolares mais que dobraram,totalizando uma alta de 116%. No relatório da Euromonitor sobre as tendências mundiais de consumo há um alerta ao crescente endividamento da população.Na América Latina, o crédito para empréstimos (com exceção daqueles voltados ao financiamento de imóveis) aumentou 61,3% entre 2008 e 2013. Aparentemente o Brasil foge à regra. Para Meirelles, ao contrário, o Brasil tem um dos menores índices de endividamento do mundo. E como especialista em consumo de classes populares, ele acredita que há uma margem muito grande para que o consumo da classe C cresça sem levar a um aumento exagerado dos níveis de inadimplência e endividamento no País. “Ninguém tem direito de falar para uma mulher da classe C que ela continue a lavar roupa na mão para evitar endividar-se ao comprar uma máquina de lavar a prazo”, ironiza ele. Mas dados da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC) da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio-SP) apontam que as famílias paulistanas estavam mais endividadas em dezembro de 2013, em relação ao mesmo período do ano anterior. Essa alta demonstra que, apesar da redução dos índices inflacionários, o consumidor ainda apresenta dificuldades em equilibrar seu orçamento familiar. Com isso, as famílias buscam novas formas de financiamento para manter o padrão de consumo, elevando o comprometimento da renda com dívidas. Embora Janete dos Santos admita adorar comprar a prazo, as dificuldades por que passou a obrigaram a levar uma vida sempre regrada em relação às finanças. Nunca chegou a ter o “nome sujo”, mas já ficou várias vezes “com a corda no pescoço” e se sentiu “obrigada a dobrar a carga horária de trabalho”, como ela conta. “Inventei de fazer uma escova progressiva e o serviço saiu muito mais caro do que eu pensava. Eu já estava quase no limite, e tive de trabalhar seis meses fazendo duas diárias por dia para me recuperar. A experiência serviu de lição”, relata. Janete admite que deveria gastar menos com itens supérfluos e investir no aprimoramento da educação dos filhos e com um plano de saúde. E jura que, no futuro, pretende adquirir mais bens à vista. Nos planos está a filha, que recentemente terminou o ensino médio, e que ela pretende ver na faculdade. Questão de Gênero Na avaliação da Fecomercio-SP, o principal tipo de dívida registrado no último mês de dezembro foi com o cartão de crédito, sendo utilizado por 73,9% das famílias. Ele é seguido por carnês (17%); financiamento de carro (16,4%); crédito pessoal (10,7%); financiamento de casa (8,9%) e cheque especial (6,4%). Caso seja esta a melhor definição para o que chamamos de consumo consciente, é certo que a mulher seja a melhor agente: é ela quem pesquisa preços, avalia a melhor relação custo-benefício e controla as finanças, podendo escolher o que é mais justo, mais durável e mais saudável para toda a família. De acordo com a conclusão do estudo da consultoria Euromonitor, “os consumidores, ainda que continuem manifestando interesse por produtos considerados de luxo e comprando por impulsividade, vêm exercitando maior visão crítica no momento de abrir a carteira”. 3 DICAS DE CONSUMO CONSCIENTE DO AKATU As “comprinhas” do shopping podem financiar uma bela viagem Num dia é uma blusa; no outro, um sapato, um cinto, um relógio… Enfim, aquela coisinha que “você merece” se dar toda vez que entra em uma loja poderia financiar a viagem que você tanto sonha, mas acha que não tem dinheiro para pagar. Se você resistir às compras supérfluas ou por impulso, economizar R$ 200 por mês e aplicar este dinheiro na poupança por dois anos, vai acumular mais de R$ 5 mil reais, o suficiente para uma viagem bem gostosa! Compre somente o que realmente importa na sua vida Desde 1960, a população do planeta aumentou duas vezes e meia, ao passo que o consumo cresceu seis vezes. O consumo aumentou tanto, que, mantendo o padrão atual de produção, consumo e descarte, precisaríamos dos recursos naturais de mais do que um planeta: precisaríamos de um planeta e meio! Por isso é tão importante você alinhar o seu consumo com aquilo que realmente importa em sua vida, comprando o que realmente vai melhorar o seu bem-estar e evitando as compras por impulso e o desperdício. Compras parceladas custam muito caro Procure sempre comprar os produtos à vista, evitando crediários e financiamentos, que saem caros devido aos juros elevados. À primeira vista, pode parecer atrativo comprar uma geladeira que custa R$ 900 em 24 prestações de R$ 93. Porém, ao fazer as contas, você verá que ao optar pelo crediário acabará pagando quase 2,5 vezes pelo mesmo produto, ou seja R$ 2.250! Para evitar surpresas sempre faça as contas antes de decidir como comprar. * Publicado originalmente no site Mercado Ético |
Fonte: Envolverde
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