Uma pesquisa publicada nesta quarta-feira (2) na revista científica “The Lancet” apontou que, na pandemia, mulheres foram mais afetadas do que os homens em pelo menos quatro aspectos: desemprego, trabalho não remunerado, educação e violência de gênero.
“Mostramos evidências de disparidades de gênero nos aspectos de saúde, sociais e econômicos, com as mulheres sendo afetadas desproporcionalmente em várias dimensões”, dizem os autores do estudo, liderado por uma brasileira, Luísa Flor, pesquisadora de pós-doutorado na Universidade de Washington, nos Estados Unidos.
“Este estudo fornece a primeira evidência global abrangente sobre disparidades de gênero para uma ampla gama de indicadores de saúde, sociais e econômicos durante a pandemia. As evidências sugerem que a Covid-19 tendeu a exacerbar as disparidades sociais e econômicas existentes anteriormente, em vez de criar novas desigualdades”, afirmou a autora sênior Emmanuela Gakidou, da mesma universidade.
As cientistas analisaram dados de 193 países no período de março de 2020 a setembro de 2021. Veja, abaixo, as principais conclusões:
1 – Desemprego foi maior entre mulheres
Em setembro de 2021, 26% das mulheres e 20% dos homens relataram perda de emprego durante a pandemia.
“Os impactos econômicos afetaram mais as mulheres do que os homens em alguns países, porque elas tendem a ser empregadas desproporcionalmente em setores mais atingidos pela Covid-19, como a indústria hoteleira ou como trabalhadoras domésticas”, avaliou Luísa Flor.
Em todas as regiões, as mulheres relataram taxas mais altas de perda de emprego do que os homens desde o início da pandemia, embora essa tendência tenha diminuído ao longo do tempo.
A perda de renda também ocorreu globalmente – foi relatada por 58% dos entrevistados, com taxas gerais semelhantes para homens e mulheres (embora as diferenças de gênero variassem entre as regiões).
“Grupos étnicos minoritários, imigrantes e mulheres em situação de pobreza provavelmente estão entre os mais severamente afetados pela pandemia. Além disso, as normas sociais de gênero em muitos países atribuem responsabilidades domésticas e de cuidado aos filhos preferencialmente às mulheres e reduzem seu tempo e capacidade de se envolver em trabalho remunerado”, completou a pesquisadora brasileira.
2 – Mais trabalho não remunerado
Mulheres em todas as regiões foram mais propensas do que os homens a relatar que precisaram renunciar a um emprego remunerado para cuidar de outras pessoas.
A disparidade aumentou ao longo do tempo. Em março de 2020, a cada 1 homem no mundo que disse ter precisado abdicar do emprego para cuidar de alguém, esse número para as mulheres era 1,8. Em setembro de 2021, a disparidade aumentou para 2,4.
Essa diferença entre os sexos ocorreu em todo o mundo, mas de forma menos significante no Norte da África e no Oriente Médio.
As maiores diferenças de gênero foram observadas em países de alta renda: as mulheres foram 1,1 vez mais propensas a relatar que tiveram que cuidar de outras pessoas. Na Europa Central, na Europa Oriental na Ásia Central, as mulheres tiveram 1,22 vez mais chance de relatar aumento no trabalho doméstico.
3 – Mais meninas deixaram a escola
Os entrevistados, geralmente pais, relataram que, em todo o mundo, 6% dos alunos abandonaram a escola durante a pandemia. (O dado não incluiu faltas devido ao fechamento de escolas).
As maiores diferenças de gênero foram observadas na Europa Central, Europa Oriental e Ásia Central – onde quatro vezes mais mulheres do que homens abandonaram a educação.
Pessoas com mais de 12 anos de escolaridade em países de alta renda e na África Subsaariana eram menos propensos a relatar que seus filhos haviam abandonado a escola.
Entre os alunos que tiveram aulas on-line, apenas 50% dos entrevistados relataram ter acesso adequado às tecnologias de aprendizagem virtuais. Por outro lado, mulheres e meninas tinham 1,11 vez mais probabilidade de relatar um bom acesso do que os alunos do sexo masculino. Novamente, os entrevistados com alto nível de escolaridade e urbanos eram mais propensos a relatar que os alunos em sua casa tinham acesso adequado a recursos de aprendizagem on-line.
4 – Percepção de aumento na violência de gênero
Geralmente, 54% das mulheres e 44% dos homens relataram julgar que a violência de gênero aumentou em sua comunidade durante a pandemia. As taxas mais altas foram relatadas por mulheres na América Latina e no Caribe (62%), países de alta renda (60%) e na África Subsaariana (57%).
“Mesmo que existam várias indicações de que a Covid-19 tenha potencialmente exacerbado os níveis de violência de gênero e reduzido o acesso a redes de apoio para aqueles que sofrem violência, vale a pena enfatizar que os desafios para lidar com a violência de gênero e a prestação inadequada de serviços antecedem a crise atual”, ressaltou Luísa Flor.
“A necessidade crítica de melhores evidências e recursos suficientes alocados a esse problema de saúde, social e humanitário sempre foi urgente e agora se tornou ainda mais”, completou a pesquisadora.
Pandemia não pode reverter avanços na igualdade de gênero, alertam cientistas
As pesquisadoras alertaram que a pandemia trouxe ameaças à busca pela igualdade de gênero – e será necessário agir para reverter o cenário.
“A sociedade está em um momento crucial, em que o investimento no empoderamento de mulheres e meninas é extremamente necessário para garantir que o progresso em direção à igualdade de gênero não seja interrompido ou revertido por causa da pandemia”, disse a pesquisadora Emmanuela Gakidou.
Fonte: G1